RIO — A Rússia está intensificando a utilização da Rota Marítima do Norte (NSR, na sigla em inglês) como alternativa estratégica ao Canal de Suez e forma de driblar sanções ocidentais.
O corredor com cerca de seis mil quilômetros acompanha a costa ártica russa e tem sido essencial para o escoamento de petróleo, gás natural liquefeito (GNL) e outros combustíveis fósseis em direção à China e, em menor escala, à Europa.
Nesta terça (30/9), o sétimo navio-tanque de GNL partindo do projeto russo Arctic LNG 2 — alvo de sanções da União Europeia e dos Estados Unidos — atracou no terminal chinês de Beihai. A China começou a importar GNL do Artic LNG 2, em 28 de agosto.
O terminal russo de GNL tem a estatal Novatek como principal acionista (60%), juntamente com a francesa TotalEnergies, as chinesas CNPC e CNOOC, e as japonesas Mitsui e Jogmec, todas com 10% de participação.
Aumento das movimentações
O avanço da atividade no Ártico ocorre em meio ao derretimento do gelo — impulsionado pelas mudanças climáticas provocadas pelos combustíveis fósseis —, o que favorece a maior navegabilidade.
Segundo a estatal nuclear Rosatom, responsável pela operação da rota e pela frota de quebra-gelos russa, o número de viagens de navios estrangeiros pela NSR deve aumentar 50% em 2025.
Em 2024, um recorde de mais de 3 milhões de toneladas de carga foram transportadas pelo corredor.
Moscou aposta na rota para reduzir a dependência do tráfego próximo a países da União Europeia, em um momento de isolamento político e comercial.
O impulso russo é acompanhado pela China. Empresas chinesas quase dobraram o número de viagens pela NSR no último ano e, em junho de 2024, firmaram uma carta de intenções com a Rosatom para criar uma joint venture de construção naval e estabelecer uma linha de contêineres permanente conectando portos russos e chineses.
De acordo com o Center for High North Logistics (CHNL), mais de 54% da carga que circula atualmente pela rota é petróleo bruto, seguido por granéis sólidos (21%) e outros tipos de carga, incluindo carga geral, GNL e derivados de petróleo, com 14%.
A maior parte tem destino ao leste asiático, embora um volume significativo de gás russo ainda siga para a Europa.
Europa ainda recebe gás do Ártico russo
Apesar das sanções energéticas impostas pela União Europeia — que pretende banir GNL russo até o fim de 2027 —, os embarques a partir do terminal russo de Yamal continuam tendo como destino países como França, Bélgica, Holanda e Espanha.
Apenas no primeiro semestre de 2024, as importações francesas do combustível mais que dobraram em relação ao ano anterior, segundo o Instituto de Economia e Análise Financeira da Energia (IEEFA).
Já dados do CNHL mostram que, entre junho e agosto deste ano, dos 56 embarques de GNL em Yamal, 40 tiveram como destino portos europeus.
A Rússia, assim, segue como o terceiro maior fornecedor de gás da UE, atrás apenas da Noruega e dos Estados Unidos.
Parceria com a China leva à reação dos EUA
Para os EUA, a movimentação comercial entre China e Rússia compromete os esforços de isolar Moscou. No dia 13, o presidente norte-americano, Donald Trump, chegou a propor taxas de até 100% sobre produtos chineses até que o conflito entre Rússia e Ucrânia acabe.
Em carta enviada à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Trump sugeriu “sanções severas” à Rússia, e pediu que países europeus também deixassem de comprar petróleo russo.
Na mesma semana, senadores democratas também enviaram carta ao Secretário de Estado Marco Rubio e ao Secretário do Tesouro, Scott Bessent, destacando que “a incapacidade de aplicar até mesmo as sanções existentes contra a Rússia e aparente disposição de dar à China passe livre para comprar energia russa prejudicam fundamentalmente os esforços para pôr fim à guerra e impactam o cálculo do Kremlin nas negociações”.
Impactos ambientais e riscos crescentes
O avanço da rota NSR só foi possível por conta do acelerado aquecimento global. O Ártico aquece quatro vezes mais rápido que a média mundial nas últimas quatro décadas, reduzindo o gelo marinho e abrindo janelas sazonais de navegação.
A Aliança do Ártico Limpo alerta que a exploração russa coloca em risco “um habitat vasto e frágil para peixes, mamíferos marinhos e aves migratórias”, denunciando a ausência de padrões ambientais rigorosos.
Além disso, a Aliança chama a atenção para o uso da chamada “frota paralela” — petroleiros antigos, sem seguro e fora de regulamentações internacionais — para transportar petróleo e gás pela NSR.
Segundo os ambientalistas, muitas dessas embarcações navegam com transponders desligados, aumentando o risco de acidentes e derramamentos de óleo em uma região com baixa capacidade de resposta emergencial.
Há ainda a ameaça da poluição sonora que afeta baleias e focas, da introdução de espécies invasoras pela água de lastro e das emissões de carbono negro e metano, que aceleram o derretimento do gelo.
A Organização Marítima Internacional (IMO) já proibiu o uso de óleo combustível pesado (HFO) no Ártico desde 2024, mas a Rússia se recusou a aderir, permitindo que seus navios continuem operando com um dos combustíveis mais poluentes do planeta.
Pesquisadores chineses publicaram nesta segunda (29/9), um artigo na Nature, apontando que o uso da NSR aumentará as emissões globais do transporte marítimo em 8,2% até 2100, com as emissões do Ártico aumentando de 0,22% para 2,72%.
Resistência no setor marítimo
Por outro lado, algumas companhias globais se recusam a adotar a rota. A MSC Mediterranean Shipping Company divulgou nesta segunda (29) que não utilizará a NSR.
“O aumento do tráfego pode impactar o frágil ecossistema da região e prejudicar comunidades remotas que dependem da navegação local para sua sobrevivência”, afirmou a empresa, acrescentando que a rota ainda não oferece segurança operacional suficiente para o transporte comercial.