RIO – “MAKE GREENLAND GREAT AGAIN!”, postou o presidente recém diplomado dos Estados Unidos, Donald Trump, em sua rede social, fazendo referência ao famoso jargão de campanha “Make America Great Again (MAGA)”, após dizer a jornalistas que seu governo pretendia comprar a Groenlândia – algo que ele já havia dito no primeiro mandato em 2019.
Na terça (7/1), seu filho mais velho, Donald Trump Jr., e representantes do Partido Republicano aterrissaram na ilha do Ártico, em visita não oficial.
“Estou ouvindo que o povo da Groenlândia é “MAGA” […] A Groenlândia é um lugar incrível e as pessoas se beneficiarão tremendamente se – e quando – se tornar parte da nossa nação”, postou o presidente eleito dos EUA.
A ilha, historicamente colônia da Dinamarca, desde 2009 é uma região autônoma com governo próprio e possui controle sobre seus recursos presentes no subsolo, ainda que siga sob o domínio do reino dinamarquês.
Debaixo de montanhas de gelo, pode estar a resposta para tanto interesse de Trump: reservas gigantescas de minerais críticos para transição energética, além de petróleo e gás natural. Riquezas essas que o aquecimento global vem “desenterrando”, por conta do degelo.
Um estudo publicado na revista Nature em dezembro de 2019 indica que a Groenlândia perdeu aproximadamente 3,9 trilhões de toneladas de gelo entre 1992 e 2018, resultando em uma elevação do nível do mar de cerca de 10,6 milímetros.
Reservas de óleo e gás sob o gelo
O Serviço Geológico da Dinamarca e Groenlândia (GEUS, na sigla em inglês) divulgou que somente a costa oeste da Groenlândia contem cerca de 18 bilhões de barris de petróleo.
Já o Serviço Geológico dos EUA estima muito mais, que existam 31,4 bilhões de barris de petróleo não descobertos e 148 trilhões de pés cúbicos de gás natural na Groenlândia, e que tiveram a exploração dificultada justamente pelos grandes blocos de gelo da região.
Apesar do potencial energético, a ilha decidiu em 2021 interromper a emissão de novas licenças para exploração de petróleo e gás. A exploração de hidrocarbonetos na Groenlândia atingiu o pico entre 2002 e 2014, quando mais de 20 licenças offshore foram concedidas, incluindo para BP, Chevron, ConocoPhillips, Eni, Equinor e Shell (S&P Global).
Minerais para transição energética
Em 2023, o GEUS divulgou uma análise afirmando que a ilha possuía uma “acumulação excepcional” de minerais críticos. Foram avaliados 38 minerais classificados como críticos pela União Europeia, sendo a grande maioria como tendo “potencial moderado a alto na Groenlândia” – considerando apenas a parte livre de gelo da área.
“A Groenlândia tem um grande potencial inexplorado para matérias-primas críticas, incluindo os metais de terras raras, grafite, nióbio, metais do grupo da platina, molibdênio, tântalo e titânio, todos os quais já são ou se tornarão importantes para a transição verde”, afirmou Jakob Kløve Keiding, coautor do relatório, quando este foi lançado.
O levantamento também apontou a presença de lítio, urânio, níquel, cobre e vanádio, além de molibdênio, cromo, estanho e zircônio, que têm um risco de fornecimento relativamente alto e estão perto de serem críticos.
Além de destacar que o território da Groenlândia ainda é relativamente pouco mapeado em comparação a países mineradores, como o Canadá e a Austrália.
“Em contraste com esses países, a mineração na Groenlândia se concentrou apenas em alguns lugares e foi de uma escala modesta”, disse Keiding.
Interesses geopolíticos
Para além dos recursos naturais, o território é alvo de desejo das superpotências há mais de um século, sendo considerado estratégico para fins militares, de transporte e comércio, por estar localizado no círculo Ártico entre os Estados Unidos, a Rússia e a Europa.
A busca por novos supridores de minerais críticos também se dá, em grande parte, para fazer frente à China, que hoje concentra boa parte do beneficiamento desses minerais, em especial o lítio e as terras raras. Diversificar a cadeia de suprimentos se tornou preponderante para a segurança energética e industrial dos países.
A China, inclusive, já demonstrou diversas vezes interesse em financiar projetos de exploração de minerais na Groenlândia, o que acendeu a preocupação dos Estados Unidos com a possível influência chinesa na região.
“Não há dúvida de que Trump e seus assessores estão muito preocupados com o domínio que a China parece ter. A Groenlândia oferece uma fonte potencialmente rica desses minerais críticos”, avaliou Klaus Dodds, professor de geopolítica na Royal Holloway, Universidade de Londres, à CNN.
Segundo o relatório (.pdf, em inglês) da Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês), somente a demanda por lítio, por exemplo, deve crescer mais 40 vezes nas próximas duas décadas. Grafite, cobalto e níquel terão uma demanda entre 20 e 25 vezes maior, na comparação com o mercado atual.
Alguns minerais e seus usos na transição energética
- Lítio, níquel, cobalto, manganês e grafite para fabricação de baterias
- Elementos de terras raras para produção de turbinas eólicas e motores de veículos elétricos
- Cobre, silício e prata usados em painéis fotovoltaicos
- Cobre e alumínio para redes elétricas de transmissão
Fonte: IEA
Groenlândia não está à venda
Apesar do discurso político de Trump para seus eleitores, a venda da Groenlândia não é considerada algo plausível. Representantes da Dinamarca e da Groenlândia se manifestaram contra as declarações do político norteamericano.
“Não estamos à venda e nunca estaremos à venda. Não devemos perder nossa luta de anos pela liberdade”, escreveu o primeiro-ministro da Groenlândia, Mute Egede.
O momento político atual da Groenlândia é de forte demanda pela independência da Dinamarca, o que afastaria, em tese, a possibilidade de algum arranjo com os Estados Unidos – que há décadas também possui uma base militar na região.
A base militar, inclusive, foi instalada após o fim da Segunda Guerra Mundial, depois que o então presidente dos EUA, Harry Truman, tentou comprar sem sucesso a Groenlândia, oferecendo US$ 100 milhões em ouro à Dinamarca.
“Reconhecemos plenamente que a Groenlândia tem suas próprias ambições. Se elas se materializarem, a Groenlândia se tornará independente, embora dificilmente com a ambição de se tornar um estado federal nos Estados Unidos”, disse o ministro das Relações Exteriores dinamarquês Lars Lokke Rasmussen. (Reuters)
Ao ser questionado por jornalistas se poderia garantir ao mundo que não usaria força militar ou econômica para conseguir o controle da Groenlândia e do Canal do Panamá, Trump disse que não poderia “garantir nada sobre nenhum dos dois”.
“Mas posso dizer isso: precisamos deles para a segurança econômica”, afirmou o presidente dos EUA.