No mesmo dia em que Michel Temer desistia do sonho da reeleição e entregava o protagonismo da candidatura do MDB ao seu ex-ministro Henrique Meirelles, o presidente passou ao papel de coadjuvante também na condução da política energética pelos próximos sete meses, período que lhe resta de mandato. Mas dessa vez graças à ação de outro pré-candidato à sucessão, o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM/RJ).
Em menos de quatro horas, Maia, amparado por negociações no Congresso, anunciou um acordo com o governo para zerar a CIDE sobre combustíveis e declarou no plenário a desistência da Câmara em votar a MP 814, que abria caminho à privatização da Eletrobras. 7
Anúncio de Maia cancelando votação da MP 814 não pegou o governo de surpresa
O anúncio de Maia não pegou o governo de surpresa. Na pasta de Minas e Energia a votação era considerada um desafio e desde a manhã de ontem o Planalto já havia retirado do orçamento de 2018 a previsão de arrecadar R$ 12,2 bilhões com a privatização da Eletrobras. Segundo o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, a decisão foi por prudência.
A privatização da Eletrobras era a principal proposta do governo Temer para a economia este ano e voltar atrás não estava nos planos. O caminho adotado por Maia – não votar – retira do executivo o ônus do fracasso e repete o roteiro da reforma da previdência, enterrada no apagar das luzes do ano legislativo de 2017 pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB/CE), que esvaziou o Congresso ao escolher votar o orçamento anual antes da reforma.
Aleluia, do DEM, é esperança do governo para seguir com privatização
Ainda assim, interlocutores do governo dizem que o Planalto não jogou a toalha. A esperança para a privatização da Eletrobras agora se concentra no PL 9463/18, o texto que trata propriamente da venda de ações da companhia e de suas subsidiárias, diluindo a participação do governo nas empresas.
No Congresso, a bola está com o DEM. O partido do presidente da Câmara é também a legenda do relator do PL 9463/18, deputado José Carlos Aleluia. Nos corredores de Brasília Aleluia já admite que pode incluir no seu parecer o texto da MP 814, mas com uma condição: quer que o governo trabalhe para construir um acordo capaz de aprovar o PL.
Dúvidas sobre a aprovação do PL 9463 são muitas e a capacidade do governo em harmonizar a base em torno do texto às vésperas da eleição nacional é a primeira delas. No Planalto ninguém vai admitir a desistência nem que ela seja eminente.
Maia criticou resistência do governo em reduzir tributos dois dias antes de anunciar a redução
A decisão de Maia de não votar a MP 814 foi segundo movimento do dia pelo presidente da Câmara que retirou do planalto o protagonismo na condução da política energética e jogou sobre o Congresso os holofotes. O primeiro foi a reunião com o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, em que ele e o presidente do Senado, Eunício Oliveira – correligionário mas não aliado de Temer -, arrancaram do governo um acordo para zerar a CIDE sobre os combustíveis.
Desde sempre Guardia era contra a redução de tributos como estratégia para combater a alta da gasolina e do diesel. Algo que até seu antecessor no cargo, o pré-candidato Henrique Meirelles (MDB) já admitia. Mas antes que o ministro pudesse voltar atrás, Maia e Eunício anunciaram nas redes sociais a reunião como um acordo.
Era uma saída para um estremecimento na relação com o Congresso que o próprio presidente da Câmara ajudou a construir. Ele foi o primeiro parlamentar de peso a criticar a alta de combustíveis no domingo, quando caminhoneiros anunciaram a paralisação para segunda-feira. DE lá pra cá o preço da gasolina e do diesel é o principal assunto dos discursos de deputados e senadores da base e oposição a qualquer hora do dia e da noite.
Menos de duas horas depois, “o anúncio” da redução da CIDE teve repercussão suficiente para chegar aos caminhoneiros – que ainda assim consideraram a medida insuficiente e decidiram por manter a greve, segundo o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), para quem “a Cide representa 1 por cento dos tributos que incidem no combustível”.
Zerar tributos de combustíveis é acordo impossível com governadores
Zerar os tributos para os combustíveis é o que pedem os caminhoneiros, mas é algo que o governo não pode entregar, uma vez que a maior parte da carga tributária sobre diesel e gasolina fica por conta do ICMS. O imposto estadual representa 29% do preço da gasolina na bomba, segundo a Petrobras.
O problema é que ninguém em Brasília hoje considera seriamente que o governo seria capaz de iniciar uma negociação com os governadores para que abrissem mão de uma importante fonte de receita. Não às vésperas de eleições em que podem se reeleger ou fazer seus sucessores, muito menos depois que o governo federal, nos tempos da austeridade fiscal de Meirelles, foi tão pouco receptivo à cantilena dos estados em busca de socorro para a crise nos dois últimos anos. E o risco de o feitiço, se for tentado, virar contra o feiticeiro.
Não apenas aprovar a privatização da Eletrobras é um plano cada vez mais difícil quando se aproximam os festejos de junho, que desmobilizam as bancadas do Nordeste, o recesso de meio de ano e a campanha eleitoral. De um modo geral, retomar o protagonismo da política energética no diálogo com o Congresso será um desafio para Temer nos últimos meses de governo.
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