OSLO (NO) — No Mar do Norte, a Noruega está construindo uma infraestrutura bilionária para o que acredita ser parte das soluções do futuro para a transição energética: a captura e o armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês).
A estratégia norueguesa parte da necessidade de expansão na produção de petróleo e gás ao mesmo tempo em que deseja liderar globalmente tecnologias de CCS para reduzir a pegada de carbono das indústrias de difícil descarbonização — chamadas de hard-to-abate.
No centro dessa estratégia está o ambicioso projeto de US$ 2,5 bilhões da Northern Lights, uma joint venture com participação estatal e de grandes petroleiras, que busca transformar a Noruega em um hub europeu para estocagem segura de CO2, capturado por indústrias poluentes, como cimento e química.
“Para a indústria de petróleo e gás, é uma oportunidade comercial desenvolver armazenamento de CO2 em bases comerciais”, afirma Alexander Engh, chefe da Seção de Transição Energética, Clima e Análise do Ministério de Energia da Noruega, em entrevista à agência eixos.
Segundo Engh, embora a maior parte da redução de emissões do setor de óleo e gás offshore esteja hoje concentrada na eletrificação das plataformas, o potencial de captura de carbono em refinarias e plantas de processamento em terra ainda está em aberto.
“Elas poderiam potencialmente desenvolver CCS, mas ainda não o fizeram”, pontua.
Entre críticas e oportunidades
O uso da CCS por países produtores de combustíveis fósseis tem gerado críticas ao redor do mundo.
Ambientalistas argumentam que a tecnologia pode servir como justificativa para prolongar a exploração de petróleo e gás, em desacordo com as metas do Acordo de Paris.
Engh rebate essa avaliação, lembrando que, por muitos anos, o mundo ainda precisará dos combustíveis fósseis como maneira de garantir a segurança energética.
“Queremos desenvolver a indústria de petróleo e gás na Noruega. Vemos demanda por energia por muito tempo. O mundo precisa de energia”, afirma.
Agenda para a COP30
É um tema que a Noruega planeja levar para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), marcada para novembro de 2025 em Belém (PA), no Brasil.
A mensagem é que as tecnologias de captura e armazenamento de carbono, junto com energia eólica offshore e hidrogênio, serão instrumentos indispensáveis para alcançar a neutralidade climática.
“A Noruega vai enfatizar a importância da CCS, da energia eólica offshore e do hidrogênio para alcançar emissões líquidas zero e apoiar a segurança energética global. Também defenderemos o aumento da cooperação internacional, o financiamento da inovação e o desenvolvimento de infraestrutura compartilhada no Mar do Norte e além”.
País defende igualdade de condições entre hidrogênio azul e verde
A Noruega, maior exportadora de gás natural da Europa, tem adotado uma postura pragmática.
Isso inclui aceitar o uso do chamado hidrogênio azul — produzido a partir de gás natural com captura de carbono — como ferramenta de descarbonização.
“Vemos o hidrogênio azul como uma ferramenta potencial de mitigação climática. Para nós, é importante que haja igualdade de condições entre o hidrogênio verde e azul”, defende o representante do ministério norueguês.
Alguns anos após definir incentivos para a produção e importação de hidrogênio verde — produzido via eletrólise e exclusivamente a partir de energia eólica e solar — a União Europeia vem discutindo a implementação de uma política para o hidrogênio de baixo carbono, o que inclui rotas com gás natural e nuclear.
Um dos grandes defensores dessa iniciativa é a Noruega, que apesar de não ser parte da UE, tornou-se o principal fornecedor de gás do bloco, representando 30% das importações do energético da Europa e aproximadamente 9% do seu consumo total de energia, após os cortes de fornecimento do gás natural da Rússia.
“É algo que apoiamos quando se trata de desenvolver regulamentações europeias para o hidrogênio”, diz Engh.
“Acreditamos que o mercado deve decidir e que deve haver igualdade de condições com base na pegada real de CO2. Não podemos dizer ‘uma coisa ou outra’. Então é agnóstico em termos de tecnologia. Acreditamos que o hidrogênio azul pode ser necessário para desenvolver as cadeias de valor e a infraestrutura necessária”, completa.
No Brasil, oportunidades também com biocombustíveis
Essa visão coincide com a estratégia brasileira para o hidrogênio, que adota uma abordagem agnóstica em relação às rotas tecnológicas, seja por eletrificação, uso de biomassa, gás natural ou biocombustíveis, incluindo a captura de carbono.
Para Engh, “o Brasil tem um enorme potencial, tanto em CCS quanto na produção de hidrogênio de baixo carbono, para uso doméstico e exportação. Assim como a Noruega, há uma enorme base de reservas de gás, então esse é um potencial enorme”.
O interesse da Noruega pelo Brasil vai além do setor do setor de óleo e gás. O representante do ministério norueguês enxerga nos biocombustíveis brasileiros um diferencial competitivo no futuro do carbono negativo, com a adição de BECCS — a captura do carbono biogênico associada à produção de biocombustíveis.
“O potencial de BECCS no Brasil é muito interessante. A combinação da captura com o armazenamento poderia fazer uma diferença significativa em escala global”, afirma.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil tem alto potencial para implantação de BECCS na produção de etanol a partir de cana-de-açúcar e milho, pois esses processos geram fluxos de CO2 de alta pureza.
No Mato Grosso, a produtora de etanol de milho FS está investindo R$ 350 milhões em um sistema para capturar, comprimir e transportar o CO2 emitido pela fábrica de Lucas do Rio Verde, até um local de armazenamento em reservatório salino, na Bacia dos Parecis.
Já na Bacia do Paraná, a Eneva também estuda a implementaçao de um reservatório para estocar carbono de usinas de etanol que estão dentro da área onde a companhia desenvolve a campanha exploratória para a prospecção de gás natural.
Desafios na precificação de carbono e redução de custos para CCS
A concretização dessas oportunidades passa pelo reconhecimento da tecnologia no mercado voluntário de carbono, segundo o especialista em CCS do ministério norueguês.
“O mercado voluntário pode ter um papel importante ao precificar emissões negativas. Produtos com ‘green premiums’, como o cimento verde, serão essenciais”, acredita Engh.
Para que a tecnologia avance, no entanto, Engh defende uma combinação de subsídios iniciais.
“Os governos podem desempenhar um papel no incentivo ou no desenvolvimento desses tipos de mercados de produtos verdes por meio de regulamentações para compra, por exemplo. Acho importante, nesta fase, ter mecanismos de subsídios que funcionem bem para impulsionar o mercado”, diz.
Na avaliação de Engh, estimular o mercado poderia ser decisivo para o ganho de escala da tecnologia, o que, segundo ele, derrubaria os custos do CCS.
“Quanto maior o volume, menor o custo unitário (…) Ao dobrar a quantidade de tanques de armazenamento, você mais que triplica o volume”, explica, ao citar o Northern Lights como exemplo de eficiência via escala.
Para ganho desse volume, o modelo mais viável é a implementação de hubs de entrega de CO2 de diversas fontes.
“Os hubs de CCS são o modelo mais confiável para simplificar isso ou reduzir os custos dessa atividade. Hubs que coletam CO2 de diferentes fontes podem ser importantes para impulsionar a escala”.
Outro fator importante para redução de custo, segundo ele, é o desenvolvimento de novas tecnologias na cadeia de valor do CCS.
“Temos alguns especialistas no governo, em uma empresa estatal especializada em CCS chamada Gassnova, que estão analisando toda a cadeia de valor e tentando identificar áreas onde há oportunidades mais fáceis de redução de custos”.
“Mas também espero por tecnologias inovadoras na área de captura, que seriam úteis para desenvolver algo que reduza os requisitos de espaço nas instalações e simplifique a modernização da captura de CO2 nas instalações existentes”.
Nova fase do Northern Lights
Especialista em CCS, Engh supervisiona iniciativas do governo norueguês como o Longship, do qual faz parte o Northern Lights.
O projeto é a primeira cadeia de valor completa da Europa para captura, transporte e armazenamento de emissões industriais de CO2.
Recentemente, a iniciativa recebeu a autorização para a injeção e o armazenamento de 37,5 milhões de toneladas de CO2 a partir deste ano e nos próximos 25 anos.
Isso abrange a primeira fase do desenvolvimento da Northern Lights, com capacidade para transportar e armazenar 1,5 milhão de toneladas de CO2 por ano, que contou com 80% de investimento do governo norueguês, e o restante com a participação de petroleiras, como Equinor, Shell e TotalEnergies.
Já a fase dois do projeto contará somente com investimento das empresas, somando US$ 700 milhões. Em março de 2025, elas anunciaram a decisão final de investimento (FID), que aumentará a capacidade de transporte e armazenamento do projeto de 1,5 milhão para mais de 5 milhões de toneladas de CO2 por ano a partir de 2028.
O Northern Lights já conta com cinco contratos comercaiais para armazenamento anual de CO2:
- a planta bioenergia da Ørsted, na Dinamarca (430 mil toneladas)
- a fábrica de fertilizantes da Yara, nos Países Baixos (800 mil toneladas)
- a fábrica de cimento da Heidelberg Materials, na Noruega (400 mil toneladas)
- a planta de waste to energy da Hafslund Celsios, na Noruega (400 mil toneladas)
- a planta de bioenergia da Stockholm Exergi, na Dinamarca (900 mil toneladas)
Depois de capturado nas indústrias, todo CO2 é liquefeito e transportado por navios dos locais de captura para a unidade terrestre da Northern Lights. Lá, o CO2 entra no terminal de recebimento, antes de ser transportado por um gasoduto até o poço no fundo do mar, onde será bombeado para o reservatório submarino.
O jornalista viajou à Noruega para conhecer o projeto Northern Lights com as despesas pagas pelo Consulado da Noruega no Rio de Janeiro.
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