“Dois mil e dezenove. Houve uma reunião em que não queriam me passar a palavra de jeito nenhum. Quando finalmente alguém disse para me passar a palavra, a pessoa ficou revoltadíssima porque não queria passar a palavra para mim, que era a única mulher ali”
“Março de dois mil e vinte. Na tela não deixavam eu falar. Esse negócio de levantar a mãozinha, fingiam que não viam a minha mãozinha levantada. Gente. Éramos seis”
“Antes de mim, apresentaram um homem, o fulano, excelente profissional, super competente. E aqui a beltrana, uma [cargo] muito bonita”
“Filhinha, você pode pegar um café pra mim, por favor?”
“Chica, você negocia feito um macho”
“Não, você senta aqui atrás, aí é só para autoridades”
BRASÍLIA e RIO — Empresas com mais mulheres em seus conselhos estão se saindo melhor nas estratégias para cumprir metas climáticas, segundo um estudo da gestora de ativos Arabesque.
O levantamento é o primeiro a abordar o tema e avaliou as mil maiores empresas do mundo.
A descoberta: 20% dos conselhos mais diversificados estão mais alinhados com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima da média pré-industrial até 2050.
Por outro lado, 37% das empresas nos 20% menos diversificados vão em uma trajetória de 2,7°C ou superior, e a maioria não divulgou nenhum dado significativo, mostra a pesquisa.
Os dados são claros: diversidade importa. Mas ainda estamos longe de alcançar um cenário ideal, especialmente no Brasil, onde as barreiras começam na infância, com a definição de papéis de gênero e vão até os conselhos de empresas e altos escalões do governo, onde mulheres são silenciadas ou colocadas para sentar no fundo.
A agência epbr conversou com quatro executivas do setor energético — elétrico e óleo e gás — que trazem suas visões de onde viemos e para onde vamos com a transição.
Anna Paula Carvalho, sócia do Souto Correa Advogados e há mais de 20 anos no setor de energia, conta que a história do óleo e gás começa perpetuando uma estrutura machista.
“Tinha o poço, o foco de petróleo, uma sonda, escassez de sonda e a sonda ia para outro lugar. Por isso as famílias eram móveis”.
Com a mobilidade sendo parte da cultura do setor, quando os maridos viajam, as mulheres vão junto, e têm mais dificuldade para estabelecer uma carreira.
Daí para os conselhos e cargos de liderança, a baixa representatividade e a exclusão ficam ainda mais acentuadas.
Um levantamento da consultoria Deloitte mostra que as mulheres ainda são 10,4% em conselhos administrativos no Brasil — ficamos abaixo da média mundial (19,7%) em participação feminina, atrás de nações como Nigéria (21,7%), Filipinas (17,7%) e Índia (17,1%).
No setor de energia, elas são apenas 6% nos cargos de liderança no Brasil.
Outro dado preocupante é que 80% dos empregos criados pela economia de baixo carbono serão em setores dominados por homens.
Ou seja, a não ser que a pauta de equidade de gênero também entre na agenda de transição, mulheres não serão beneficiadas com os novos empregos.
E tudo começa pela formação.
“No meu curso de engenharia mecânica nós éramos seis mulheres em uma turma de noventa pessoas. Isso em 1982. Há pouco tempo voltei lá para fazer uma palestra. Eram sete meninas. Uma turma enorme também. Mudou quase nada”, conta Cristina Pinho, conselheira de Administração da Ocyan.
Cristina, que foi diretora executiva do IBP e atuou por 30 anos na Petrobras, explica que ainda há muito preconceito na indústria, o que desencoraja seguir carreira no setor.
“Elas não se sentem estimuladas a seguir esse caminho porque acham que não vão conseguir chegar lá, que só tem lugar para homens”.
Segundo a executiva, muitas empresas ainda não conseguem demonstrar o valor que dizem dar para as mulheres. E mantêm as barreiras para ascensão a altos cargos.
Enquanto outras já encaram a diversidade de maneira firme, adotando políticas de inclusão em todos os cargos, até o de CEO.
“Não adianta só falar. Trabalhos de grandes empresas como Mackenzie e Deloitte mostrando que a diversidade é boa para os negócios têm sensibilizado os executivos e executivas de várias empresas. E muitas empresas encaram isso de uma maneira muito firme”.
Ter lideranças femininas de destaque no setor energético é essencial para mudar o paradigma, comenta Raíssa Cafure Lafranque, diretora de novos negócios e vice-presidente da EDF Renewables.
Aos 33 anos, com um filho de cinco e outro a caminho, Raíssa conta que foi promovida a vice-presidente durante sua segunda gestação.
“A empresa passa uma mensagem, que é possível sim conciliar a carreira e planejamento familiar, que não deve ter um tabu e que a empresa tem esse comprometimento social”.
Para Raíssa, trazer a maternidade para o dia a dia da empresa é uma forma de desmistificar o que por muito tempo pesou como ponto negativo para contratação ou promoção de mulheres — a gravidez ou a intenção de ter filhos.
“Com ações concretas, seja por exemplo com a minha promoção estando grávida, ou como a dedicação de uma sala na empresa para amamentação ou retirada de leite [feita pela EDF]… Para que essas mulheres não se sintam inseguras. Não sintam que a maternidade não concilia bem com o crescimento profissional”.
E, se a inclusão de mulheres ainda é baixa, a de pessoas negras e LGBTQI+ tem passado ao largo.
“Poucas [empresas de óleo e gás] estão atentas a isso. O que se tem conversado muito na indústria é sobre a diversidade de gênero. A questão racial não se discute muito. É um problema sério na indústria de óleo e gás, porque a barreira já começa na universidade. O jovem negro [tem mais dificuldade de] entrar na universidade para fazer engenharia. Universidade que não tem cota fica mais difícil ainda”, comenta Cristina Pinho.
Mulheres puxando mulheres
“A diversidade, e não digo só de mulheres, mas racial também, efetivamente faz a diferença”, destaca Renata Isfer, sócia da Petres Energia e ex-secretária de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME).
Renata está à frente de dois programas para engajar na pauta de equidade de gênero, o Sim, elas existem, que traz visibilidade para as mulheres do setor, e o Empodere-C, uma mentoria feminina para jovens mulheres do setor.
Apesar de a presença feminina no setor de energias renováveis ser mais forte que no O&G, elas continuam sub-representadas, mostra a Agência Internacional de Energia Renovável (Irena).
No mundo, as mulheres representam apenas 32% da força de trabalho geral de energia renovável e 21% da força de trabalho eólica.
Quando se trata de funções em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), esses números são ainda menores: 28% e 14%, respectivamente.
Além disso, a análise da Irena revela que as mulheres têm maior probabilidade de estar empregadas em áreas de salários mais baixos, cargos não técnicos, administrativos e de relações públicas do que em cargos técnicos, gerenciais ou de formulação de políticas.
“Aprendi que temos que mostrar nosso trabalho para ter reconhecimento e aparecerem oportunidades”, comenta Renata.
Por ser mulher e jovem, ela sentiu na pele as dificuldades para conquistar espaço em um setor dominado por homens.
“Tive que ser sempre muito assertiva, porque se eu começasse a falar e, por qualquer motivo perdesse as palavras, já tinha alguém pronto para interromper”.
“Outra coisa que aprendi a fazer foi divulgar meu trabalho. Isso fez muita diferença. O próprio LinkedIn foi uma boa ferramenta para mostrar meu conhecimento. É a tese do oitenta/vinte: passar 80% do seu tempo fazendo o seu trabalho e 20% você tem que divulgar”.
É preciso saber se posicionar. Saber avançar com a pauta, completa Anna Paula Carvalho.
“Ter uma pauta de inclusão, de dar as mãos, é extremamente importante, senão a gente não vai avançar de fato. Para mim, engajá-las é prioridade. E sucumbir jamais”, diz.