Sentado no saguão do aeroporto aguardando o voo para os compromissos da ABHIC – Associação Brasileira de Hidrogênio e Combustíveis Sustentáveis, refletindo sobre os desafios do setor elétrico e as expectativas para o mercado em 2024, há 5 tópicos, em especial, que acredito serem hot spots:
1 – Preços de energia elétrica e a expansão do sistema:
O ciclo de chuvas do período de 2021-2022 foi volumoso, com início em outubro, e se intensificou em dezembro.
Sendo a nossa matriz “Hidro” dependente com cerca de 65% em hidrelétricas, os preços de energia no Mercado Livre, no momento, no horizonte de 2023 a 2027, estão oscilando na faixa de R$ 100 a R$ 130/MWh para contratos de Energia Incentivada – Renováveis com benefício de desconto de 50% na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão/Distribuição (TUST/TUSD) no Submercado Nordeste –, com prazos de 1 a 5 anos.
Com a sobreoferta de energia e com as Distribuidoras sobrecontratadas, a expectativa de realização de Leilões de Energia do Mercado Regulado para os próximos três anos é baixa. A não ser que ocorram os fenômenos climáticos El Ninõ/La Niña com intensidade elevada, de forma a alterar todo o ciclo das chuvas no sentido de estiagem/seca.
2 – Abertura do mercado de energia elétrica:
A abertura do mercado de energia elétrica vem sendo discutida desde o final da década de 90, com uma interrupção em 2004 (Novo Modelo), e retomada fortemente em 2017 (Contribuição Pública Ministério de Minas e Energia 33/2017).
Atualmente, a regulação correlata (Portaria MME 50/2022) estabelece, para janeiro de 2024, a abertura para todos os consumidores atendidos em tensão acima de 13,8 kV (Grupo Alta Tensão).
Essa sinalização, junto a cenários de preços de curto prazo (Preço Líquido das Diferenças – PLD*) e de contratos (Ambiente de Contratação Livre – ACL, ou também conhecido como Mercado Livre) baixos, indica um forte movimento de migração (cerca de 220 mil Unidades Consumidoras) nos anos vindouros, com oportunidades de alocação de novos projetos de geração, bem como produtos e serviços para consumidores industriais e comerciais de médio porte, através da atuação de comercializadores, varejistas e gestores de energia.
- O PLD (Preço de Liquidação das Diferenças) é um indicador utilizado no Mercado Livre de energia elétrica para representar o valor de referência para a comercialização da eletricidade no Mercado de Curto Prazo. O MCP é onde o ambiente os agentes do setor elétrico negociam a energia elétrica necessária para atender à demanda do sistema elétrico brasileiro em um horizonte de curto prazo, que geralmente abrange um período de uma semana.
Resta agora saber a confirmação do cronograma para a abertura total, com a inclusão dos consumidores atendidos em baixa tensão (Grupo Baixa Tensão).
O PLD é divulgado diariamente para cada hora do dia seguinte pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), e é definido para cada submercado do Brasil.
Em períodos de escassez de energia, quando a demanda é maior que a oferta, o PLD tende a ser mais alto, incentivando a redução do consumo e o acionamento de usinas térmicas mais caras. Já em períodos de oferta excedente, o PLD tende a ser mais baixo.
O cálculo do PLD envolve diversos fatores, incluindo as condições de geração de energia das usinas, o nível dos reservatórios das hidrelétricas, as previsões de demanda, as interligações entre os submercados e outras variáveis relevantes.
Ele é utilizado como referência para a liquidação financeira das operações realizadas no mercado de curto prazo e tem influência direta sobre os preços da energia elétrica para os consumidores e as receitas das empresas do setor.
A retomada pela Câmara dos Deputados, em agosto de 2023 do tema referente ao Projeto de Lei n° 414/21 indica que a discussão pode avançar para a abertura total do mercado ou seja, para que todos os consumidores, incluindo os residenciais e rurais de baixa tensão, a partir de janeiro de 2028, possam comprar energia elétrica diretamente de qualquer fornecedor.
Contudo, existem diversas barreiras técnicas e regulatórias a serem superadas, entre elas: 1) separação das atividades de redes elétricas e comercialização regulada nas Distribuidoras; 2) Definição regulatória dos agregados de medição, agregadores de cargas e supridores de última instancia (SUP); 3) criação de Tarifas Binômias (Demanda e Energia) para a Baixa Tensão; 4) Solução para a contratação realizada pelas Distribuidoras em leilão (Contratos Legados), entre outros.
3 – Consolidação da Geração Distribuída:
Conforme dados da Aneel, em 2017 a fonte solar fotovoltaica tinha uma potência instalada de 1.009 MW (84% do total) no Brasil em geração centralizada e de 185 MW (16% do total) em geração distribuída.
Hoje, depois de 6 anos e meio, estamos com 9.626 MW (30% do total) em geração centralizada e 22.381 MW (70% do total) em geração distribuída, totalizando 32,017 GW da fonte solar na matriz elétrica brasileira. Portanto, um crescimento de aproximadamente 855% em GC e de aproximadamente 11.997% em GD. Impressionante.
É importante salientar que estamos em um cenário de inflação elevada nos EUA e Europa, bem como de taxa de juros elevadas no Brasil, mesmo que com a recém redução da Selic de 13,75% para 13,25 % a.a., o que naturalmente dificulta a implantação de projetos de geração de energia, independente da fonte.
Porém, com a tendência de queda do preço de placas fotovoltaicas, o custo de implantação de energia solar deve diminuir em 2024, bem como deve seguir a tendência de queda para os próximos anos, mantendo ou mesmo aumentando a competitividade da fonte solar.
4 – Marco Regulatório do Hidrogênio, Marco Regulatório da Eólica Offshore e Marco Regulatório do Mercado de Redução e Emissões de Carbono:
Após a reforma tributária, que é uma proposta de emenda à Constituição (PEC 45/2019), ser aprovada na Câmara dos Deputados, em que se altera consideravelmente a tributação sobre o consumo, com a substituição de cinco tributos por dois novos tributos – com objetivo de simplificação e redução das distorções, sendo o foco a transparência ao consumidor –, todas as atenções do Governo Federal e do Congresso (Câmara e Senado) se voltam para a pauta da sustentabilidade.
Assim, até o final de 2023, deverá ser aprovado o Marco Regulatório do Mercado de Hidrogênio, necessário para fornecer a segurança jurídica à atração dos investimentos a partir do início de 2024, mirando o desenvolvimento e implantação de plantas de hidrogênio para atendimento do mercado externo, por meio de exportação de derivados do H2 (como amônia e metanol) para a Europa, em especial Alemanha e Holanda.
Com abertura do mercado de hidrogênio, segundo a consultoria McKinsey & Company, no estudo Hidrogênio verde: uma oportunidade de geração de riqueza com sustentabilidade, para o Brasil e o mundo, de 2021, o Brasil está entre os países mais competitivos para produção de hidrogênio verde no mundo.
- O custo nivelado do hidrogênio (“Levelized Cost of Hydrogen”) verde brasileiro ficaria em torno aproximadamente US$ 1,50 / kg de H2 em 2030, equiparando-se às melhores localizações dos EUA, Austrália, Espanha e Arábia Saudita.
Importante lembrar que, atualmente, temos capacidade total instalada de geração em 193 GW, sendo o 7º país no mundo em capacidade instalada, e o 3º maior produtor de energia renovável, perdendo apenas para EUA e China.
Sendo que, comparado a esses dois países, o Brasil tem maior proporção de energia renovável, em torno de 85%. A estimativa é que sejam criadas oportunidades de investimentos de US$ 200 bilhões nos próximos 20 anos, e uma necessidade de dobrar a capacidade instalada da matriz elétrica neste período.
Quanto ao mercado de (reduções e emissões) de carbono, deverá ser regulamentado o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) de gases que provocam o efeito estufa, previsto na Lei n° 12.187, de 2009 (Política Nacional sobre Mudança do Clima)
O MBRE deverá ser operacionalizado em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), onde se dará a negociação de títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas.
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5 – Segurança e flexibilidade operativa do Sistema Interligado Nacional:
Em julho de 2023, com aproximadamente 26 GW de potência instalada em energia eólica e 32 GW em energia solar, totalizando 58 GW (58 GW / 193 GW = 30% da capacidade total instalada) de geração intermitente ou variável, ou seja, fontes eólica e solar dependentes das condições climáticas e temporais, resultando em flutuações na geração de energia ao longo do tempo.
Com esse percentual de intermitentes, podemos ter instabilidade no Sistema Interligado Nacional (SIN), e desta forma exigir grandes esforços por parte do Operador Nacional do Sistema (ONS) para equilibrar a oferta e a demanda de eletricidade.
Haverá, também, necessidade de fontes de energia de reserva e despacháveis, sendo uma oportunidade para o retorno da implantação de hidrelétricas, fontes renováveis provedoras de armazenamento de energia, estabilidade sistêmica e flexibilidade operativa por serem despacháveis.
Esse retorno deve ser a médio prazo (3 a 5 anos para entrada em operação), em função do complexo e demorado processo de licenciamento ambiental de hidrelétricas atualmente no país.
Além disso, com essa grande quantidade de energia intermitente, a estabilidade da rede elétrica deve ser afetada, causando flutuações de tensão e frequência.
Para manter a estabilidade no curto prazo (6 meses a 2 anos), será necessário implementar tecnologias avançadas de controle e armazenamento de energia, como os Sistemas de Armazenamento de Energia por Baterias (Battery Energy Storage Systems – BESS), em que se tem controle de frequência e despacho de potência e balanceamento entre oferta e demanda da ordem de centenas de Megawatts em tempos muito curtos, na faixa de fração segundos.
O mercado aguarda a realização do primeiro Leilão de Reserva de Capacidade, para contribuir com Flexibilidade e Confiabilidade operativa no SIN, com possibilidade de participação de BESS ou mesmo um leilão específico para essa tecnologia.
Sérgio Augusto Costa é Fundador e Presidente Executivo da Associação Brasileira de Hidrogênio e Combustíveis Sustentáveis (ABHIC), Fundador e CEO da VILCO Energias Renováveis e da EMD Brasil.
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