A ministra de Meio Ambiente, Marina Silva, defende que o licenciamento para perfuração de poços de exploração de óleo e gás na Foz do Amazonas deve partir da avaliação integrada da bacia. Afirmou que um projeto na região “não pode ser licenciado como um caso isolado”.
Marina Silva concedeu uma longa entrevista à agência Sumaúma, em que expôs sua visão sobre o papel da Petrobras, a manutenção da oferta de áreas de exploração e produção de petróleo e gás e sobre a usina hidrelétrica de Belo Monte, um dos projetos que marcou sua gestão nos primeiros governos petistas.
“Não pode ser um licenciamento puramente pontual, é preciso fazer uma avaliação ambiental estratégica e trazer para a mesa todos os elementos, as implicações de um projeto como esse”, diz a ministra.
Diferente do que é defendido por Marina Silva, a Petrobras está com licenciamentos abertos no Ibama para perfurar até 14 poços na Foz do Amazonas. São justamente as licenças “pontuais”, em que as empresas apresentam os estudos e pedidos para campanhas específicas.
“Eu estou olhando para esse desafio do petróleo na Foz do Amazonas do mesmo jeito que olhei para Belo Monte”, disse a ministra.
Belo Monte foi um foco de conflito interno nos primeiros mandatos de Lula, mas Marina Silva deixou o governo Lula em 2008, antes de o licenciamento da usina hidrelétrica ser concluído. O motivo foram políticas florestais para exploração da Amazônia. Ela retorna nesse terceiro mandato, sob uma promessa de reforço da agenda verde, construída desde a campanha eleitoral.
E também em um momento que se discute, novamente, a viabilidade ambiental para renovação da licença de Belo Monte.
“[A exploração da Foz do Amazonas] é altamente impactante, e temos instrumentos para lidar com projetos altamente impactantes, que é o instrumento da avaliação ambiental integrada, da avaliação ambiental estratégica”, completa.
Avaliações integradas de bacias
A Avaliação Ambiental Integrada (AAI) é aplicada, até o momento, para bacias hidrográficas e precede o licenciamento ambiental das usinas hidrelétricas.
“Esse instrumento pode ser utilizado em qualquer situação, desde que tenha uma complexidade. No meu entendimento, essa exploração [na Foz do Amazonas] tem essa complexidade”, diz.
A AAI foi criada no primeiro governo Lula (2003-2006), quando a ex-presidente Dilma Rousseff foi ministra de Minas e Energia – fatos relembrados por Marina Silva na entrevista. Foram avaliadas 12 bacias hidrográficas, disponíveis no site da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
A Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) é outro recurso previsto na legislação do licenciamento, com objetivos similares.
Recentemente, a ausência de AAE motivou uma ação contra o licenciamento de usinas termelétricas em Macaé, no Norte Fluminense.
Petrobras licencia até 14 poços na Foz do Amazonas
Os blocos da Foz do Amazonas – na costa do Amapá – foram licitados em 2013, no governo Dilma Rousseff. A Petrobras entrou em consórcios com a BP e a TotalEnergies, mas ambas deixaram os projetos e a companhia assumiu a operação e, portanto, o licenciamento.
Há US$ 3 bilhões reservados no plano da Petrobras para essas campanhas de perfuração – inclui dois poços na costa do Rio Grande do Norte – e o atual presidente da companhia, Jean Paul Prates (PT), defende não apenas o projeto, mas a abertura de novas fronteiras.
A gestão anterior, do governo de Jair Bolsonaro (PL), chegou a estimar que seria possível receber o aval do Ibama até o fim do ano passado, o que não ocorreu.
Marina Silva afirmou à Sumaúma que não poderia antecipar quaisquer decisões do Ibama. “[Antecipar] seria uma decisão política”, diz.
“Se eu disser que nós vamos nos pronunciar nos autos do processo [no Ibama], será uma decisão de natureza técnica, o que não significa que esteja esvaziada de qualquer conteúdo político”, disse.
O Ibama é comandado pelo ex-deputado federal, Rodrigo Agostinho (PSB), escolhido por Marina para presidir o órgão ambiental. Foi líder da bancada ambientalista na Câmara, quando atuou na articulação de projetos que envolvem licenciamento ambiental e política energética.
Há anos, Marina Silva é crítica da oferta de blocos de petróleo e gás natural. Manifestou diversas vezes que seguir ampliando as frentes de exploração vai na contramão do Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário dos compromissos para descarbonização da economia.
Questionada pela Sumaúma se o petróleo seria um ponto de discórdia com o presidente Lula, a ministra afirmou que seu foco agora é buscar as respostas.
“Foi uma escolha dele me chamar pela terceira vez. E foi uma escolha minha voltar pela terceira vez, com esse sentimento de que a gente pode ajudar a encontrar os caminhos em alguns casos [e], em outros casos, novas maneiras de caminhar, diz.
Ela relembra que sua saída em 2008 se deu em razão da Amazônia e que, na época, afirmava aos ambientalistas que discordâncias envolvendo a região seriam o seu limite para permanecer no governo.
“[Em 2003] eu falei: “Pra mim, o meu Armagedom é a Amazônia”. E de fato foi [em 2008]. Eu não quero ser forçada a escolher um Armagedom agora”, diz.
Petrobras deve ser uma empresa de energia
A ministra defendeu que a Petrobras deve deixar de ser uma empresa de petróleo para se transformar em uma de energia, com investimentos provenientes dos ganhos com combustíveis fósseis.
Frisou que decretar a paralisia da indústria de óleo significaria a escassez de fontes de energia para atender a demanda global. A chave, segundo ela, está na valorização de outras fontes – com destaque para a solar e a eólica.
A eleição de Lula representou, de fato, uma inflexão no posicionamento da Petrobras: deixa de ser uma companhia declaradamente com foco na produção de óleo, especialmente no pré-sal, e voltou, com Jean Paul Prates, a sinalizar que buscará a diversificação dos negócios.
Neste período de transição, Jean Paul Prates assinou uma série de acordos com petroleiras internacionais que atuam no Brasil, tanto para geração de energia renovável, mas também para parcerias em petróleo e bioenergia.
Com edição de Gustavo Gaudarde e Luma Poletti