Energia

Justiça suspende instalação de termelétricas flutuantes da Karpowership no Rio

Decisão publicada na sexta (22/7) foi motivada por falta de documentação sobre impactos ambientais das UTEs que seriam instaladas na zona portuária da Baía de Sepetiba

Justiça suspende instalação de termelétricas flutuantes da Karpowership por falta de documentação sobre impactos ambientais. Na imagem, Powership da KPS em Doğanbey, na Turquia (Foto: Divulgação/KPS)
Powership da KPS em Doğanbey, na Turquia (Foto: Divulgação/KPS)

RECIFE — A Justiça do Rio de Janeiro determinou a suspensão imediata da instalação e operação de quatro usinas termelétricas flutuantes (UTEs), que seriam instaladas na zona portuária da Baía de Sepetiba pela empresa turca Karpowership (KPS). A decisão foi publicada na última sexta (22/7) e cabe recurso.

As quatro usinas flutuantes a gás natural — chamadas powerships — começaram a se posicionar no Porto de Itaguaí nesse fim de semana.

Na decisão, a juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, Georgia Vasconcellos da Cruz, questiona deliberação da Comissão Estadual de Controle Ambiental que dispensou a empresa de apresentação de estudos ambientais para obtenção de licenças junto ao Inea, órgão ambiental fluminense.

A decisão, de 24 de maio, isentou a empresa do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para a instalação das usinas.

A magistrada entendeu como “frágil e insustentável” a argumentação do Instituto Estadual do Ambiente, já que o próprio órgão descreveu o empreendimento como “potencialmente causador de significativo impacto ambiental”.

“No mínimo contraditória a conclusão do parecer acima, uma vez que ressalta o potencial poluente do empreendimento, mas entende desnecessário o estudo de impacto ambiental”, apontou a juíza.

Também foi instituída uma multa diária de R$ 50 mil por descumprimento.

Suspensão das termelétricas flutuantes atende a pedido de organizações ambientais

O Instituto Internacional Arayara protocolou uma manifestação contrária à instalação das UTEs, por se tratar de uma região “extremamente sensível nos aspectos ambiental e social e por contribuir com as mudanças climáticas e com o racismo energético, causando ainda mais aumento da tarifa de energia”.

“A inexigência de estudos ambientais prévios para que a KPS pudesse instalar seu complexo de usinas térmicas flutuantes descumpre uma sentença judicial. Isso já caracteriza uma irregularidade grave, sem contar o atropelamento dos processos de licenciamento e os danos ambientais já causados à região”, defende Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora executiva da Arayara.org.

O caso também serve de alerta para os riscos de investimento em termelétricas movidas a combustíveis fósseis — com alto impacto socioambiental, energia cara e risco de judicialização, avalia Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Observatório do Petróleo e Gás.

“O Brasil precisa de tarifas de energia baixa e limpa. Infelizmente, a condução da política energética brasileira está caminhando para uma aceleração excessiva de uma matriz energética fóssil e cara, tornando nossa tarifa uma das mais caras do mundo”, comenta Juliano.

Em nota, a KPS informou que não foi notificada oficialmente sobre a decisão e que a empresa segue comprometida com suas operações no país, cumprindo os prazos estabelecidos pela agência reguladora Aneel.

“O projeto cumpriu todos os trâmites do órgão ambiental e todos os estudos de impacto ambiental necessários foram entregues. A companhia reforça que o projeto tem baixo impacto ambiental, especialmente quando comparado a outras térmicas, é de rápida mobilização e desmobilização e utiliza gás natural para geração de energia, mais limpo e considerado combustível da transição energética”, diz.

“O projeto ficará alocado em região portuária, própria para este tipo de operação, e próximo à subestação de Furnas, facilitando sua conexão ao sistema”, completa a empresa.

Entenda o caso

As UTEs flutuantes da KPS, que somam 560 megawatts (MW) de capacidade instalada, foram contratadas no leilão emergencial de energia de reserva, realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 25 de outubro de 2021, como parte das medidas de enfrentamento à crise hídrica, por determinação do governo federal.

As usinas da KPS representam quase a metade (47%) dos 1,2 GW contratados no leilão. O restante será fornecido por outras 17 usinas.

“Apenas um desses empreendimentos usa biomassa como combustível. As demais usinas seriam movidas a gás natural, a um custo de R$ 1.598/MWh — valor sete vezes mais caro que o observado nos últimos 10 leilões de energia nova, desde 2015”, afirma Nicole.

No início de junho, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma nova ação civil pública para impedir instalações e atividades com alto potencial de dano ao meio ambiente na Baía de Sepetiba.

O procurador da República, Jaime Mitropoulos, autor da ação, explicou que, de forma geral, as ações de controle ambiental dos impactos causados pela construção de usinas hidrelétricas ou termelétricas caracterizam-se por serem mitigatórias ou corretivas, mas que poderiam ser evitados ou reduzidos, se fossem tomadas medidas preventivas desde as fases iniciais do planejamento.

De acordo com Mitropoulos, os órgãos de proteção ambiental do Rio estão “fazendo tábula rasa da legislação protetiva, descartando estudos aprofundados e detalhados, através de EIA/RIMA, e também desprezando a necessidade de realizar audiência pública e de levar em consideração o que dizem especialistas e órgãos técnicos que já alertaram para as ilegalidades e os riscos ao meio ambiente”.

“Estão desconsiderando por completo a complexidade e o potencial poluidor de um empreendimento que visa à produção de energia por termelétricas, modelo energético baseado em combustíveis fósseis por sua própria natureza gerador de poluição por gases de efeito estufa”, finalizou.

O órgão solicitou que a Justiça determinasse com urgência e sem necessidade de justificação prévia a concessão de liminar estabelecendo que o Inea se abstenha de conceder qualquer licença ambiental destinada à instalação e operação das usinas flutuantes na baía, com geração de energia elétrica, com capacidade instalada será de 560MW, em favor da empresa Karpowership Brasil Energia.

Em nota, o MPF comunicou que os relatórios e avaliações (EIA/RIMA) devem abarcar os impactos cumulativos e sinérgicos entre as quatro termelétricas, as 36 torres de transmissão de energia e demais empreendimentos que impactam na Baía de Sepetiba.

Além disso, o Ministério Público Federal declarou que a empresa deve se abster de realizar qualquer obra ou atividade, ainda que preparatória, visando à instalação das quatro powerships na Baía de Sepetiba, antes de obtida licença ambiental concedida mediante apresentação e avaliação do EIA/RIMA.

O MPF também destacou a necessidade de realização de audiência pública, assegurando a participação da comunidade atingida e de profissionais especializados que possam colaborar com o caso.

Em março deste ano, o órgão já havia ingressado com um pedido para anular a licença de instalação de 36 torres de transmissão de energia na região.

Em comunicado, o MPF destacou que o “estudo e o Relatório deveriam contemplar um diagnóstico da situação ambiental presente, antes da implantação do projeto; uma previsão dos eventuais impactos ao meio ambiente, a definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, contemplando os meios físico, biológico e ecossistemas naturais, e o socioeconômico”.