Barrados na rede

Solatio se junta a Casa dos Ventos e Fortescue com projetos de hidrogênio barrados pelo ONS

Decisão referendada pela Aneel engrossa a lista de empreendimentos ultraeltrointensivos com planos travados por limitações na infraestrutura elétrica do país

Torres e linhas de transmissão de energia com turbinas eólicas ao fundo e, no horizonte, o sol se põe (Foto Peter Schmidt/Terranaut/Pixabay)
Linhas de transmissão de energia com turbinas eólicas ao fundo (Foto Peter Schmidt/Terranaut/Pixabay)

RIO — O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) voltou a barrar o acesso de um projeto de hidrogênio verde à rede elétrica.

Desta vez, a negativa atinge a espanhola Solatio, que pretendia conectar uma planta de produção de hidrogênio e amônia verdes com capacidade de 3 gigawatts (GW) por ano na Zona de Processamento de Exportação (ZPE) de Parnaíba, no Piauí. 

A decisão foi seguida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e engrossa a lista de empreendimentos ultraeltrointensivos com planos travados por limitações na infraestrutura elétrica do país.

Segundo o ONS, a conexão do projeto causaria sobrecarga estrutural e riscos concretos de colapso de tensão em subestações adjacentes, agravando uma situação já crítica pela ausência de reforços previstos no curto prazo no Plano de Outorgas de Transmissão de Energia Elétrica (POTEE)

O parecer técnico desfavorável repete os argumentos utilizados recentemente para negar acesso à rede a outras iniciativas ambiciosas no setor de hidrogênio verde, como os projetos da Casa dos Ventos, no Porto do Pecém (CE), que incluem uma planta de hidrogênio e um data center.

Projetos bilionários sem conexão

Com investimento estimado em R$ 27 bilhões, o projeto da Solatio se junta a uma lista crescente de empreendimentos bilionários com cronogramas ameaçados por gargalos no sistema elétrico. 

Segundo os últimos dados divulgados pelo o próprio Ministério de Minas e Energia (MME), haviam onze projetos com pedidos formais de acesso ao Sistema Interligado Nacional (SIN), somando 45 GW de capacidade instalada até 2038. 

A Casa dos Ventos, por exemplo, pretende investir R$ 49 bilhões na usina de hidrogênio e mais R$ 50 bilhões em um centro de processamento de dados. 

A empresa chegou a contratar consultorias independentes que apontaram a disponibilidade de pelo menos 2 GW na região do Pecém, mas ainda assim foi surpreendida pela negativa do operador.

Outro caso emblemático é o da Fortescue, que espera produzir hidrogênio verde em larga escala também no Pecém, com previsão de R$ 17,5 bilhões em investimentos e capacidade inicial de 1,2 GW, podendo chegar a 2,1 GW, que também teve um pedido de acesso à rede indeferido. 

No Brasil, plantas em estados como Ceará (Casa dos Ventos, Fortescue e Voltalia), Piauí (Solatio), Pernambuco (European Energy) e Minas Gerais (Atlas Agro) tinham a expectativa de chegar à decisão final de investimento (FID) até o fim de 2025

Contudo, o avanço dos projetos esbarra na negativa do acesso à rede. 

Situação preocupa setor

A Associação Brasileira do Hidrogênio Verde (Abihv) e a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica) encaminharam carta ao MME, em fevereiro, solicitando a antecipação do POTEE, que depende de estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). 

Existe uma preocupação com a defasagem entre os cronogramas de planejamento e expansão da rede elétrica e os subsídios do governo federal para os projetos de produção de hidrogênio. 

O Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC) prevê R$ 18,3 bilhões em créditos fiscais entre 2028 e 2032, mas os leilões para reforço da transmissão devem ocorrer apenas a partir de 2026, com entrega de obras após 2032.

A EPE, em nota recente, afirmou que conduz atualmente um estudo prospectivo específico para cargas de hidrogênio no Nordeste, com conclusão prevista para dezembro de 2025.

Os resultados devem orientar a expansão da malha de transmissão para atender à nova demanda industrial da região.

A EPE explica ainda que o desafio de integrar grandes cargas à rede elétrica não é exclusivo do país, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, onde entidades como a North American Electric Reliability Corporation (NERC) e a Energy Systems Integration Group (ESIG) criaram, em 2024, grupos de trabalho dedicados ao tema, com foco na harmonização de práticas entre operadores e empreendedores.

Espaço na rede

A presidente da Abihv, Fernanda Delgado, explicou à agência eixos, que, o MME pediu novos cálculos e análises técnicas para verificar se há margem para liberação de capacidade na rede. A ideia da pasta seria garantir 4 GW para projetos considerados ultraeletrointensivos. 

“A Aneel e ONS estão empenhados em resolver esse problema. Temos a expectativa dos 4 GW e o anúncio do ONS de disponibilização de 1,8 GW”, disse Delgado.

Recentemente, o ONS apontou a possibilidade de liberação de até 1,8 GW ainda em 2025, apenas com o aumento da otimização da operação eletroenergética, sendo 1 GW adicional de exportação com ajuste no corte de geração no Piauí, e até 800 MW adicionais com a otimização do tempo de resposta dos bipolos de transmissão.

“Hoje sobra energia, mas falta potência”, pontuou o diretor de Planejamento do ONS, Alexandre Zucarato, durante o evento Líderes de Energia, no início de abril.

O diretor, entretanto, destacou que esses projetos ultraeletrointensivos, de hidrogênio verde e data centers, surgiram de maneira acelerada em um espaço muito curto de tempo, o que impede uma resposta rápida ao problema. 

O ponto crítico é o fluxo passante pela subestação de Açú, no Rio Grande do Norte. 

“Temos um conjunto de cargas que estão pedindo acesso, que ficam à esquerda da região de Açu, e não exnegramos viabilidade de atendimento dessas cargas por um problema elétrico de grande porte, um colapso de tensão”, reforçou Zucarato.

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