Diálogos da Transição

Clima e financiamento em Pacto [sem ambição] pelo Futuro da ONU

Pacto pelo Futuro elenca preocupações com emergência climática e gap de financiamento sustentável – mas não vincula ações

Emergência climática e financiamento em Pacto [sem ambição] pelo Futuro da ONU. Na imagem: Lula durante a Sessão de Abertura da Cúpula do Futuro, no Salão da Assembleia Geral, da Sede das Nações Unidas em Nova York, em 22/9/2024 (Foto Ricardo Stuckert/PR)
Lula (PT) durante a Sessão de Abertura da Cúpula do Futuro, no Salão da Assembleia Geral, da Sede das Nações Unidas em Nova York | Foto Ricardo Stuckert/PR

NESTA EDIÇÃO. A semana começa marcada pela Assembleia Geral da ONU e a Climate Week em Nova York colocando a emergência climática no centro das discussões. 

A assinatura do Pacto pelo Futuro elenca preocupações com emergência climática e gap de financiamento sustentável – mas não indica metas, nem vincula ações.

No Brasil, o foco é o futuro do óleo e gás e o apoio do governo Lula a novas fronteiras exploratórias, inflamando o descontentamento de organizações ambientais.

E ainda: Relatório BNEF estima que o Brasil precisa de US$ 1,3 tri em energia de baixo carbono até 2050.


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A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou no domingo (22/3) um Pacto pelo Futuro (.pdf) com 56 ações para enfrentar os desafios deste século, entre elas, superar a lacuna de financiamento para nações emergentes adaptarem suas economias para sistemas de produção sustentáveis.

“Fecharemos a lacuna de financiamento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nos países em desenvolvimento”, diz o item número 4 do documento multilateral.

“Estamos profundamente preocupados com a crescente lacuna de financiamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que os países em desenvolvimento enfrentam. Devemos fechar essa lacuna para evitar uma divisão duradoura do desenvolvimento sustentável, aumentando a desigualdade dentro e entre os países e uma erosão ainda maior da confiança nas relações internacionais e no sistema multilateral”, continua.

O documento é um acordo multilateral não vinculativo, ou seja, os países concordam com o que está escrito, mas se vão seguir ou não, como e quando, cabe a cada um decidir.

Uma das ações previstas no item 4 é “fornecer e mobilizar financiamento de desenvolvimento sustentável, acessível, transparente e previsível de todas as fontes e os meios necessários de implementação para países em desenvolvimento”.

Outra, aumentar e cumprir os compromissos de países ricos de atingir a meta de 0,7% da renda nacional bruta destinada à assistência oficial ao desenvolvimento e 0,15 a 0,20% para países menos desenvolvidos.

A preocupação com as consequências da mudança do clima também entrou no documento. No item 9, o pacto repete alguns compromissos assumidos no final do ano passado, na COP28, para acelerar o corte de emissões alinhado com 1,5°C, como triplicar renováveis, dobrar eficiência e fazer transição para longe dos fósseis.

Inclui ainda o reconhecimento de que “os combustíveis de transição podem desempenhar um papel na facilitação da transição energética, garantindo ao mesmo tempo a segurança energética”, uma brecha para o gás natural.

O caráter vago e genérico do documento foi a solução encontrada para que essa negociação de quatro anos terminasse com algum consenso. 

É uma busca por fortalecer o multilateralismo e trata ainda de questões como reforma do Conselho de Segurança da ONU, mudanças na arquitetura financeira internacional, ações sobre dívidas dos países mais pobres e debate sobre regulação de plataformas digitais.

“Não podemos criar um futuro adequado para os nossos netos com um sistema criado por nossos avós”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres.



Na sessão de abertura da Cúpula do Futuro, no domingo (22/9), o presidente Lula (PT) criticou a lentidão de países ricos na mobilização de recursos para que outras nações possam mitigar os efeitos do aquecimento global.

“Na COP28 do Clima, o mundo realizou um balanço global da implementação das metas do Acordo de Paris. Os níveis atuais de redução de emissões de gases do efeito estufa e financiamento climático são insuficientes para manter o planeta seguro”, discursou o presidente brasileiro.

Em parceria com o secretário-geral da ONU, como preparação para a COP30, o Brasil pretende trabalhar por um balanço ético global das metas nacionais de redução de emissões (NDCs).

A intenção é reunir diversos setores da sociedade civil para “pensar a ação climática sob o prisma da justiça, da equidade e da solidariedade”, diz Lula.

Enquanto em Nova York a semana é do clima, no Brasil, é do óleo e gás. Nesta segunda (23/9), durante a abertura da Rio Oil & Gas 2024 (ROG.e), o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), assinou a portaria que cria programa Potencializa E&P, cujo objetivo inclui fomentar novas fronteiras de exploração de fósseis.

“O programa Potencializa E&P é o fomento da exploração em novas fronteiras e revitalização dos campos maduros. É o nosso compromisso com o futuro do setor energético, garantindo que as nossas reservas sejam aproveitadas ao máximo e de forma sustentável”, discursou Silveira.

Segundo o ministro, há sinergia entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental na estratégia de seguir investindo em petróleo e gás, e as políticas de valorização dessa indústria incluem compromisso com a redução de emissões de CO2.

Ambientalistas discordam. Do lado de fora do Boulevard Olímpico do Rio, onde ocorre a ROG.e, organizações da sociedade civil promoveram nesta manhã um protesto contra a exploração de combustíveis fósseis.

O grupo – composto por Observatório do Clima, Climainfo e 350.org, entre outros – responsabiliza grandes petroleiras como Petrobras, Shell, BP, Exxon e Total pela crise climática.

Vale dizer, na Climate Week em Nova York, a ONG ambiental Climate Group propôs uma lista de tarefas para governos e empresas fecharem a lacuna de emissões, e a taxação de companhias de óleo e gás é uma delas.

A intenção é garantir que os poluidores paguem, a começar pelo G20.

“O G20 deveria concordar com um novo imposto mínimo de importação de óleo e gás. Alguns dólares por barril levantariam centenas de bilhões de dólares para apoiar a transição. A cada trimestre, as companhias de O&G estão anunciando bilhões em lucros sem investir isso em transição”, diz o comunicado.


Transição vai custar US$ 1,3 tri. Para se manter em trajetória de emissões líquidas zero até 2050, o Brasil precisará investir cerca de US$ 0,5 trilhão em energias renováveis, para atender à eletrificação de setores intensivos em energia e carbono, como transporte, construção e indústria.

Expansão de redes para escoar toda essa geração renovável demandará mais US$ 0,5 trilhão, aproximadamente, enquanto o hidrogênio de baixo carbono deve movimentar cerca de US$ 0,1 trilhão no período, calcula a BloombergNEF.

Brasil e Índia de olho no SAF. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o ministro de Petróleo e Gás Natural da Índia, Hardeep S. Puri, assinaram uma declaração conjunta no sábado (21/9) para reforçar colaboração nas áreas de energia e mineração.

Uma das agendas de interesse é o combustível sustentável de aviação (SAF, em inglês). Segundo e terceiro maiores produtores globais de biocombustíveis, Brasil e Índia esperam alavancar infraestrutura para essa indústria.

Casa de ferreiro, espeto de pau. Levantamento do TCU para avaliar práticas socioambientais das organizações públicas mostra que a grande maioria (74%) ainda não adota medidas para compensar a emissão de gases de efeito estufa. Entre as 387 organizações da administração federal, 60% ainda estão em estágios iniciais de ações de sustentabilidade ambiental e social e só 43% implementam iniciativas de prevenção e combate ao assédio.

Leilão de térmicas. O atraso na definição das regras do leilão de reserva de capacidade, pelo Ministério de Minas e Energia, tende a reforçar o favoritismo das térmicas existentes. O certame deve escorregar para 2025 e, a depender de sua formatação final, pode dificultar ainda mais a contratação de projetos greenfield (novos). Veja quem é quem na disputa.

US$ 75 bi em projetos de hidrogênio. A quantidade de projetos globais de hidrogênio de baixo carbono aumentou sete vezes nos últimos quatro anos, saltando de 228 em 2020 para 1.572 em 2024, segundo o mais recente relatório do Hydrogen Council.

O valor do capital comprometido seguiu o mesmo ritmo de crescimento, passando de US$ 10 bilhões em 2020 para US$ 75 bilhões em 2024, distribuídos em 434 projetos que já alcançaram a decisão final de investimento (FID).

Lítio brasileiro na eletrificação europeia. A AMG Lithium inaugurou na semana passada, na Alemanha, a primeira refinaria de hidróxido de lítio da Europa. Grande parte do lítio refinado na nova planta virá do Brasil. A refinaria tem uma capacidade anual de produção de 20 mil toneladas de hidróxido de lítio, quantidade suficiente para equipar cerca de 500 mil veículos elétricos. 

Fundo contra tragédias climáticas. A gestora do banco francês BNP Paribas no Brasil vai lançar neste ano cotas para pessoas físicas de seu fundo destinado ao investimento em ativos de combate a tragédias climáticas. Segundo a BNP, está crescendo o interesse de investidores de varejo nessa área. (Folha)

US$ 50 milhões para ESG. Banco do Brasil levantou US$ 50 milhões (R$ 276 milhões) com o Citi, em Nova York, nos Estados Unidos, para emprestar a projetos sustentáveis no Brasil. É a primeira vez que dois bancos, um americano e um brasileiro, se unem em uma linha de financiamento que prevê juros menores caso compromissos da agenda ESG sejam alcançados. (Broadcast)