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Inspiração para Petrobras na Foz do Amazonas, Guiana prepara leilão e novo marco legal de óleo e gás

País vizinho espera realizar este ano seu primeiro leilão de blocos exploratórios

Inspiração para Petrobras na Foz do Amazonas, Guiana prepara leilão e novo marco legal de óleo e gás. Na imagem: Mapa com a localização, marcada em preto, dos blocos de petróleo e gás oferecidos pela Guiana em leilão (Imagem: Divulgação)
Em preto, localização dos blocos oferecidos pela Guiana em leilão (Imagem: Divulgação)

RIO – Líder global em descobertas de petróleo e gás no mar desde 2015, a Guiana iniciou em junholiza uma revisão geral do marco legal do setor. Em paralelo, o governo local espera realizar este ano o primeiro leilão de blocos exploratórios offshore de sua história – e que pode marcar a entrada da Petrobras no país.

O cronograma da rodada de licitação foi adiado recentemente pela terceira vez – agora, para que o país avance com o debate sobre a regulação. A ideia é substituir o marco atual, vigente desde a década de 1980, num contexto bem diferente daquele que o país vive hoje.

A Guiana quer atualizar suas regras, colocando-as em linha com o contexto atual do país – que desde a década passada já descobriu mais de 11 bilhões de barris – e com o novo momento da indústria petrolífera global.

O projeto de lei proposto passa, por exemplo, por critérios mais rígidos de segurança operacional; por assuntos como unitização (tema ausente da lei de 1986); e, de olho na transição energética, pela licença de áreas para estocagem de gás natural e de carbono, que passam a ser reguladas no país.

Você vai ver aqui:

  • Com mais de 11 bilhões de barris já descobertos, Guiana lança seu 1º leilão de áreas exploratórias;
  • e propõe revisão do marco legal do setor de óleo e gás no país
  • Guiana mira regulação para estocagem de gás e CO2
  • Com dificuldades no licenciamento ambiental na Bacia Foz do Amazonas, Petrobras avalia entrar no país
  • Geologia do país vizinho guarda similaridades com a Margem Equatorial brasileira
  • ExxonMobil é responsável pela operação de 100% dos campos em produção na Guiana, mas novas descobertas da canadense CGX e leilão alimentam expectativa de diversificação

Quanto petróleo a Guiana já descobriu?

Desde a primeira descoberta da ExxonMobil no país, em 2015, a Guiana acumula um histórico de sucesso exploratório: são 11 bilhões de barris de óleo equivalente em reservas recuperáveis identificadas até o momento. Como comparação, o Brasil tinha 14,8 bilhões de barris de petróleo de reservas provadas ao fim de 2022.

Isso tudo num país de apenas 800 mil habitantes, uma população similar à de João Pessoa (PB).

Nesse intervalo de oito anos, a Guiana ganhou suas duas primeiras plataformas em produção. E outras duas unidades estão previstas para entrar em operação até 2025.

A Rystad Energy estima que a Guiana pode se tornar o quarto maior país produtor offshore em 2035, com uma média de 1,7 milhão de barris/dia – ultrapassando EUA, México e Noruega, por exemplo.

Para a consultoria global, as reservas da Guiana estão entre as mais competitivas do mundo no ambiente marítimo fora do Oriente Médio e da Noruega, devido ao baixo teor de emissões de carbono e baixo custo de produção – com preço de equilíbrio, o breakeven, de US$ 28 por barril na média.

As atividades em águas profundas no país emitem, na média, 9 kg/barril de óleo equivalente produzido – nível abaixo da média global e similar às emissões do pré-sal brasileiro.

Leilão na Guiana deve ter presença das grandes petroleiras

O governo do país decidiu adiar recentemente, mais uma vez, o seu primeiro leilão de áreas exploratórias, em meio às discussões sobre a revisão do marco legal.

A data para apresentação das ofertas estava prevista para até 15 de julho, mas o cronograma da rodada deve ser adiado em cerca de um mês.

A Guiana está ofertando 14 blocos, dos quais 11 em águas rasas e três em águas profundas, em contratos sob o modelo de partilha.

A previsão é que haja maior interesse pelas áreas em águas profundas, região em que estão as grandes descobertas feitas no país.

“São poucas as empresas no mundo hoje que têm experiência e capital para isso. São, principalmente, as majors, e algumas estatais, como Petrobras e Petronas”, comenta o diretor em pesquisa em upstream da Wood Mackenzie para a América Latina, Marcelo de Assis.

A expectativa, segundo ele, é que a disputa se dê, sobretudo, entre consórcios liderados pelas grandes empresas globais ou grandes estatais, com participação minoritária de companhias indianas e chinesas.

Leilão é a novidade

Até então, o país não promovia leilões de áreas exploratórias. As licenças eram acordadas diretamente com as empresas, sem processo competitivo.

A concorrência é vista como uma forma de ampliar as receitas estatais oriundas do setor de petróleo e gás. Para a licitação, o país aumentou a alíquota de royalties, de 2% a 10% em relação aos contratos antigos.

Nesta primeira rodada, o país estabeleceu, como critérios para decisão das ofertas vencedoras, as melhores propostas de bônus de assinatura e compromissos de trabalho exploratório – cada item com peso de 50%.

O atual modelo, porém, está sendo rediscutido. A proposta de revisão do marco legal, em curso, prevê que o governo também pode adicionar como critério para escolha das melhores propostas, além dos bônus e compromissos exploratórios, “outro investimento comercial, climático ou social” julgados convenientes.

O governo também poderá optar, no lugar dos leilões, por conceder áreas por meio da negociação direta com as companhias, em casos em que seja identificada a necessidade de “promover a cooperação energética regional ou salvaguardar o interesse nacional e a segurança”.

E também poderá definir “áreas abertas”, disponibilizadas para pedidos de pesquisa a qualquer momento – uma espécie de oferta permanente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), no Brasil.

Petrobras de olho

A Petrobras acessou o pacote de dados do leilão da Guiana, mas ainda não definiu sobre uma eventual participação, segundo fontes.

No mês passado, o presidente da estatal, Jean Paul Prates, confirmou que há interesse em explorar a Margem para além da costa nacional – uma possibilidade que já havia sido aventada pelas gestões passadas, durante o governo Bolsonaro.

“Talvez diante da impossibilidade de furar na Foz [do Amazonas], a gente possa testar alguma coisa na Guiana e Suriname”, disse Prates em entrevista ao Estadão em maio.

O comentário foi feito na esteira da decisão do Ibama de negar o pedido de licenciamento ambiental para a Petrobras iniciar, pela costa do Amapá, a campanha exploratória em águas profundas na Margem Equatorial.

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O interesse da Petrobras na Guiana se dá, justamente, pela proximidade geográfica e geológica com a Margem Equatorial brasileira – nova fronteira exploratória na qual a estatal pretende investir quase US$ 3 bilhões até 2027, segundo o atual plano de negócios, em reformulação.

De acordo com a ANP, a Margem Equatorial brasileira possui modelo geológico similar aos casos de sucesso na Guiana e Suriname. A expectativa é que o potencial petrolífero dos países vizinhos se estenda até o Brasil.

A região começou a despertar a atenção da indústria após descobertas na costa de Gana, em 2007. O oeste do continente africano possui evolução geológica análoga ao da Margem Equatorial sul-americana.

A possibilidade de a Petrobras iniciar a exploração pela Guiana, ainda que como sócia minoritária em um consórcio, é vista por especialistas como uma forma de a companhia assegurar a presença na região.

“Hoje estamos expostos a um eventual acidente na Guiana, sem nenhum mecanismo de resposta para isso naquela região. Seria muito interessante a Petrobras ter uma infraestrutura mínima de contingência ali”, defende o ex-diretor da ANP e consultor, Felipe Kury.

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, esteve em Brasília, em maio, durante o encontro entre Lula e chefes de Estado sul-americanos e conversou com o presidente brasileiro sobre a possibilidade de a Petrobras vir a participar do leilão no país vizinho.

Guiana ganha relevância internacional

O governo local estima que as reservas do país podem somar até 25 bilhões de barris.

A Guiana tem ganhado relevância no cenário internacional. O ministro de Recursos Naturais do país, Vickram Barrat, foi convidado recentemente para participar, em julho, do seminário internacional da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). O cartel negou, entretanto, que o país tenha sido convidado a integrar o grupo. 

A expectativa é que o leilão também diversifique o número de empresas que atuam no país. Hoje, todos os campos em produção são operados pela ExxonMobil – que espera atingir a marca de 1 milhão de barris/dia no país antes do fim da década.

A petroleira americana opera três áreas no país, mas até o momento todas as descobertas ocorreram no bloco Stabroek, área de 26 mil km2, operado em parceria com a Hess e a CNOOC.

O consórcio já instalou duas plataformas na região até agora: Liza-1 e Liza Unity, que produziram em média 375 mil barris/dia no primeiro trimestre. Uma terceira unidade, o FPSO Prosperity, deve entrar em operação ainda em 2023, com capacidade para mais 220 mil barris/dia.

Um projeto ainda maior, a plataforma Oneguyana, está previsto para 2025, com uma produção de 250 mil barris/dia. A região deve ser o principal pilar da extração global da ExxonMobil ao longo desta década, junto com o shale americano.

Outras empresas também intensificaram as atividades na Guiana nos últimos anos. O país tem, ao todo, 14 operadoras com contratos ativos no país, incluindo a TotalEnergies, Repsol e Qatar Petroleum.

A britânica Tullow Oil anunciou três descobertas no país entre 2019 e 2020, enquanto a canadense CGX Energy fez duas descobertas este ano. Nenhuma delas anunciou o desenvolvimento das reservas até o momento.

A expectativa, no governo local, é que a descoberta da CGX Energy seja a primeira comercialmente viável fora do bloco Stabroek, da ExxonMobil.

Os desafios pela frente

Entre os desafios para o avanço dos investimentos está, por exemplo, a falta de infraestrutura e de uma indústria fornecedora de bens e serviços.

O analista da Bloomberg Intelligence, Fernando Valle, acredita, inclusive, que o cenário pode levar a Exxon a investir no downstream no país.

A primeira descoberta na costa da Guiana, o prospecto de Karanambo, ocorreu ainda na década de 1980, mesma época em que o Brasil começava a explorar a Bacia de Campos. Por décadas, no entanto, o país foi palco de disputas territoriais com os vizinhos Venezuela e Suriname.

O jogo virou em maio de 2015, quando a Exxon anunciou a descoberta de Liza, no bloco Stabroek. O anúncio marcou o pontapé inicial em uma história exploratória que tem se intensificado desde então.

Apenas em 2022, a Exxon fez nove descobertas no país. No primeiro semestre de 2023, a companhia já anunciou mais duas novas descobertas.

Estimativas da Rystad apontam que, apenas com as descobertas feitas até meados de 2022, as receitas governamentais anuais com o pagamento de royalties, impostos e óleo-lucro na Guiana poderiam chegar a US$ 4,2 bilhões em 2025, com potencial para atingir US$ 16 bilhões em 2036.

“É importante questionar por que o Brasil está levando esse tempo todo para fazer um poço na Margem, enquanto um país vizinho já tem tantas descobertas do lado de lá”, conclui Kury, ex-ANP.