diálogos da transição

Brasil avança com SAF de milho no Corsia, apesar dos EUA

Icao aprova recomendação que valoriza práticas agrícolas tropicais, como a “safrinha”, e beneficia a produção brasileira

Brasil deve escolher se prefere produzir SAF ou exportar matéria-prima como etanol 2G. Na imagem: Técnico de manutenção de aviação, com colete de segurança amarelo fosforescente, carrega combustível de aviação sustentável no Boeing ecoDemonstrator 2021, com mangueira conectada verticalmente na parte de baixo da aeronave (Foto: Divulgação Boeing)
A partir de 2027, começa a fase obrigatória do Corsia e as empresas aéreas precisarão manter suas emissões de carbono abaixo dos níveis de 2019-2020 (Foto: Divulgação Boeing)

NESTA EDIÇÃO. Icao reconhece valor climático da safrinha de milho para produção de SAF, o que deve favorecer as exportações do Brasil.

É também uma vitória da diplomacia brasileira, que já havia avançado com o tema no G20 e na FAO.


EDIÇÃO APRESENTADA POR

A Organização Internacional da Aviação Civil (Icao, em inglês) aprovou, na sexta (27/6), uma recomendação técnica que reconhece os benefícios ambientais da segunda safra de milho (a safrinha) na produção de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, em inglês) — o que deve favorecer o acesso do etanol de milho brasileiro aos mercados internacionais.
 
A metodologia é temporária, mas marca um avanço da diplomacia climática do governo Lula (PT), enfrentando, inclusive, uma resistência dos EUA, concorrente direto do Brasil neste mercado.

  • Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), a decisão adotada na 235ª sessão da Icao, em Montreal, foi viabilizada por uma articulação conjunta com o Itamaraty e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e teve apoio de todos os países votantes, com exceção dos Estados Unidos.

E chega no contexto em que a indústria de transporte aéreo aponta a urgência de ampliar a oferta de SAF e o leque de matérias-primas elegíveis para a produção, sob o risco de não conseguirem cumprir as metas da própria Icao no Corsia.

O acordo internacional estabelece que as companhias aéreas internacionais devem zerar suas emissões líquidas de carbono até 2050, alinhando o transporte aéreo ao Acordo de Paris para limitar o aquecimento global a 1,5°C.

O SAF é um dos pilares dessa descarbonização, na medida em que pode reduzir até 80% das emissões em relação ao querosene fóssil. Mas sua produção ainda é incipiente.

Dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, em inglês) indicam que a oferta de SAF deve alcançar 2,5 bilhões de litros em 2025, o dobro em relação a 2024, mas ainda 0,7% do consumo total de combustível das companhias aéreas.



Historicamente biocombustíveis de origem agrícola, como o etanol de milho, enfrentam barreiras no mercado internacional — especialmente o europeu — por temores em relação à competição com a produção de alimentos e impactos ambientais no uso do solo.
 
Segundo o Itamaraty, o documento aprovado na Icao reconhece a prática agrícola de cultivos alternados ou consecutivos de matérias-primas elegíveis para produção de SAF. 
 
A organização entendeu que a técnica, que gera mais de uma colheita por ano na mesma área, contribui para o melhor aproveitamento do solo.
 
“Com isso, as metodologias de contabilidade de carbono oficiais da agência passam a reconhecer aspectos importantes da agricultura de regiões tropicais, avanço importante na valorização de matérias-primas diversas e de práticas produtivas sustentáveis na produção do SAF”, diz o ministério em nota. 
 
A visão é que o reconhecimento formal dessa prática agrícola favorece a inserção “mais equitativa” de países em desenvolvimento na economia de baixo carbono.

A agência eixos mostrou, na semana passada, que a reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para autorizar o aumento das misturas de etanol (E30) e biodiesel (B15) também serviu de palco para reforçar a ofensiva diplomática do governo brasileiro por padrões mais justos de contabilidade de emissões no setor de biocombustíveis. 
 
No encontro da última quarta (25/6), Lula mencionou a falta de reconhecimento, por parte dos EUA e da Europa, da “safrinha” de milho brasileira como diferencial climático.
 
O Brasil defende a chamada “tropicalização” das metodologias internacionais sobre uso da terra direto e indireto (LUC e iLUC), que penalizam o ciclo de vida do etanol de milho nacional, mais limpo do que o norte-americano.
 
A pressão brasileira já tinha ganhado apoio da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) e da FAO, e foi incorporada ao documento final do G20, em 2024, que menciona a necessidade de “metodologias que levem em conta circunstâncias nacionais e evidências científicas do IPCC”.
 
“Muita gente dizia que se fôssemos fazer biodiesel ia faltar alimentos no mundo. O Brasil não precisa desmatar para crescer. Não tem possibilidade de alguém fazer discurso de que biocombustível compete com alimento”, afirmou Lula, durante o evento que sucedeu a reunião do CNPE.


Eólica offshore emperrada. Para o cônsul-geral britânico no Rio de Janeiro, Anjoum Noorani, a demora na regulamentação da lei das eólicas offshore pode afastar o interesse de empresas do Reino Unido no Brasil. Em entrevista à agência eixos, Noorani defende ainda a definição de regras claras para a realização dos leilões de áreas e agilidade nas próximas etapas da regulamentação.
 
Impacto na conta de luz. O deputado federal Thiago Flores (Republicanos/RO) solicitou a palavra durante a reunião de diretoria da Aneel desta terça (1º/7) para pedir um posicionamento sobre a derrubada dos vetos do projeto de lei das eólicas offshore. Flores disse que antes da votação o governo não havia se posicionado alertando em relação ao possível aumento na conta de luz.
 
Cadeiras vazias na Aneel. A agência deve ter, a partir do dia 14 de julho, o terceiro interino na diretoria colegiada, com a conclusão dos mandatos de titulares. O governo federal ainda não definiu os próximos indicados para as duas cadeiras livres na diretoria da autarquia. 
 
Nova troca no MME. O Ministério de Minas e Energia exonerou Thiago Barral do cargo de assessor especial do gabinete de Alexandre Silveira (PSD). A exoneração ocorreu a pedido e marca a segunda mudança de Barral na pasta em menos de um mês.
 
Curtailment. Os cortes na geração de energia renovável no Brasil podem aumentar em 300% até 2035, segundo a consultoria Wood Mackenzie. A projeção é que o país deve adicionar 76 GW em nova capacidade de geração solar e eólica terrestre na próxima década, mas enfrenta gargalos de infraestrutura para escoar essa energia.
 
Data centers começam a chegar. O número de pedidos para conexão de data centers à rede básica do SIN aumentou significativamente e chegou a 52 solicitações registradas pelo MME até junho. A demanda potencial é calculada em até 13,2 GW até 2035, caso todos os projetos obtenham pareceres favoráveis.
 
Crise orçamentária atrasa certificação de eVTOLs. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) suspendeu processo de certificação dos “carros voadores” da Embraer — devido a restrições orçamentárias. A decisão decorre do bloqueio de R$ 30 milhões no orçamento da agência pelo Decreto 12.477/2025.
 
Igreja Católica contra fósseis. Pela primeira vez, conferências episcopais do Sul Global — representando mais de 800 milhões de católicos da África, Ásia e América Latina —se reuniram para divulgar uma declaração conjunta (.pdf) cobrando justiça climática, transição energética e o fim dos combustíveis fósseis na COP30. 

  • O documento foi anunciado hoje (1º/7), durante coletiva na Sala de Imprensa do Vaticano, em uma ação que marca o décimo aniversário da Laudato Si’ e critica o recuo de governos em compromissos anteriores, além de responsabilizar países ricos e grandes corporações pela crise climática.

Newsletter diálogos da transição

Inscreva-se e fique por dentro de tudo sobre Transição Energética