Energia

Revisão da estratégia de hidrogênio alemã

Atualização da política do governo alemão para o hidrogênio veio em boa hora para o Brasil, porque acelerará mais ainda o mercado de hidrogênio, trazendo novas oportunidades que podem e devem ser exploradas pelas empresas brasileiras, escreve Ansgar Pinkowski

Ansgar Pinkowski, Diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha do Rio de Janeiro. Crédito: Divulgação/AHK-Rio
Ansgar Pinkowski, Diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha do Rio de Janeiro. Crédito: Divulgação/AHK-Rio

Após semanas de discussões e alinhamentos internos, o governo alemão publicou no dia 22 de julho uma revisão da sua estratégia de hidrogênio. A Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha do Rio de Janeiro (AHK Rio) acompanha o desenvolvimento do mercado de hidrogênio verde na Alemanha desde 2019 e apoia o Brasil na criação de oportunidades entre os dois países. Esta competência adquirida nos permite ter um olhar bem específico sobre esta revisão e analisar possíveis impactos para o Brasil que gostaríamos expor aqui: 

Para a Alemanha, desde o lançamento da sua estratégia de hidrogênio verde em junho de 2020, o mundo passou por mudanças significativas, tornando a adaptação necessária. Enquanto no seu lançamento o motivo principal da estratégia foi a questão climática, com a guerra na Ucrânia e o bloqueio do fornecimento do gás natural da Rússia, a Alemanha perdeu praticamente 60% da sua energia primária. Com isso, a questão da segurança energética ganhou muito mais destaque do que na primeira versão em 2020.

A estratégia para o hidrogênio verde alemã não foi a primeira entre os países desenvolvidos, mas certamente criou um marco por ser bem mais específica, definindo 38 metas concretas para alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Além disso, o lançamento do programa H2Global certamente teve um impacto significativo no Brasil. De olho no leilão de hidrogênio verde do governo alemão, várias empresas decidiram investir no Brasil e, principalmente, no Nordeste. Acreditamos que mais de 50% dos MoUs no Ceará foram assinados com o objetivo fornecer hidrogênio verde para o programa do H2Global.

Além disso, o investimento de 34 milhões de euros feito pelo governo alemão desde 2021 para o programa de H2 Brasil mostra que Alemanha tem um grande interesse em desenvolver o Brasil como um país parceiro na sua intenção de alcançar a neutralidade de carbono na sua economia até 2050.

Alemanha definiu os seguintes pontos na revisão da estratégia de hidrogênio verde:

Acelerar a implementação do mercado de hidrogênio

A revisão deixou bem claro a necessidade de acelerar ainda mais o mercado de hidrogênio, seus derivados e tecnologias de aplicação. Além disso, aumentou também a ambição ao longo de toda a cadeia de valor.

Garantir disponibilidade suficiente de hidrogênio e seus derivados

Para garantir esta aceleração, a meta para a capacidade de eletrólise doméstica em 2030 será dobrada de 5 GW para 10 GW. A energia renovável necessária para atender esta demanda deve vir, principalmente, de parques eólicos offshore no mar do norte. Mesmo assim, vai existir uma demanda restante, estimada em 70%, que precisa ser atendida por importações. 

Criar uma infraestrutura funcional e eficiente de hidrogênio

Para a aceleração, é de suma importância a criação de uma infraestrutura de hidrogênio adequada. Para isso, no final de maio, o Governo Federal já adaptou a Lei do Setor de Energia (EnWG), fornecendo a estrutura legal e regulatória para a construção de uma futura rede central de hidrogênio na Alemanha. 

Até 2027/2028, uma rede, com mais de 1.800 km de tubulações adaptadas ou construídas, será criada na Alemanha, interligada à European Hydrogen Backbone, uma rede com cerca de 4.500 km em toda a Europa. Por meio desta expansão, todos os principais centros de produção, importação e armazenamento estarão conectados aos consumidores relevantes até 2030.

Definir os setores de aplicações de hidrogênio

As aplicações de hidrogênio e seus derivados na Alemanha até 2030 serão focados em aplicações na indústria, em veículos pesados e, cada vez mais, na aviação e no meio marítimo. No setor de eletricidade, o hidrogênio deve contribuir para a segurança do fornecimento de energia por meio de usinas de gás, que podem ser convertidas para funcionar com hidrogênio (H2-ready) e por meio de eletrolisadores, que atendem ao sistema, especialmente como estabilizadores variáveis para cargas flexíveis.

O uso de hidrogênio para aplicações domésticas ainda não está previsto até 2030.

Alemanha será o principal fornecedor de tecnologias de hidrogênio até 2030
Os fornecedores alemães devem expandir sua liderança tecnológica e oferecer toda a cadeia de valor das tecnologias de hidrogênio, desde a produção (eletrolisadores) até as diversas aplicações (por exemplo, tecnologia de célula de combustível).

Criar condições estruturais adequadas 

O alinhamento das condições legais e regulatórias, em nível Nacional, Europeu e, se possível, Internacional, apoiará a expansão do mercado. Isso inclui, em especial, procedimentos eficientes de planejamento e aprovação, padronização de sistemas de certificação e a administração adequadamente equipada e coordenada em todos os níveis. 

Definir a estratégia de importação 

Além de aumentar a produção nacional, o governo alemão também tem se dedicado bastante para garantir a disponibilidade de hidrogênio por meio de importações de países parceiros. 

Para criar ambientes ainda mais confiáveis e previsíveis, uma estratégia de importação de hidrogênio e seus derivados está sendo desenvolvida atendendo as metas globais para o desenvolvimento sustentável (ODS). 

O objetivo da estratégia de importação em desenvolvimento é enviar um sinal de que a Alemanha está disposta a entrar em cooperações mundiais com países parceiros, que se disponibilizem como parceiro tecnológico e que tenham cadeias de suprimento confiáveis sob padrões sustentáveis.

O que significa esta revisão então para o Brasil?

Do nosso ponto de vista, a boa notícia é que o hidrogênio verde irá acelerar ainda mais a transição energética, dando os impulsos importantes para os outros países e certamente estimulará os mercados no mundo inteiro, inclusive no Brasil. 

Acreditamos que o mercado de offtaking se beneficiará e novas oportunidade de contratações de fornecimento devem surgir ao longo dos próximos anos até 2030 para o Brasil.

Com a criação de uma estratégica de importação específica para hidrogênio verde, o Brasil pode se tornar um dos principais países parceiros. As visitas dos principais membros do governo alemão nos últimos meses são sinais bastante positivos neste sentido. No entanto, fica o alerta que esta oportunidade não pode ser desperdiçada. O Brasil precisa enviar claros sinais sobre a sua estratégia, demonstrando que a transição energética baseada em hidrogênio, verde ou renovável, é um assunto prioritário do Governo. As discussões no Legislativo e no Governo são importantes, mas a aprovação de um arcabouço legal de hidrogênio pode mostrar que o país está comprometido com a transição energética e quer ser um player importante neste novo mercado global, por exemplo. 

Na mídia, foi bastante discutido que o governo alemão abriu mão do uso de hidrogênio verde, aceitando outras cores com uma pegada de carbono baixa, como o azul, turquesa e outros. Acreditamos que é uma percepção equivocada e que merece um esclarecimento. Continua a intenção do governo basear a transição energética em hidrogênio verde, usando energia de fontes renováveis.

O fato que Alemanha flexibiliza a aceitação de hidrogênio de outros fontes não significa um recuo na sua política e menos ainda a abertura de um mercado novo para hidrogênio azul ou outros com uma pegada de carbono maior. Significa que, em prol de uma aceleração do mercado, outras fontes podem ser aceitas temporariamente (sic) até que o hidrogênio verde esteja disponível em uma escala suficiente para completar a transição energética de carbono zero. Tão pouco mudou a diretriz que financiamentos diretos são válidos somente para hidrogênio verde.

Um ponto de atenção é o plano de ampliação da infraestrutura para hidrogênio na Alemanha e na Europa, através da adaptação ou construção de gasodutos. A Europa está construindo um “backbone” de gasodutos para transportar o hidrogênio verde. Olhando para esta estratégia, considerando que este meio de transporte é infinitamente mais barato do que por via marítima para nós, indica que no futuro o mercado de offtaking se dividirá em dois segmentos: 

O hidrogênio verde em sua forma pura será predominantemente fornecido via gasoduto de países “nearshore”, do sul da Europa ou Norte da África. O custo de produção mais alto será compensado pelo baixíssimo custo de transporte. 

No outro lado, o mercado de derivados de hidrogênio como amônia, metanol ou SAF pode ser atendido por países “offshore” como Brasil, África do Sul, Chile e outros com transporte por via marítima. Essa diferenciação dos mercados é importante para estimar e direcionar os projetos de hidrogênio verde.

Resumindo, acreditamos que a revisão da estratégia de hidrogênio do governo alemão veio em boa hora para o Brasil, porque acelerará mais ainda o mercado de hidrogênio, trazendo novas oportunidades que podem e devem ser exploradas pelas empresas brasileiras. Por isso, para manter o Brasil em uma posição de vantagem, é fundamental oferecer suporte às políticas públicas brasileiras. 

A AHK Rio, através do Centro de Competência de Transição Energética e Hidrogênio Verde continua interagindo nos dois lados do Atlântico apoiando empresas na captação e realização de projetos e oportunidades. Como membro do Pacto Brasileiro pelo Hidrogênio Renovável, coloca-se à disposição para discutir o tema junto com os governos e órgãos públicos locais. 

Ansgar Pinkowski é diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha do Rio de Janeiro (AHK-Rio)