BRASÍLIA – A regulação do mercado brasileiro de carbono pode exigir o avanço do marco legal da captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês), disse a senior fellow do Núcleo de Energia do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Rafaela Guedes.
Em entrevista à agência epbr, ela explicou que a tecnologia de CCS é uma das rotas de compensação para o setor de óleo e gás, mas a ausência de um quadro regulatório dificulta a sua inserção no sistema de comércio de emissões.
“Para atingir a neutralidade em carbono até 2050, não podemos prescindir de nenhuma rota de compensação e o Brasil ainda não regulamentou como vão funcionar os nossos hubs de CCS. Não tem uma regulação redonda e nem os incentivos necessários”, comentou.
Guedes acredita que, até 2030, as práticas de compensação para a indústria de O&G devem continuar sendo as soluções baseadas na natureza, como o reflorestamento e outras alternativas de estocagem de carbono.
“A melhor maneira de fazer isso no curto prazo são as soluções baseadas na natureza até 2030, e, em diante, bioenergia com captura e armazenamento de carbono [BECCS] e captura com utilização do carbono [CCUS]”, diz. “É preciso começar a capturar carbono”.
Um dos textos, o PL 1425/2022 está sob análise da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal. Estabelece as competências regulatórias para o mercado desenvolver projetos de armazenamento permanente ou temporários de carbono em reservatórios geológicos.
O tema também está previsto no Combustível do Futuro, programa do Ministério de Minas e Energia (MME) que será enviado à Câmara dos Deputados nesse segundo semestre. A minuta está em discussão no governo.
Na fila, está o próprio mercado de emissões – o ETS brasileiro –, previsto também para agosto e parte da agenda setorial para transição ecológica, tocada pela Fazenda, Indústria e Comércio (MDIC) e Meio Ambiente.
O&G e mercado de carbono
As regras propostas hoje para o mercado regulado impactam, principalmente, os setores de difícil descarbonização, como a indústria de óleo e gás, uma das maiores emissoras de gases do efeito estufa (GEE).
Enquanto o ETS brasileiro aguarda definição pelo governo, o mercado voluntário opera de acordo com regras de geração definidas por cada empresa. Nessa modalidade, as organizações podem comprar e vender créditos de carbono para ajudar a neutralizar suas próprias emissões de CO2.
Ainda não há consenso sobre qual será o limite de créditos compensados no mercado voluntário dentro da regulamentação, mas existe uma margem dentro da estratégia de cada empresa do que é considerado aceitável, explica Rafaela Guedes.
“Não é aceitável que uma empresa no setor fóssil compre 100% de créditos de carbono para compensar suas emissões. O limite poderia ser de 10% a 20%, no máximo, de soluções baseadas na natureza (NBS). Todo o resto terá que ser via aumento de eficiência, CCS, novas energias”, comenta.
O que são NBS?
As soluções baseadas na natureza são iniciativas praticadas por empresas ou indivíduos que participam voluntariamente do mercado de carbono.
São ações que buscam compensar o CO2 emitido pelos participantes por meio de reflorestamento de áreas desmatadas ou degradadas, estabelecimento de novas florestas e a recuperação de ecossistemas.
A executiva avalia que as ações de descarbonização das indústrias brasileiras de óleo devem avançar mais rapidamente, pois o cenário mundial está demandando maior transparência.
“Ou o mercado de óleo se adapta ou ele não vai conseguir penetrar outros lugares […] A regulação dos países para onde a gente está exportando está mais exigente. Você vai ter que ter certificações e transparência suficientemente para demonstrar que aquela rota é sustentável”.
Padrão internacional
Rafaela Guedes defende ainda que o Brasil deve considerar os critérios de padronização e transparência adotados pelo mundo, tanto nos sistemas de comércio de carbono quanto nas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) – a meta de cada país para atender ao Acordo de Paris.
“Precisamos de critérios de transparência e padronização. Acho que o grande problema está sendo a falta de padronização pelo mundo, inclusive das NDCs”.
Ela cita preocupações com a falta de uniformidade entre o mercado Europeu, o maior e mais antigo, e os mais recentes. “Na China é por PIB; para a Europa é de um jeito, para o Brasil, de outra forma”, disse.
Comércio de carbono: o que está em discussão no Brasil?
O plano do governo federal para o comércio de emissões mira o modelo cap and trade, que consiste na distribuição de autorizações para emitir CO2, estabelecendo uma quantidade máxima de emissões de GEE às empresas reguladas.
Neste sistema, a organização regulada que consegue cortar emissões e ficar abaixo do teto pode negociar as autorizações excedentes com empresas que não conseguiram cumprir suas metas e terão que adquiri-las.
O modelo foca principalmente nas indústrias com altos níveis de emissões de carbono e tem apoio de organizações empresariais como Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), que anseiam pela regulamentação o quanto antes.
Na visão de Rafaela Guedes, para o setor energético, faz mais sentido essa regulação wide economy, isto é, para a economia como um todo, e não por setores.
“Esse mercado regulado deve olhar para o contexto brasileiro para que não gere assimetrias e para que ele consiga fazer com que a transição energética traga oportunidades para o país”.
“Pensando no setor de energia, o modelo wide economy teria um custo mais eficiente para o país”, defende.
Um exemplo de mercado de carbono setorial é o RenovaBio, que obriga as distribuidoras de combustíveis a compensarem as emissões decorrentes da comercialização de produtos fósseis por meio da compra de créditos de descarbonização (CBIOs).
Os títulos, por sua vez, são emitidos por produtores de biocombustíveis, que se certificam no programa para emitir ativos que comprovam a eficiência energético-ambiental da produção.