NESTA EDIÇÃO. Icao reconhece valor climático da safrinha de milho para produção de SAF, o que deve favorecer as exportações do Brasil.
É também uma vitória da diplomacia brasileira, que já havia avançado com o tema no G20 e na FAO.
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A Organização Internacional da Aviação Civil (Icao, em inglês) aprovou, na sexta (27/6), uma recomendação técnica que reconhece os benefícios ambientais da segunda safra de milho (a safrinha) na produção de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, em inglês) — o que deve favorecer o acesso do etanol de milho brasileiro aos mercados internacionais.
A metodologia é temporária, mas marca um avanço da diplomacia climática do governo Lula (PT), enfrentando, inclusive, uma resistência dos EUA, concorrente direto do Brasil neste mercado.
- Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), a decisão adotada na 235ª sessão da Icao, em Montreal, foi viabilizada por uma articulação conjunta com o Itamaraty e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e teve apoio de todos os países votantes, com exceção dos Estados Unidos.
E chega no contexto em que a indústria de transporte aéreo aponta a urgência de ampliar a oferta de SAF e o leque de matérias-primas elegíveis para a produção, sob o risco de não conseguirem cumprir as metas da própria Icao no Corsia.
O acordo internacional estabelece que as companhias aéreas internacionais devem zerar suas emissões líquidas de carbono até 2050, alinhando o transporte aéreo ao Acordo de Paris para limitar o aquecimento global a 1,5°C.
O SAF é um dos pilares dessa descarbonização, na medida em que pode reduzir até 80% das emissões em relação ao querosene fóssil. Mas sua produção ainda é incipiente.
Dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, em inglês) indicam que a oferta de SAF deve alcançar 2,5 bilhões de litros em 2025, o dobro em relação a 2024, mas ainda 0,7% do consumo total de combustível das companhias aéreas.
O que está em jogo
Historicamente biocombustíveis de origem agrícola, como o etanol de milho, enfrentam barreiras no mercado internacional — especialmente o europeu — por temores em relação à competição com a produção de alimentos e impactos ambientais no uso do solo.
Segundo o Itamaraty, o documento aprovado na Icao reconhece a prática agrícola de cultivos alternados ou consecutivos de matérias-primas elegíveis para produção de SAF.
A organização entendeu que a técnica, que gera mais de uma colheita por ano na mesma área, contribui para o melhor aproveitamento do solo.
“Com isso, as metodologias de contabilidade de carbono oficiais da agência passam a reconhecer aspectos importantes da agricultura de regiões tropicais, avanço importante na valorização de matérias-primas diversas e de práticas produtivas sustentáveis na produção do SAF”, diz o ministério em nota.
A visão é que o reconhecimento formal dessa prática agrícola favorece a inserção “mais equitativa” de países em desenvolvimento na economia de baixo carbono.
Foi assunto no CNPE
A agência eixos mostrou, na semana passada, que a reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para autorizar o aumento das misturas de etanol (E30) e biodiesel (B15) também serviu de palco para reforçar a ofensiva diplomática do governo brasileiro por padrões mais justos de contabilidade de emissões no setor de biocombustíveis.
No encontro da última quarta (25/6), Lula mencionou a falta de reconhecimento, por parte dos EUA e da Europa, da “safrinha” de milho brasileira como diferencial climático.
O Brasil defende a chamada “tropicalização” das metodologias internacionais sobre uso da terra direto e indireto (LUC e iLUC), que penalizam o ciclo de vida do etanol de milho nacional, mais limpo do que o norte-americano.
A pressão brasileira já tinha ganhado apoio da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) e da FAO, e foi incorporada ao documento final do G20, em 2024, que menciona a necessidade de “metodologias que levem em conta circunstâncias nacionais e evidências científicas do IPCC”.
“Muita gente dizia que se fôssemos fazer biodiesel ia faltar alimentos no mundo. O Brasil não precisa desmatar para crescer. Não tem possibilidade de alguém fazer discurso de que biocombustível compete com alimento”, afirmou Lula, durante o evento que sucedeu a reunião do CNPE.
Cobrimos por aqui
Curtas
Eólica offshore emperrada. Para o cônsul-geral britânico no Rio de Janeiro, Anjoum Noorani, a demora na regulamentação da lei das eólicas offshore pode afastar o interesse de empresas do Reino Unido no Brasil. Em entrevista à agência eixos, Noorani defende ainda a definição de regras claras para a realização dos leilões de áreas e agilidade nas próximas etapas da regulamentação.
Impacto na conta de luz. O deputado federal Thiago Flores (Republicanos/RO) solicitou a palavra durante a reunião de diretoria da Aneel desta terça (1º/7) para pedir um posicionamento sobre a derrubada dos vetos do projeto de lei das eólicas offshore. Flores disse que antes da votação o governo não havia se posicionado alertando em relação ao possível aumento na conta de luz.
Cadeiras vazias na Aneel. A agência deve ter, a partir do dia 14 de julho, o terceiro interino na diretoria colegiada, com a conclusão dos mandatos de titulares. O governo federal ainda não definiu os próximos indicados para as duas cadeiras livres na diretoria da autarquia.
Nova troca no MME. O Ministério de Minas e Energia exonerou Thiago Barral do cargo de assessor especial do gabinete de Alexandre Silveira (PSD). A exoneração ocorreu a pedido e marca a segunda mudança de Barral na pasta em menos de um mês.
Curtailment. Os cortes na geração de energia renovável no Brasil podem aumentar em 300% até 2035, segundo a consultoria Wood Mackenzie. A projeção é que o país deve adicionar 76 GW em nova capacidade de geração solar e eólica terrestre na próxima década, mas enfrenta gargalos de infraestrutura para escoar essa energia.
Data centers começam a chegar. O número de pedidos para conexão de data centers à rede básica do SIN aumentou significativamente e chegou a 52 solicitações registradas pelo MME até junho. A demanda potencial é calculada em até 13,2 GW até 2035, caso todos os projetos obtenham pareceres favoráveis.
Crise orçamentária atrasa certificação de eVTOLs. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) suspendeu processo de certificação dos “carros voadores” da Embraer — devido a restrições orçamentárias. A decisão decorre do bloqueio de R$ 30 milhões no orçamento da agência pelo Decreto 12.477/2025.
Igreja Católica contra fósseis. Pela primeira vez, conferências episcopais do Sul Global — representando mais de 800 milhões de católicos da África, Ásia e América Latina —se reuniram para divulgar uma declaração conjunta (.pdf) cobrando justiça climática, transição energética e o fim dos combustíveis fósseis na COP30.
- O documento foi anunciado hoje (1º/7), durante coletiva na Sala de Imprensa do Vaticano, em uma ação que marca o décimo aniversário da Laudato Si’ e critica o recuo de governos em compromissos anteriores, além de responsabilizar países ricos e grandes corporações pela crise climática.