Energia

SXSW 2023: Os tema mudança climática e novas soluções de produção de energia conquistam espaço no maior festival de inovação do mundo

Pelo segundo ano consecutivo, o festival, que estreou em 1987, destacou uma trilha dedicada ao combate das mudanças do clima, além da trilha Energia, escreve Fernanda Diniz

SXSW 2023: o tema mudança climática e novas soluções de produção de energia conquistam espaço no maior festival de inovação do mundo. Na imagem: Conferência durante o festival South by Southwest 2023. O SXSW é um estival de inovação realizado em Austin, no Texas, EUA (Foto: Fernanda Diniz)
O SXSW é um estival de inovação realizado em Austin, no Texas, EUA (Foto: Fernanda Diniz)

O South by Southwest, mais conhecido por suas siglas SXSW, teve seu primeiro festival realizado em 1987 e, de lá para cá, o evento tomou uma crescente importância, tornando-se o maior evento de criatividade e inovação do mundo.

Em 2023, o SXSW aconteceu entre os dias 08 e 18 de março, na cidade de Austin (capital do Texas), nos Estados Unidos, com um público de mais de 80.000 pessoas de diversos lugares do mundo.

Este ano, o festival ofereceu 25 trilhas, abordando temas como: inovação em mídia, interatividade, futuro da educação, comportamento, música e consumo, entre outros.

Programação SXSW 2023
Programação SXSW 2023

O SXSW está em constante evolução e, buscando abordar os assuntos mais “quentes” do momento, pelo segundo ano consecutivo, destacou uma trilha dedicada às ações para combater às mudanças do clima, além da trilha Energia.

A trilha Mudança Climática abordou as consequências do aumento da temperatura média global e do nível dos oceanos, ao mesmo tempo em que apresentou os esforços mais promissores para mitigar os efeitos do aquecimento global.

A trilha Energia explorou os problemas e soluções na produção e entrega de energia e novas abordagens que possam melhorar o acesso à energia e a equidade para as comunidades.

Para estas duas trilhas foram oferecidos cerca de 50 painéis ao longo de 4 dias, muitos destes em sessões paralelas, colocando um grande desafio de escolha para os expectadores.

Assisti 17 painéis ao longo de 5 dias! E ainda estou maravilhada com a grandiosidade do festival, assimilando tudo que aprendi. Compartilho com vocês uma pequena amostra do que vi sobre alguns painéis com foco nos desafios da Transição Energética e suas possíveis soluções.

E-waste in the Transition to a Clean Economy

O mundo está passando por uma transição de energia limpa que mudará drasticamente a forma como nossa economia opera – reduzindo emissões, aumentando a eficiência e criando novos empregos. Uma dimensão negativa e muitas vezes negligenciada dessa mudança é a criação de mais resíduos do uso de energia limpa, como energia solar fotovoltaica, turbinas eólicas e baterias. A transição energética traz um novo ajuste de contas com o estado do lixo eletrônico e a coleta de fim de vida.

Política e inovação podem trazer novos métodos para lidar com resíduos de tecnologias de energia limpa para reduzir, reutilizar e, às vezes, eliminar a criação de lixo eletrônico na transição para uma economia limpa. Este painel explorará os desafios e oportunidades atuais para considerações de fim de vida para tecnologias de energia limpa.

O painel contou com a participação de Taylor Curtis, Mark Petruzzi, Tom Romanoff e Jesse Simons. Foi dado maior destaque aos benefícios da ampliação do uso da energia solar, mas os próprios empresários do ramo trouxeram a preocupação com o impacto dos seus negócios no longo prazo, dando como exemplo o desafio do destino dos painéis solares no fim de vida.

Abordou o trade off durabilidade dos painéis solares vs. a facilidade de reciclá-los, pois quanto mais duráveis mais difícil será a sua reciclagem. Os painéis atuais têm durabilidade próxima a 10 anos. Estão em desenvolvimento soluções para aumentar durabilidade dos painéis, materiais com maior capacidade de reciclagem e novas formas de uso de painéis desinstalados.

Foi frisado pelo grupo que caberá aos governos definir as regras para garantir o adequado tratamento dos resíduos dessas tecnologias que farão parte da transição energética no seu fim de vida e dando incentivos para “compras de segunda mão”. A sociedade também tem um papel fundamental através da mudança do seu comportamento de consumo.

Hydrogen Energy: Climate Hope or Climate Hype?

Cada vez mais, o hidrogênio é visto pelos governos e pela indústria em todo o mundo como o Santo Graal das soluções energéticas favoráveis ao clima. Dezenas de bilhões de dólares estão sendo despejados no setor, apoiados por fortes incentivos. As empresas de combustíveis fósseis, em particular, vislumbram o hidrogênio “limpo” feito de gás natural como sua tábua de salvação em um mercado de energia descarbonizado.

Mas os cientistas do clima alertam que o hidrogênio é um gás propenso a vazamentos com efeitos de aquecimento potentes que são amplamente ignorados até mesmo por especialistas. A pesquisa mais recente mostra que o hidrogênio tem até seis vezes o poder de aquecimento de curto prazo do que se reconhecia anteriormente. Para entregar os benefícios climáticos que seus muitos promotores prometem, estratégias cuidadosas são necessárias para evitar que as pequenas moléculas escapem para a atmosfera.

Este painel foi um dos mais interessantes e empolgantes. Ilissa Ocko é cientista sênior sobre mudança climática no Fundo de Defesa Ambiental (EDF) e iniciou sua apresentação trazendo uma provocação através de um trecho do filme Onion Glass. Na trama, o protagonista é o milionário empreendedor Miles Bron, do ramo da tecnologia, que desenvolve um novo combustível sólido à base de hidrogênio, chamado Klear, com a promessa de ser acessível à sociedade e zero carbon emissions. No entanto, quer lançá-lo comercialmente à todo custo, sem antes realizar todos os testes de segurança e viabilidade para o seu lançamento.

Desta forma, Ilissa iniciou sua apresentação pragmática trazendo algumas razões que levam o hidrogênio a ser Climate Hope e outras Climate Hype.

“Estou aqui porque eu quero que o hidrogênio seja alcançado da forma correta. Hidrogênio tem um grande potencial de descarbonizar a economia. Mas tem também um lado pouco falado e muitos desafios que precisamos estar cientes. E o que me preocupa é que não tem gente suficiente falando sobre esses desafios. Então, se queremos viabilizar o hidrogênio, precisamos pensar em todos os desafios climáticos que surgirão ao desenvolvermos o hidrogênio em larga escala.”

Saguão do festival South by Southwest (SXSW) 2023 (Foto: Fernanda Diniz)
Festival SXSW 2023 (Foto: Fernanda Diniz)

Como Climate Hope foi destacado:

  • Abundante — trata-se de um elemento abundante no planeta Terra, encontrado inclusive nas plantas e na água.
  • Carbon free — potencial substituto do combustível fóssil em diversas aplicações, com elevado potencial de mitigação de emisões de CO2, especialmente quando produzido a partir de fontes de energia renovável. O processo de queima do hidrogênio emite apenas água.
  • Versátil — pode ser utilizado na forma de combustível, matéria prima para a indústria química ou armazenamento de energia. Ilissa acredita que o hidrogênio possa ser a solução inclusive para os segmentos considerados hard do abate, como transporte marítimo, aviação, indústrias de cimento e aço.

Porém, Ilissa fez questão de ressaltar que para cada hope existem desafios climáticos que precisam ser superados para que o hidrogênio, de fato, seja uma solução.

  • Apesar de ser tecnicamente abundante, não é conveniente — o hidrogênio é raramente encontrado como elemento puro na natureza e muita energia é demandada para extrair o hidrogênio das moléculas em que ele está presente. Sendo assim, aumentar a participação das energias renováveis na matriz energética é também uma forma de viabilizar a produção do hidrogênio de baixa emissão. Neste ponto, Ilissa pontuou a preocupação em direcionarmos as energias renováveis para a produção de hidrogênio, deixando de lado a descarbonização dos demais setores, impedindo o atendimento das metas globais.
  • Apesar de ser carbon free não é climate neutral — nos casos de eventuais emissões fugitivas provenientes de pequenos vazamentos de hidrogênio, ao reagir com outros elementos da atmosfera, o hidrogênio pode impactar indiretamente o aquecimento global, apesar de não ser um gás efeitos estufa. Ilissa reforçou que grande parte das iniciativas em curso para a produção e uso do hidrogênio desconsideram esse fato. Neste ponto, ela também aproveitou para esclarecer a diferença entre as nomenclaturas: hidrogênio verde, azul e cinza, destacando que, atualmente a maior produção mundial é de hidrogênio cinza, produzido a partir de gás natural, sem captura de carbono, com destino principal à processos de refino e produção de fertilizantes.
  • Apesar de ser versátil não é uma solução universal — Ilissa deu vários exemplos onde outros tipos de energias limpas, menos complexas e mais baratas podem ser mais interessantes para a redução de emissões de CO2, quando comparadas ao hidrogênio.

Após apresentar esses contrapontos, Ilissa concluiu dizendo: “Podemos usar tudo isso como informação para acertar desde o começo. Hidrogênio pode não ser a bala de prata, mas é uma oportunidade que merece todo o nosso foco agora”.

Pouco se falou do Brasil e dos emergentes

Apesar da riqueza do festival, senti falta de ouvir realidades diferentes da americana. Pouco se falou sobre países em desenvolvimento e, muito menos, sobre o Brasil. Painéis relacionados à eólica offshore, remoção de carbono e descarbonização do setor de aviação poderiam lembrar que o país é uma potência e terá um papel fundamental na descarbonização do planeta.

O Brasil exerce uma liderança quando o assunto é energia de baixo carbono, com participação de 47% de renováveis na matriz energética, sendo 85% de renováveis na matriz elétrica e para completar 25% de renováveis na matriz de transportes.

Quando falamos de petróleo de baixo carbono, o petróleo do pré-sal está entre os petróleos com mais baixa emissão operacional do mundo (40% menos emissões por barril que a média mundial).

Como petroleira e gerente na área de Mudança Climática da Petrobras, fico com a certeza de que estamos percorrendo um belo caminho da descarbonização rumo à ambição de neutralidade das emissões operacionais até 2050, já tendo reduzido 38% das emissões operacionais totais da Petrobras em relação à 2015.

Além de melhoria significativa na eficiência em emissões em todos os segmentos de negócio, destacando a redução na intensidade de emissões de metano no segmento upstream de 60%.

Adicionalmente, a Petrobras está avançando nas iniciativas voltadas para a diversificação rentável, se aprofundando nos estudos de modelos de negócio para eólicas offshore, hidrogênio e captura de carbono, além da continuidade da sua atuação em biorrefino.

Fernanda Moraes Diniz é Gerente de Desempenho em Emissões e Eficiência Energética da área de mudança Climática da Petrobras.

Este artigo expressa exclusivamente a posição da autora e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculada.