Transição belga

Bélgica vê Brasil como potencial parceiro em hidrogênio e SAF

Parceria entre os dois países pode avançar em hidrogênio verde, biocombustíveis e energia nuclear

Foto: Laura Guerreiro/FIEC
Foto: Laura Guerreiro/FIEC

RIO — O Brasil tem potencial na diversificação energética da Bélgica, que busca reduzir sua dependência de fontes fósseis, enfrentar os efeitos da guerra na Ucrânia e cumprir metas climáticas.

Em entrevista exclusiva à agência eixos, a cônsul geral da Bélgica no Rio de Janeiro, Caroline Mouchart, afirma que Brasil é estratégico para o fornecimento de novas moléculas como o hidrogênio verde, além de biocombustíveis, e vê com interesse insumos para a cadeia do aço verde.

“A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia foi para nós um alerta para garantir e diversificar o nosso abastecimento energético”, comenta Mouchart. 

A Bélgica segue sendo uma das maiores importadoras de GNL russo. Uma parte significativa chega aos portos belgas, onde é regaseificado e transportado por gasodutos para o resto na União Europeia — que atualmente discute se expande as sanções hoje restritas ao gás russo importado via gasodutos. 

“A Bélgica precisa garantir seu abastecimento energético e também pretende aumentar a participação das energias renováveis em seu mix energético. E parceiros fiáveis como o Brasil ganham mais importância nesse contexto de um mundo que não é tão estável”, pontua a cônsul.

“O Brasil oferece oportunidades com potencial para produzir novas moléculas, como o hidrogênio, a partir de energias renováveis. Isso abre caminho para projetos de corredores marítimos verdes entre nossos dois continentes”, afirma.

Com US$ 25,3 bilhões investidos no Brasil em 2022, a Bélgica foi o sexto maior investidor estrangeiro no país.

“Em termos de investimentos, nosso país é um pilar histórico para o Brasil”, comenta Mouchart. 

No comércio, o Brasil é o 17º maior mercado para os belgas, que veem na transição energética uma oportunidade para aprofundar as relações bilaterais, que se intensificaram com a missão econômica em 2024 liderada pela princesa Astrid, resultando na assinatura de quase 40 acordos. 

“Isso demonstra claramente o interesse da Bélgica pelo Brasil e a solidez dos nossos laços”, diz Mouchart.

No entanto, a cônsul alerta que a concretização desses projetos depende da continuidade de políticas públicas e marcos regulatórios confiáveis.

“É sempre importante ter uma segurança jurídica para atrair investimentos (…) Uma estratégia energética de longo prazo que inclui metas claras para a adoção de energias renováveis e o estabelecimento de um ambiente regulatório estável, com diretrizes previsíveis, pode ajudar e reduzir os riscos para nossos investidores”. 

Hidrogênio e corredores verdes

Entre os principais pontos da cooperação energética, está a estruturação de corredores verdes entre os dois continentes, conectando portos brasileiros e belgas. 

Um exemplo é o porto de Antuérpia-Bruges, que atua como âncora da estratégia para se tornar um “porto multicombustível”, com capacidade de receber e distribuir diversos tipos de energias limpas. 

A participação do porto belga no Porto do Açu, no Norte do Rio de Janeiro, estreita essa conexão. 

Ambos estão investindo em rebocadores movidos a metanol, hidrogênio e diesel verde, além de apostarem no transporte marítimo de novas moléculas como o hidrogênio e os e-combustíveis, com o objetivo de estabelecer uma rota de corredor verde intercontinental. 

Estratégia nacional

O governo da Bélgica tem implementado uma série de medidas para desenvolver o mercado de hidrogênio, dentro de sua estratégia nacional para o setor. 

Entre as principais ações está a Lei de Transporte de Hidrogênio por Dutos, publicada em 2023, que estabeleceu a designação de um operador de rede de hidrogênio responsável pelo planejamento, desenvolvimento e gestão da infraestrutura de transporte no país.

O operador escolhido foi a Fluxys, um dos maiores operadores de infraestrutura de gás da Europa, e que controla 30% da TBG (Gasbol).  

O governo belga também aprovou um pacote de 250 milhões de euros para apoiar financeiramente a construção de conexões com a Alemanha e o desenvolvimento da rede de hidrogênio entre os principais polos industriais do país, como Ghent, Antuérpia, Mons, Charleroi e Liège. 

Neste sentido, a Fluxys já identificou os corredores necessários para conectar França, Bélgica, Alemanha e Países Baixos, olhando para os grandes mercados importadores e consumidores de hidrogênio. 

Biocombustíveis e aço verde

A parceria entre Bélgica e Brasil na transição energética, no entanto, vai além do hidrogênio.

No setor de biocombustíveis, o destaque é a rota alcohol-to-jet, com tecnologia da empresa belga Terra Mater, que produzirá combustível sustentável de aviação (SAF) a partir de matérias-primas fornecidas pela brasileira Petrom, em iniciativa instalada no North Sea Port — maior cluster de biocombustíveis do país europeu.

“Esses materiais serão utilizados para produzir SAF e produtos químicos sustentáveis”, afirma Mouchart. 

Já na siderurgia, a cônsul cita que o país acompanha com interesse o projeto da Green Energy Park (GEP), consórcio europeu que pretende produzir hidrogênio verde no Piauí e usá-lo para transformar minério de ferro em hot briquetted iron (HBI), um produto semiacabado para produção de aço verde, em parceria com a Vale

“Esse tipo de produto é interessante localmente, mas também representa uma opção interessante para nossa indústria siderúrgica na Bélgica e na Europa”. 

O projeto foi incluído na lista prioritária do programa Global Gateway da União Europeia.

A tecnologia de produção de HBI verde envolve a utilização de hidrogênio renovável, obtido através da eletrólise da água com eletricidade de fontes como solar e eólica, ao invés do gás natural e do carvão, tradicionalmente usados no processo.

Devido à necessidade de proteger a própria indústria siderúrgica, a estratégia europeia para descarbonização do aço encontrou na importação do HBI verde uma alternativa à transferência de plantas siderúrgicas para o Brasil.

“Na região da Valônia, por exemplo, é uma indústria que gera mais de mil empregos. Um desafio é a competitividade da indústria e também a descarbonização, porque são indústrias que precisam de muita energia. Então, projetos, como da GEP, são projetos que precisamos acompanhar”, avalia a cônsul.

Parcerias em energia nuclear

A Bélgica também mira o Brasil como parceiro no desenvolvimento da energia nuclear civil. 

Lá, os reatores nucleares respondem por 42% da geração elétrica e o país decidiu estender a vida útil de dois deles por mais 10 anos. Há uma aposta também no desenvolvimento de pequenos reatores modulares (SMR) como solução complementar à transição energética.

Durante a missão econômica no Brasil, foi firmado um memorando de entendimento entre a Tractebel Engineering e a estatal brasileira Amazul, para cooperação em áreas como engenharia de reatores, aplicação de tecnologias avançadas, tratamento de resíduos nucleares e desenvolvimento de SMRs.

“Foi um MoU sobre cooperação no setor do nuclear civil para novas obras, SMRs, e construção civil relacionada à atividade nuclear”, relata Mouchart.

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