Biocombustíveis

Indústria cerâmica de São Paulo mira biometano para se proteger de preços do petróleo

Parceria entre fábricas de cerâmica e setor sucroenergético vai atender 5% da demanda no estado em projeto-piloto

Benjamin Ferreira Neto, presidente do conselho da Anfacer: biometano amplia previsibilidade des preços para a indústria (Eduardo A. Viana / Aspacer)
Benjamin Ferreira Neto, presidente do conselho da Anfacer: biometano amplia previsibilidade des preços para a indústria (Eduardo A. Viana / Aspacer)

SÃO PAULO – A indústria ceramista de São Paulo planeja substituir 50% da demanda fabril de gás natural por biometano até 2030. Um projeto-piloto, anunciado na sexta (3/3), prevê o fornecimento do combustível renovável para dez fábricas de cerâmica do polo industrial de Santa Gertrudes, no interior do estado.

A inserção do biometano é uma estratégia da indústria para redução da intensidade de emissões e proteger o setor da volatilidade dos preços do petróleo, que atualmente é o principal indexador dos preços do gás natural vendido pela Petrobras e demais supridores no Brasil para as distribuidoras e indústrias.

Na sexta (3/3), foi assinado um acordo entre produtores de açúcar e etanol e consumidores industriais para desenvolver o mercado de biometano no estado.

Participam a Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica (Anfacer), a Associação Paulista de Cerâmicas de Revestimento (Aspacer), o Sindicato das Indústrias de Cerâmica (Sindiceram), representantes das empresas de cerâmica, o Apla e o Senai Nacional.

A tecnologia das plantas de biogás será fornecida pela Geo Biogás & Tech.

A injeção de biometano em redes de distribuição de gás natural no Brasil começo pelo Ceará, a partir do gás de aterro em Fortaleza, entregue à Cegás.

Em São Paulo, o mercado está se desenvolvendo a partir da conexão de usinas com a rede da Comgás e GasBrasiliano. As usinas utilizam resíduos da cana, como vinhaça, torta de filtro, palhas e pontas para produzir o biometano.

Competitividade da indústria depende do preço do gás

“Será um enorme ganho na área sustentável, com diminuição da pegada de carbono, além da previsibilidade de preços e maior segurança energética”, afirma presidente do Conselho de Administração da Anfacer, Benjamin Ferreira Neto.

Há dois anos, as altas nos preços do gás natural afetaram a indústria ceramista, ocasionando no aumento dos valores dos revestimentos para os consumidores. A perda da competitividade fez com que o renovável surgisse como alternativa de baixo custo para reduzir a dependência do gás natural.

“Com o projeto, nós passaremos a ter diversos supridores, com maior flexibilização e concorrência. O gás pesa muito na nossa matriz energética e precisamos reduzir os custos”, reiterou o presidente da Anfacer.

Atualmente, o combustível representa 35% do custo total do m² de revestimento cerâmico.

“Se somarmos os custos de energia elétrica e gás natural, chegamos à conclusão que, em torno de 50% da produção por metro quadrado de cerâmica é energia”, explicou Luís Fernando Quilici, diretor de Relações Institucionais da Aspacer.

Para Quilici, há um movimento de dispersão fabril no setor brasileiro. Embora a produção nacional seja liderada por São Paulo – representando 64% do total –, as regiões Sul e Nordeste foram responsáveis por 18,3% e 17,7%, respectivamente, dos revestimentos cerâmicos no último ano.

O Brasil é o terceiro maior produtor de cerâmicas no mundo, ficando atrás da China e da Índia. O país também é o segundo maior consumidor de revestimentos cerâmicos e o sétimo maior exportador mundial. A indústria representa, ainda, 6% do PIB da construção civil nacional.

Em 2022, o setor ceramista totalizou 113,1 milhões de m² em exportações. A expectativa das indústrias é que a participação brasileira no mercado externo aumente nos próximos anos. Os dados são da Anfacer.

“Iremos juntar três commodities para controlar os preços. A vantagem do biogás é a questão da previsibilidade, pois se desloca do mercado do petróleo, que é volátil. O planejamento sairá bem melhor”, explicou Flávio Castellari, diretor do Arranjo Produtivo Local do Álcool da Região do Piracicaba (Apla).

Formação dos preços do gás natural

  • No mercado cativo, em que o fornecimento é feito diretamente pela concessionária de distribuição, o biometano pode entrar na conta do preço de venda do gás natural no cálculo das tarifas. É uma alternativa mais sustentável e que pode proteger os consumidores de disparadas na cotação do óleo e, em parte, do câmbio, que hoje ditam o valor do energético.
  • No mercado livre, nos estados onde há regulação, consumidores industriais podem comprar o biometano direto de produtores ou comercializadores. Nesses casos, a concessionária é remunerada pelo uso da rede de distribuição.
  • Negócios em desenvolvimento em São Paulo contam com a conexão entre os supridores de biometano, as usinas de cana-de-açúcar, e as redes de distribuição de gás natural, para atender clientes da Comgás e da GásBrasiliano.
  • Alguns negócios: Orizon negocia injeção de biometano na rede da Comgás em São PauloGasBrasiliano começa a operar 1º gasoduto isolado de distribuição de biometanoPetrobras e Raízen estudam parceria no negócio de biometano.

Potencial para atender 50% da demanda ceramista com biometano

Inicialmente, é esperado que a utilização do biometano alcance 5% do consumo energético nas indústrias participantes, uma iniciativa inédita no ramo ceramista.

A inserção do biometano deve ser feita progressivamente a partir de 2025. Na fase de implementação, serão injetados aproximadamente de 50 mil de m³/dia, por meio da rede existente de gasodutos.

Até 2030, a expectativa é que o volume alcance metade do consumo das indústrias paulistas do setor, atingindo cerca de 1 milhão de m³/dia. O setor consome pouco mais de 2 milhões de m³/dia, em média.

Compromisso ambiental

As entidades signatárias do projeto apontam que a adoção do biometano será vantajosa não apenas pelas baixas emissões de dióxido de carbono (CO2), mas pelo aproveitamento dos resíduos das matérias-primas.

Além disso, o plano de expansão do biocombustível poderá auxiliar o progresso de descarbonização das frotas de caminhões das empresas, responsáveis pelo transporte das commodities para as linhas de produção. Hoje, os transportes são abastecidos com diesel fóssil. 

“Estamos focando na transição energética da cadeia produtiva como um todo”, reforçou Castellari.

No processo de produção, o gás natural serve para aquecer os fornos que fazem a secagem para garantir a rigidez da argila, matéria-prima da cerâmica. A queima é a etapa em que se utiliza o maior volume de gás.

O gás natural possui difícil substituição na indústria, porém, o biometano se destaca por ter propriedades iguais ao fóssil e ser, ao mesmo tempo, compatível com a infraestrutura disponível nas fábricas.

De acordo com os produtores de cerâmica, o objetivo é que a energia de biomassa seja implementada na cadeia nacional do setor, sendo favorecida pelo potencial de oferta e subprodutos disponíveis nas entressafras da cana-de-açúcar, podendo suprir até 100% da demanda industrial.

Somente ao redor do município de Santa Gertrudes são 30 usinas de cana com capacidade de fornecimento de 10 a 30 milhões de m³/dia.

O biogás oriundo do setor sucroenergético caminha para uma participação cada vez maior na matriz energética brasileira, com um potencial de 2,1 GW médios de geração de eletricidade até 2032, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

A jornalista viajou a convite, com despesas de viagem custeadas pela Anfacer