Biocombustíveis

Marquise Ambiental e MDC planejam levar biometano para indústrias de Manaus

Em entrevista à agência epbr, Hugo Nery, presidente da Marquise, e Manuela Kayath, presidente da MDC, comentam os planos de expansão e avaliam o momento político do biometano no Brasil

Marquise Ambiental e MDC planejam levar biometano para indústrias de Manaus
Hugo Nery, presidente da Marquise Ambiental e Manuela Kayath, presidente da MDC (Foto: Cortesia Marquise/MDC)

BRASÍLIA — Parceria entre a Marquise Ambiental e a MDC estuda a viabilidade de uma planta de biometano no aterro operado pela Marquise em Manaus, no Amazonas. 

O plano é replicar o modelo de negócio da GNR Fortaleza – primeira e única planta de biometano do Nordeste, que já corresponde a até 20% de todo o gás natural comercializado pela Companhia de Gás do Ceará (Cegás). 

Em entrevista à agência epbr, Hugo Nery, presidente da Marquise Ambiental, conta que, inicialmente, o gás renovável deve ser direcionado às indústrias instaladas na região. Mas há também a possibilidade de ofertar para outros segmentos, como o de transportes, deslocando o consumo de diesel, e o residencial.

“As indústrias são o grande mercado que a gente avalia, independente de ter uma parceria com a distribuidora de gás da cidade, como temos hoje em Fortaleza, para colocar o produto diretamente na rede de distribuição e alcançar os clientes dela”, explica. 

O projeto ainda está em fase preliminar, mapeando o mercado, definindo a rota tecnológica e discutindo a possibilidade de inserção do biometano na rede de gasodutos local. 

O investimento nas obras deve começar em dezoito meses. Já o início da produção é previsto para 2026. 

Por ser um aterro novo, que está começando a ser operado agora, será preciso esperar ter um acúmulo de resíduos suficiente para de fato dar a largada na produção de biogás em um volume que justifique o investimento na planta, explica Manuela Kayath, presidente da MDC.

Descarbonização como negócio

Em 2022, a GNR Fortaleza passou a comercializar certificados de rastreabilidade do combustível renovável para consumidores, chamados gas-REC, que permitem ao produtor vender separadamente a molécula de metano e o atributo ambiental.

A primeira venda dos certificados ocorreu em dezembro do ano passado para a Heineken.

Kayath avalia o selo de renovabilidade como algo “transformador no mercado”.

“Pela primeira vez eu consigo separar a molécula – o metano – do seu componente renovável”. 

Como o combustível é drop-in, ou seja, idêntico ao fóssil na molécula, a GNR vende o biometano para a Cegás como gás natural. E com a emissão e venda dos certificados verdes, a planta é remunerada pelo atributo ambiental.

“A Cegás não paga prêmio pelo fato de ser renovável. Então, a gente criou junto com o Instituto Totum esse certificado de origem do aspecto renovável do gás natural, que mede todo o ciclo de cadeia de produção e isso gera um certificado, que pode ser vendido para qualquer consumidor de gás no Brasil”, explica Kayath.

Na prática, o gás-REC possibilita a comercialização do biometano em regiões onde o gás natural não chega sem cobrar pelo atributo ambiental, e vender o prêmio verde para quem está interessado nele – no caso, indústrias com metas de descarbonização.

Atualmente, a GNR Fortaleza tem capacidade de emitir cerca de 1 milhão de gás-RECs de biometano ao ano, e vê um interesse crescente das indústrias.

Mercado de carbono

Além do gás-REC, a GNR emite créditos de descarbonização do RenovaBio (CBIOs) e está inscrita no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) da ONU para comercialização de créditos de carbono no mercado voluntário.

Localizada no aterro sanitário da Região Metropolitana de Fortaleza, a 15 quilômetros da capital, a planta evita o lançamento de 610 mil toneladas de CO2 equivalente em gases de efeito estufa na atmosfera por ano.

A intenção é fazer o mesmo em Manaus, e nos futuros negócios.

“Todos os projetos de recuperação de gás fatalmente terão a visão de créditos. Seja Cbio, seja crédito de carbono no futuro, quando esse mercado estiver mais definido. Isso faz parte do negócio. O biogás traz agregado a ele a emissão desses certificados e isso estará em todos os nossos projetos”, revela Nery.

Além da demanda industrial, o biometano promete ser um bom investimento para o agro brasileiro que exporta para Europa. A partir de 2026, começa a valer o mecanismo de ajuste de carbono (CBAM, em inglês) da União Europeia, exigindo adequações dos exportadores a parâmetros de gestão de resíduos e uso de combustíveis.

Regulamento da União Europeia publicado no dia 16 de maio de 2023 cria o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, na sigla em inglês), para estabelecer metas de redução da emissão de gases e, ao mesmo tempo, proteger as indústrias de ferro, aço, cimento, fertilizantes, energia, alumínio e hidrogênio. 

Manuela Kayath: biometano para indústria que mira exportação

“Quando um produtor rural faz um projeto de biodigestão dentro de um site de criação de suínos, por exemplo, além de realizar a própria gestão de resíduos de forma adequada, ele gera um biogás que pode ser usado para abastecer a frota eliminando o diesel”, diz

“O ciclo de vida daquele produto está com a pegada de carbono mais baixa. É um mercado que tem essa possibilidade de ter uma produção descentralizada”, exemplifica Kayath.

A executiva reforça, portanto, que o mix mais verde cria uma vantagem na competição em mercados com demanda por produtos com menor pegada de carbono.

“E ainda tem a indústria que usa muito o gás natural como energético, como de cimento e aço, tem pegada de carbono muito alta e o custo para eletrificar isso também é muito alto”.

“Aqui, o biometano em um mix com gás natural, também pode ser uma possibilidade para exportar um produto com uma pegada de carbono mais baixa”, continua.

Reindustrialização verde e corredores sustentáveis

Kayath avalia o momento político e de transição para uma economia de baixo carbono como propício para o crescimento do setor, “mas ainda estamos no início”, diz, “caminhando para fazer política pública”.

“Tem que ver a questão de interconexão, que ainda tem uma zona meio cinzenta, a legislação é estadual, não é federal que nem foi a abertura do setor elétrico no Brasil. A harmonização dessas políticas é um desafio”.

Os sinais dados pelo novo governo até agora tem sido promissores. O recém lançado programa Gás para Empregar pretende ampliar a oferta e a infraestrutura de gás natural no Brasil, o que abre oportunidades para maior inserção do biometano na matriz energética.

Segundo Kayath, investimentos em infraestrutura para escoamento devem facilitar a entrega do gás para indústrias no interior do país que ainda usam óleo combustível, como celulose a aço, e dar competitividade em relação a mercados como o dos EUA, por exemplo.

“No fundo, acho que quando você investe em infraestrutura, você está aumentando essa possibilidade com oferta maior de gás para todos, descentralizando e dando mais opções”.

Outra política para dar mais opções de combustível vem dos Corredores Sustentáveis, que começou a ser discutida dois anos atrás, ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL).

Sob o chapéu do Ministério de Economia, na gestão passada, o projeto agora está com o Ministério da Industria e Comércio (MDIC) e sua agenda de reindustrialização verde. 

“A gente já fala muito do potencial de produção do biometano no Brasil. Só que a produção em si não é o desafio, isso já é dominado, tem disposição de empreendedores e tem capital pra isso. Agora, a estrutura de linhas de financiamento, garantir que vai ter a oferta, que vai conseguir conectar se estiver perto da rede do gasoduto, garantir que o atributo ambiental esteja adequadamente formatado. Várias frentes de gargalos que ainda é preciso enfrentar”, comenta a presidente da MDC.

Expansão em Fortaleza

Este ano, a GNR Fortaleza completou cinco anos de atividades, ofertando 90 mil m³ de biometano por dia, volume suficiente para abastecer a frota brasileira de 1,6 milhão de veículos a GNV por 2 semanas.

A expectativa é chegar a 108 mil m³ de biometano/dia, afirma Nery.  

“Estamos fazendo todas as análises de viabilidade sobre isso, em termos de mercado, mas a planta tem essa capacidade, com pequenas modificações, de equipamentos. É algo que, se a decisão for assertiva e o estudo de viabilidade mostrar que existe a demanda, temos a expectativa de, no curto prazo, instalar essa capacidade”, conclui o executivo.