Biocombustíveis

Resíduo do etanol, vinhaça pode virar hidrogênio verde

De cada um litro do biocombustível derivam 10 litros de vinhaça, que tem 95% de água em sua composição

“A vinhaça tem 95% de água em sua composição. A ideia é que por meio desse reator possamos quebrar as moléculas de água para gerar oxigênio e hidrogênio verde”, diz Thiago Lopes (foto: TV Tem)
“A vinhaça tem 95% de água em sua composição. A ideia é que por meio desse reator possamos quebrar as moléculas de água para gerar oxigênio e hidrogênio verde”, diz Thiago Lopes (foto: TV Tem)

O Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), financiado pela Shell e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), quer produzir hidrogênio verde (H2V) a partir da vinhaça de cana-de-açúcar.

A vinhaça é um resíduo poluente gerado pela produção do etanol. Estima-se que a cada um litro de etanol são produzidos cerca de 10 litros de vinhaça.

A ideia de conectar a indústria sucroalcooleira ao novo mercado de hidrogênio vem ganhando entusiastas, inclusive com a proposta de produção de H2V a partir do próprio etanol.  

O hidrogênio verde pode ser obtido tanto por meio da eletrólise usando energias renováveis — processo que consiste na separação das moléculas da água –, ou via reforma de biomassa.

Por enquanto, os grandes investimentos para produção de H2V em estudo no Brasil, em especial no Ceará, contemplam a rota da eletrólise.

Água da vinhaça

Essa é a rota proposta pelo professor Thiago Lopes, que está à frente do novo Laboratório de Células a Combustível — que integra o RCGI. Segundo Lopes, é possível desenvolver um reator eletrolítico que processe a vinhaça e possa ser inserido na realidade da indústria sucroalcooleira nacional.

“A vinhaça tem 95% de água em sua composição. A ideia é que por meio desse reator possamos quebrar as moléculas de água para gerar oxigênio e hidrogênio verde”, diz.

O pesquisador acredita que o hidrogênio verde possa ser utilizado principalmente na produção da amônia que entra na composição de fertilizantes.

“Hoje a amônia é sintetizada com o hidrogênio proveniente de gás natural, o que gera uma pegada de CO2”, conta.

Já o oxigênio puro poderia ser utilizado para a combustão do bagaço da cana-de-açúcar, também decorrente da produção de etanol.

“Ao condensar a água, pode-se obter de forma fácil e econômica um CO2 puro para estocagem ou então para ser convertido em produtos”.

Redução da pegada de carbono

Outra vantagem do processo de eletrólise da vinhaça seria a redução do seu volume.

“É um volume gigantesco para armazenar e transportar. Se estiver mais concentrada, livre de uma fração da água, a vinhaça vai ocupar menos espaço e demandar menos transporte. Vale dizer que esse transporte, em geral, é feito por caminhões movidos a óleo diesel, e isso adiciona pegadas de CO2 ao etanol brasileiro”, aponta Lopes.

Segundo ele, essa vinhaça concentrada também minimizaria a adição de adubo sintético à lavoura, evitando a poluição da água.

“A mistura de vinhaça e adubo sintético provoca maior emissão de CO2. Sem contar que ao reduzir o volume de água, evitamos que o excesso de líquido chegue ao lençol freático e polua os rios”.

Veículos com célula a combustível

O hidrogênio verde também pode alimentar os veículos com motor de célula a combustível, uma das modalidades de automóveis totalmente elétricos que hoje circulam pelo mundo — ao lado dos movidos a bateria recarregáveis.

A indústria automotiva brasileira, inclusive, já vem sinalizando que a célula a etanol seria uma boa opção para o Brasil.

Em entrevista à epbr em outubro do ano passado, a diretora de Sustentabilidade e Assuntos Corporativos da Volkswagen confirmou que a estratégia brasileira de eletrificação será diferente do resto do mundo.

“No Brasil, estamos completamente alinhados de que o etanol é uma estratégia complementar já existente. Por isso, a nossa estratégia é desenvolver tecnologias a partir do etanol como combustível além do que a gente tem hoje”, contou Priscilla Cortezze na ocasião.

O professor Thiago Lopes também defende essa estratégia e acredita que por volta de 2040 a produção desse tipo de veículo vai deslanchar no Brasil.

“Isso deve acontecer, sobretudo, em relação às frotas de ônibus e caminhões, porque um motor de célula a combustível é mais leve do que o motor de um veículo elétrico a bateria, em particular para veículos que rodam mais de aproximadamente 450 km diários”, informa Lopes.

No motor de um veículo com célula a combustível, o hidrogênio reage com o oxigênio que vem do ambiente. A energia elétrica liberada, então,  alimenta o veículo e o processo gera como resíduos apenas calor e água pura.

“Atualmente, esse hidrogênio é obtido em nível mundial por meio de gás natural, o que gera pegadas de CO2. Daí a importância de se descobrir formas de produzir hidrogênio verde. É o que pretendemos fazer no laboratório por meio do concentrador eletrolítico de vinhaça. Tudo está interligado”, aponta Lopes.

O laboratório comandado pelo professor também vai se debruçar sobre as pesquisas de células a combustível em conjunto com o Imperial College London.