BRASÍLIA — Lançado nesta terça (15/11), relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) mostra que a esmagadora maioria do consumo global de carvão ocorre em países que se comprometeram a atingir emissões líquidas zero. No entanto, longe de diminuir, a demanda global pelo fóssil tem se mantido estável em níveis recordes na última década.
Se nada for feito, as emissões dos ativos de carvão existentes, por si só, colocarão o mundo além do limite de 1,5°C até o fim do século, alerta a IEA.
“Mais de 95% do consumo mundial de carvão ocorre em países que se comprometeram a reduzir suas emissões a zero líquido”, disse o diretor executivo da agência, Fatih Birol.
“Embora haja um impulso encorajador para a expansão da energia limpa nas respostas políticas de muitos governos à atual crise energética, um grande problema não resolvido é como lidar com a enorme quantidade de ativos de carvão existentes em todo o mundo.”
De acordo com o estudo, o mundo deve agir rapidamente para reduzir significativamente as emissões de dióxido de carbono do carvão, a fim de evitar impactos graves das mudanças climáticas.
O lançamento esta semana é estratégico. Os dados chegam em meio a duas grandes reuniões: a cúpula climática da ONU (COP27) e a reunião do G20 — em ambos os encontros, as crises energéticas e climática marcam as agendas das discussões políticas.
Ontem, a IEA pediu uma ação política imediata para mobilizar rapidamente financiamento maciço para alternativas de energia limpa ao carvão e garantir segurança, transições acessíveis e justas, especialmente em economias emergentes e em desenvolvimento.
“O carvão é a maior fonte de emissões de CO2 de energia e a maior fonte de geração de eletricidade em todo o mundo, o que destaca o dano que está causando ao nosso clima e o enorme desafio de substituí-lo rapidamente, garantindo a segurança energética”, disse Birol.
“Nosso novo relatório estabelece as opções viáveis abertas aos governos para superar esse desafio crítico de maneira acessível e justa.”
Cada caminho futuro para o setor de energia global que evite impactos severos da mudança climática envolve reduções precoces e significativas nas emissões relacionadas ao carvão. O relatório deixa claro que não existe uma abordagem única para reduzir as emissões de carvão.
- Um roteiro para emissões líquidas zero sem greenwashing Grupo de especialistas lança dez recomendações para trazer integridade, transparência e responsabilidade às metas de descarbonização
Transição mais difícil na Ásia e África
Indonésia, Mongólia, China, Vietnã, Índia e África do Sul se destacam no novo Índice de Exposição de Transição de Carvão da IEA como os países onde a alta dependência do combustível fóssil torna a transição mais difícil.
Neles, será essencial desenvolver uma série de abordagens adaptadas às circunstâncias nacionais.
Atualmente, existem cerca de 9 mil usinas a carvão em todo o mundo, representando 2.185 gigawatts (GW) de capacidade. Seu perfil de idade varia muito por região, de uma média de mais de 40 anos nos Estados Unidos a menos de 15 anos em economias em desenvolvimento na Ásia.
As instalações industriais que usam carvão são igualmente duradouras, com decisões de investimento definidas para serem tomadas nesta década que, em grande parte, moldarão as perspectivas para o uso de carvão na indústria pesada nas próximas décadas.
“As transições de carvão são complicadas pela idade relativamente jovem das usinas de carvão em grande parte da região da Ásia-Pacífico”, aponta o relatório.
“Se operada por tempos de vida e taxas de utilização típicos, a frota movida a carvão existente em todo o mundo, excluindo as usinas em construção, emitiria mais do que as emissões históricas até o momento de todas as usinas a carvão que já operaram”.
A IEA indica que uma escala massiva de fontes limpas de geração de energia, acompanhada por melhorias em todo o sistema em eficiência energética, é a chave para reduzir emissões de ativos existentes.
Em um cenário em que as atuais promessas climáticas nacionais são cumpridas no prazo e na íntegra, a produção das usinas a carvão ininterruptas existentes cai cerca de um terço entre 2021 e 2030, com 75% substituídas por energia solar e eólica.
“Esse declínio na produção de carvão é ainda mais acentuado em um cenário consistente em atingir emissões líquidas zero até 2050 e limitar o aquecimento global a 1,5 °C. No Cenário Net Zero até 2050, o uso de carvão cai 90% até meados do século”, observa.
Para aprofundar:
- COP27 e a esperança de passar da promessa à prática
- Financiamento climático de países ricos ainda abaixo dos US$ 100 bi
Chega de novas adições
Uma condição importante para reduzir as emissões de carvão é parar de adicionar novos ativos ininterruptos movidos a carvão aos sistemas de energia, destaca o documento.
Embora as aprovações de novos projetos tenham diminuído na última década, o risco de que a atual crise energética influencie a aprovação de novas usinas a carvão persiste.
De acordo com a IEA, cerca de metade das 100 instituições financeiras que apoiaram projetos do tipo desde 2010 não fizeram nenhum compromisso para restringir esse financiamento, e outros 20% fizeram apenas promessas relativamente fracas.
Além disso, levantamento da BloombergNEF indica que a produção abaixo do esperado das usinas hidrelétricas e os preços mais altos do gás natural também ajudaram a colocar a energia a carvão de volta aos holofotes.
A produção de usinas de carvão estabeleceu recordes saltando 8,5%de 2020-2021 (aumento de 750 TWh em base líquida), para 9.600 TWh. Mais de 85% dessa geração veio de 10 países, com China, Índia e EUA sozinhos respondendo por 72%.
“Os governos podem fornecer incentivos para que os proprietários de ativos se adaptem à transição. A economia favorável para a geração limpa de eletricidade, por si só, não será suficiente para garantir uma rápida transição do carvão para a geração de energia”, destaca o relatório da IEA.
Um dos problemas, diz a agência, é que esses empreendimentos são muitas vezes protegidos da concorrência do mercado — seja porque são de propriedade de concessionárias incumbentes, ou porque os proprietários privados são protegidos por contratos inflexíveis de compra de energia.
A análise mostra que fora da China, onde o financiamento de baixo custo é a norma, o custo médio ponderado de capital dos proprietários e operadores de usinas de carvão é de cerca de 7%.
“O refinanciamento para reduzir isso em 3% aceleraria o ponto em que os proprietários recuperam seu investimento inicial, abrindo caminho para que um terço da frota global de carvão seja aposentado em dez anos”.
- Eólica e solar avançam em novas adições globais – carvão também Países continuaram construções de novas usinas de carvão em 2021, e o fóssil ainda representa a maior parcela da capacidade global, com 27%
Apoio internacional
“A colaboração internacional, o apoio financeiro público e as abordagens bem concebidas que incorporam a necessidade de transições centradas nas pessoas serão essenciais para afastar-se do carvão inabalável”, completa a IEA.
A expectativa é que as transições energéticas criarão milhões de empregos em energia limpa, mas não necessariamente nos mesmos lugares que os empregos perdidos no carvão, e as habilidades necessárias em muitos casos podem ser diferentes.
“Embora seja improvável que absorva todo o emprego perdido no setor de carvão, a extração de minerais críticos pode oferecer novas oportunidades industriais e fontes de receita para empresas e comunidades até então dependentes do carvão”.
A África do Sul está dando os primeiros passos. Na semana passada, durante a COP27, o país lançou um plano de US$ 8,5 bilhões para mudar do carvão para a energia verde.
O Plano de Transição de Energia Justa — apoiado pelo Reino Unido, EUA, França, Alemanha e União Européia — foi desenhado para nações em desenvolvimento dependentes do carvão reduzirem as emissões de gases de efeito estufa.
O plano para a África do Sul prevê que 90% dos fundos sejam usados para desativar usinas a carvão ao mesmo tempo em que são desenvolvidos empreendimentos de geração renovável e fortalecimento da infraestrutura da rede.
Fornece também um modelo para países como Indonésia e Índia, e é simbolicamente importante depois que a invasão da Ucrânia pela Rússia estimulou a demanda pelo combustível fóssil mais sujo.
Cobrimos por aqui: