Combustíveis e Bioenergia

Lítio, hidrogênio e a eletrificação da frota

Hidrogênio desafia reinado do lítio como a principal solução para eletrificação

Lítio, hidrogênio e a eletrificação da frota
Baterias de lítio são, atualmente, as mais usadas em carros elétricos por serem mais leves e duráveis

Dois pequenos elementos da tabela periódica despontam como atores principais da transição energética.

Na disponibilidade de energia elétrica renovável, baterias de lítio e hidrogênio rivalizam como opções para armazenamento de elétrons, essenciais para movimentar motores elétricos. Por ora, o lítio leva vantagem.

A eletrificação das frotas veiculares exige que energia eólica e solar sejam de alguma forma armazenadas.

É o popular “estocar vento”, ou sol. Na verdade, a energia elétrica pode vir de outras fontes geradoras, tais como hidro ou nuclear, inclusive das fósseis num primeiro momento (carvão, óleo e gás), a necessidade é a mesma: é preciso estocar elétrons.

A corrida está apenas começando, mas já tem um líder.

Baterias de lítio

Na dianteira do mercado de armazenamento de energia estão as baterias de lítio. As particularidades do pequenino metal alcalino fazem dele o atual “queridinho” para produção de baterias.

O lítio é o terceiro menor elemento químico da natureza, o que significa que se pode colocar muitos átomos dele num pequeno espaço.

Ele é também leve e extremamente reativo, que se livra facilmente do seu elétron da camada de valência. Tecnicamente, diz-se que o lítio é muito eletropositivo.

Essas características (tamanho, peso e alta eletropositividade) fazem do lítio o elemento preferido para produção de baterias leves e de alta densidade energética.

Dominá-lo, contudo, não é simples. O “comportamento tempestivo” na liberação do elétron dificulta sua utilização na forma metálica de origem, sendo necessário utilizar um aparato molecular sofisticado capaz de mantê-lo seguro nas aplicações.

Sem dar maiores detalhes, aqui entra a necessidade de se utilizar outros metais, como o cobalto e o manganês, por exemplo, como suportes para se manter a segurança da reação química da bateria de lítio-íon.

A necessidade de outros metais agrega peso à bateria, algo indesejado nos automóveis, pois ninguém quer ficar levando de um lado para outro os colegas “barra-pesada” do lítio. No máximo, alguns motoristas desejam ouvir “heavy metal” no rádio do carro.

O fato é que além de peso os metais adicionais das baterias de lítio-íon agregam custo, toxicidade e maior degradação ambiental derivada da mineração a eles associada. 

Uma bateria bastante usual, a NMC 111 de 60 kWh contém aproximadamente 9 kg de lítio, 24 kg de níquel, 24 kg de cobalto, 22 kg de manganês e outras dezenas de quilogramas de grafite, alumínio e cobre (GAUTO, 2021).

Diante dos números, fica evidente a exigência de outros metais na composição das tradicionais baterias de lítio-íon. A ciência busca por alternativas, o hidrogênio é uma delas.

Baterias de hidrogênio

As baterias de lítio-íon reinam hoje soberanas no mercado de veículos elétricos. Por enquanto. O hidrogênio vem “dando sinal de luz”, apesar de posição ainda distante nessa corrida.

O hidrogênio é o átomo de número atômico 1, o menor, mais leve e o mais eletropositivo elemento do universo.

Sua forma elementar, a união dele consigo mesmo, é uma magricela molécula três vezes mais leve que o lítio.

Essas características fazem dele o substituto perfeito ao lítio, só que essa leveza toda faz do hidrogênio molecular(H2), um gás pequenino e difícil de se aprisionar.

O hidrogênio gasoso é bastante reativo e, tal qual seu vizinho do andar de baixo da tabela periódica, é explosivo ao reagir com o oxigênio do ar.

Mas uma vez que se evite o contato com o oxigênio, armazenando-o em cilindros adequados, ele se manterá estável.

Mesmo sem a necessidade de complicados arranjos de metais, como ocorre nas baterias de lítio, manter o hidrogênio confinado é tarefa igualmente difícil. 

As melhores tecnologias desenvolvidas atualmente são a de armazenamento do gás hidrogênio em cilindros de alta pressão, para uso em motores de combustão, e as células a combustível (fuel cells) ou células de hidrogênio, que pela “quebra” da molécula de hidrogênio geram fluxo de elétrons para motores elétricos.

Produzir e utilizar o hidrogênio na forma gasosa é um caminho possível, mas altamente dispendioso em termos energéticos.

Quaisquer que sejam os processos utilizados para sua produção (eletrólise, pirólise, reforma a vapor etc.), eles são intensivos em energia.

Sua produção requer de três a cinco vezes mais energia do que ele é capaz de ofertar no seu uso, isto é, o retorno energético é negativo.

Com energia renovável abundante e praticamente infinita, isto não seria um problema, mas em um ambiente de escassez de energia elétrica, sua produção é questionada e o trade off com as baterias de lítio aumenta.

Outro caminho mais animador está nas células de combustível, que têm como vantagem permitir a “captura” do hidrogênio de líquidos e gases que o contenham na estrutura.

Essas células são “pequenas fábricas” de hidrogênio, que geram corrente elétrica a partir dele, sendo uma opção bastante atraente no cenário da transição energética.

Poder capturar o hidrogênio de diferentes substâncias elimina a necessidade de armazenar o gás hidrogênio em si. Na prática, pode-se utilizar o etanol, o biometano ou outros biocombustíveis que tenham o hidrogênio na estrutura para movimentar motores elétricos.

Assim, é possível mesclar as tecnologias já existentes e a versatilidade de obtenção e transporte dos biocombustíveis para mover veículos elétricos. As células de combustível ainda estão em fase de amadurecimento da tecnologia, mas serão grandes rivais às baterias de lítio.

Em breve, líquidos e gases de origem renovável que contenham hidrogênio na estrutura molecular poderão ser utilizados como “baterias”. Nesse cenário, um automóvel com o tanque cheio de etanol seria uma bateria dez vezes mais leve do que uma de lítio, com “recarga” simples, de poucos minutos, infraestrutura pronta e maior autonomia. Isso vale para o BioGNV.

Biomassas em geral podem ser consideradas grandes estoques de energia e elétrons.

Como é de se imaginar, nem tudo é perfeito, as células de combustível necessitam de metais raros e nobres, como platina, ítrio e zircônio, de modo que se recai novamente no dilema dos metais, ainda que em quantidades bem menores se comparadas às rivais baterias de lítio.

A disputa pelos elétrons

A eletrificação da frota de automóveis vai exigir armazenamento de energia. O lítio é tido hoje como o principal elemento neste sentido, compondo quase que a totalidade das baterias vendidas no mundo para veículos elétricos.

Como descrito anteriormente, as baterias de lítio-íon requerem muito de outros metais na sua composição.

Sem a devida reciclagem, proporcional ao seu uso, haverá problemas de estresse na obtenção desses metais, uma vez que são todos materiais finitos na crosta terrestre.

Novas tecnologias, que reduzam ou eliminem a necessidade de metais pesados, são esperadas tanto para as baterias de lítio quanto para as células de hidrogênio.

A energia limpa disponível deve ser utilizada para a produção e uso de baterias de lítio ou para a geração de hidrogênio? 

Em última análise, lítio e hidrogênio duelam pelos elétrons gerados por eólica, solar, hidro e nuclear e, dado o avanço das baterias de lítio em larga escala, se sabe que, no momento, o metal alcalino está à frente da disputa.

O hidrogênio, contudo, está galgando espaço especialmente via células de combustível, o que promete acirrar a disputa na próxima década. A liderança do lítio será posta em xeque.

Referência

GAUTO, M. (2021). As emissões invisíveis dos carros elétricos. Ensaio Energético, 27 de setembro, 2021.