O debate eleitoral, infelizmente, tem tratado pouco de propostas concretas sobre os caminhos que o Brasil deve traçar nos diferentes segmentos para, enfim, sair do marasmo econômico e social que persiste há muito tempo. No setor elétrico não é diferente. Talvez seja até pior.
Faltando menos de um mês para o primeiro turno das eleições, o setor foi surpreendido por um jabuti digno das histórias mitológicas da antiguidade. O caso da Medida Provisória que originalmente tratava sobre combustíveis — mas que foi usada para outros interesses e mudar as regras do setor elétrico — lembra a morte do filósofo Ésquilo, atingido por uma tartaruga na cabeça.
Na versão tupiniquim, são os consumidores, mais uma vez atingidos por um jabuti colossal. De novo, sem debate, sem diálogo, sem participação dos consumidores. Uma maratona, que durou menos de 24 horas, trouxe a perspectiva de mais R$ 10 bilhões de custos anuais para quem paga a conta.
Para quem conhece Brasília e trabalha no ambiente do poder, é sabido que a disputa pela aprovação de propostas legislativas tem suas especificidades e seu rito. É do jogo que cada um defenda seu interesse e busque inserir seus pleitos nos textos que são levados aos plenários da Câmara e do Senado. Mas o que se viu entre 21h da última terça-feira (30/8) e a manhã de quarta (31/8) fugiu totalmente do razoável.
Custos da energia crescem em bilhões de reais
O “corre” para aprovar uma proposta — que mais uma vez traz benefícios para alguns e grandes custos para os consumidores brasileiros — prova que o setor de energia está capturado por interesses que não são os mais justos e corretos.
E os custos da energia não param de subir. Em estudo recente, mostramos que energia é muito mais do que a conta de luz e que o peso dela nos produtos consumidos pela população está deixando a indústria nacional menos eficiente e representando um estorvo para as famílias brasileiras. Hoje, energia é cerca de 30% do orçamento familiar.
Soma-se a esse custo, os recentes penduricalhos criados para resolver os problemas de alguns. A conta é assustadora. Além dos R$ 10 bilhões da MP citada anteriormente, temos R$ 32 bilhões do chamado PCS — que é a contratação de térmicas caras, que deveriam ter entrado em operação em 1° de agosto, não entraram e ainda, milagrosamente, não tiveram seus contratos rescindidos. Por enquanto, são R$ 42 bilhões na conta de energia dos consumidores. E ainda tem mais.
O governo divulgou que fará o leilão de térmicas definidos na Lei de capitalização da Eletrobras. Mesmo com o alerta de várias entidades de que o leilão não precisa ocorrer agora e que o ideal seria esperar o ano que vem para uma avaliação mais complexa, decidiu-se por fazer o leilão sem lastro para os consumidores a um custo de R$ 4,7 bilhões por ano, com contrato de 15 anos.
Só nós últimos meses de 2022, foram colocados na conta de energia quase R$ 50 bilhões. Os consumidores brasileiros já começarão 2023 devendo R$ 225. Por mais legitimo que seja a busca de interesses individuais, eles precisam ser sempre pesados e avaliados em relação aos seus custos.
Ajustes podem tirar R$ 100 bilhões da conta de luz
A Abrace elencou as principais questões que na sua visão precisam ser resolvidas no mundo da energia e do gás natural, englobando a sustentabilidade para garantir que o Brasil seja o país da energia limpa, barata e segura.
O documento, que está disponível no site da Abrace e aberto a contribuições, indicamos ser possível retirar R$ 100 bilhões da conta de energia por ano fazendo ajustes e retirando custos desnecessários da geração, transmissão, distribuição e reduzindo impostos, encargos e subsídios de políticas públicas.
Não existe solução mágica para resolver o enorme imbróglio que o setor elétrico se meteu ao ser capturado pelos interesses mais diversos e localizados. É preciso uma verdadeira coalizão que reinicie o setor a partir do sinal de preço correto e alocação de riscos.
Enquanto isso, para evitar o colapso que se aproxima, é urgente a redução do custo da energia, com retirada dos subsídios desnecessários, sob pena de perdermos o bonde do desenvolvimento pela energia, que deve ser o curinga brasileiro para um futuro de crescimento sustentável e indústria competitiva.
Outros artigos relacionados: