Recentemente, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), afirmou que a pasta avalia maneiras de levar o gás natural da União, comercializado pela Pré-sal Petróleo (PPSA), até Uberaba, priorizando o desenvolvimento de um novo polo industrial no Triângulo Mineiro. Um dos principais mercados consumidores é a indústria de fertilizantes.
A promessa de levar o gás até Uberaba para industrializar a região, contudo, não é nova. A concretização dessa ideia esbarra há anos em dois entraves: a inexistência de gasodutos até a região e o preço pouco competitivo do gás natural.
E enquanto o Brasil discutia a abertura do mercado de gás, objetivando, enfim, o tão esperado “gás barato”, matéria-prima dos fertilizantes nitrogenados, apareceu um novo possível competidor por essa demanda: o hidrogênio de baixo carbono.
Mais que isso, um projeto, desenvolvido pela Atlas Agro, que pretende produzir fertilizante verde a partir de hidrogênio verde, justamente em Uberaba.
A região é estratégica por estar próxima à atividade agrícola e ter uma logística de transporte rodoviário bem estabelecida.
A Atlas estima, por exemplo, que em um raio de 500 km da sua futura planta exista uma demanda de mais de 2 milhões de toneladas de fertilizantes nitrogenados. A empresa espera suprir de 25% a 30% do mercado da região.
Substituição das importações
Existe um diagnóstico que antecede a pergunta que dá título ao artigo: o Brasil, um dos maiores produtores agrícolas do planeta, precisa deixar de ser extremamente dependente de fertilizantes importados.
Hoje, o país importa quase 90% dos fertilizantes nitrogenados, e grande parte de um único fornecedor, a Rússia. Um risco à soberania nacional e à segurança alimentar, que foi evidenciado com a possibilidade de interrupção de fornecimento da Rússia, devido ao conflito do país com a Ucrânia, o que não se concretizou, mas trouxe um alerta.
O preço do gás natural no Brasil é, historicamente, um impeditivo para a indústria nacional de fertilizantes e o principal motivo para esse cenário de extrema dependência de importações. Porque até agora, importar é mais barato do que produzir fertilizantes no Brasil.
Até agora, pois em entrevista à agência eixos, Rodrigo Santana, diretor de operações da Atlas Agro, afirma que o fertilizante verde será vendido no mercado brasileiro ao mesmo preço que o convencional, importado e produzido com gás natural.
Agro mais verde
Além da redução da dependência dos fertilizantes importados, a preocupação deve ser com a descarbonização tanto da indústria química, quanto do próprio agronegócio brasileiro.
Não será estranho se termos como “soja verde” — carro-chefe das nossas exportações agrícolas — passarem a ser utilizados para definir as oleaginosas produzidas com fertilizantes derivados do hidrogênio verde ou de baixo carbono. Entra nesta conta também a taxação de carbono.
A indústria mundial de fertilizantes nitrogenados, que utiliza basicamente gás natural, emite mais de 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente por ano, respondendo por cerca de 1,8% das emissões mundiais de dióxido de carbono.
Se os mecanismos de tributação a produtos com alta intensidade de carbono avançarem, como o CBAM, o uso do gás natural no longo prazo pode ser menos competitivo que o uso de hidrogênio verde, por exemplo.
Desafios de conexão
As limitações de transporte e distribuição interna de gás natural são uma realidade. E a construção de novas infraestruturas poderiam levar ao risco de criação de ativos encalhados, com gasodutos obsoletos diante da crescente viabilidade do hidrogênio (já tratei deste tema em outra coluna).
No caso da produção de fertilizantes a partir do hidrogênio verde, uma grande vantagem frente ao gás é a possibilidade de produção descentralizada, sem a necessidade de gasodutos.
No projeto da Atlas, a eletricidade renovável será utilizada para obtenção de hidrogênio por meio de eletrólise, em um mesma unidade industrial em que a molécula será insumo da produção de fertilizante verde.
O desafio no caso do hidrogênio verde é outro. Linhas de transmissão e conexão ao grid. A planta, quando pronta, vai consumir 2,5 GW de energia renovável anualmente.
Vários projetos de hidrogênio verde já tiveram pedidos de acesso ao SIN negados pelo ONS, devido a riscos de sobrecarga.
Esses empreendimentos chegam a potências impressionantes, com alguns alcançando até 12 GW de capacidade instalada ao longo dos anos. Para colocar isso em perspectiva, a maior carga conectada à rede de transmissão brasileira hoje é de 800 MW.
É um novo paradigma para o planejamento. Soma-se a isso o desafio das cargas, a incerteza de que os projetos de hidrogênio saiam do papel. Afinal, os investimentos bilionários necessários para expandir a transmissão não podem ser realizados com base em projeções incertas sobre a demanda (assunto de outra coluna).
À agência eixos, a Atlas disse que este não é um problema para o projeto da empresa. De fato, o desafio maior está em projetos localizados no Nordeste.
Entraves para o gás
A proposta para o gás da União, comercializado pela (PPSA), ataca um dos problemas do mercado de gás: o preço final ao consumidor. Mas traz consigo uma série de desafios, poucos deles inéditos.
A PPSA está negociando para baixar as tarifas de escoamento e processamento nos sistemas integrados (SIE/SIP), controlado pela Petrobras. O governo tenta emplacar a mensagem que não há um vilão, mas é preciso passar um pente fino em regulações e contratos de toda a cadeia de gás.
Feito isso, e não é pouco, poderiam vir os leilões estruturantes de gás da União, por meio da PPSA, de forma a reverter a queda no consumo industrial do energético.
A PPSA tem na lei a obrigação de garantir o melhor retorno para a União na venda do gás, isto é, sem subsídios. E tampouco há clima na equipe econômica para tal. A ideia que ressurgiu em 2023 — reconhecer custos com infraestrutura na conta do óleo da Unão no pré-sal — não avançou.
Inclusive, até mesmo os subsídios do Profert, programa que concede uma série de benefícios tributários para incentivar a produção de fertilizantes no país, foram desenhados para a utilização do gás natural como matéria-prima, e carecem de simpatia do Ministério da Fazenda.
O setor já é beneficiado com renúncias fiscais expressivas e nem o interesse da bancada do agronegócio foi suficiente para forçar a votação na Câmara dos Deputados, em 2024.
Ainda assim, na hipótese de que os custos e a oferta de gás estejam equacionados, faltaria um bilionário gasoduto até Uberaba.
Em 2023, a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG), controlada pela Petrobras, também passou a considerar investir numa rota para Minas Gerais a partir do Gasbol, em São Paulo, como mostrou a eixos.
Seria uma alternativa ao gasoduto Brasil Central, projeto concebido há 20 anos pela transportadora TGBC, mas que nunca saiu do papel.
É aqui que entra o novo Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, que espera ajudar a casar a oferta e demanda do mercado de gás e contribuir para que a ANP tome as melhores decisões na aprovação dos investimentos, que são, ao cabo, pagos pelos consumidores.
Quem olha tudo isso de perto avalia que botar esse projeto de pé passará necessariamente por alguma forma de estímulo.
E, de novo, não tem clima para subsídio na Fazenda. Mas tem o risco do Congresso decidir que, sim, há clima.
Governo sinaliza prioridade para fertilizantes verdes
Assim como fez no caso do hidrogênio, em que, em intensa costura com a equipe econômica, aprovou a concessão de R$ 18,3 bilhões no Programa Nacional de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC) — lei 14.990/2024 — e os benefícios do Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro) — lei 14.948/2024
Subsídios estes, que a Atlas Agro está de olho. Isso porque o PHBC estabelece, como um dos seus objetivos, a aplicação de incentivos para descarbonização com o uso de hidrogênio de baixa emissão de carbono nos setores industriais de difícil descarbonização, citando o setor de fertilizantes como um deles.
Em nota enviada à agência eixos, em meio a um conflito entre o Ministério da Fazenda e agentes do mercado sobre o espaço para a produção de fertilizantes nos subsídios, a pasta reiterou este objetivo do PHBC e ainda acrescentou a importância estratégica de produção de fertilizantes verdes capazes de reduzir a nossa dependência de importações.
“A produção de fertilizantes verdes a partir do hidrogênio de baixa emissão de carbono é uma das prioridade para o governo brasileiro no desenvolvimento da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono”, disse a Fazenda.
E destacou o potencial do hidrogênio para “contribuir com a descarbonização do agronegócio, agregando valor aos produtos agrícolas brasileiros no mercado global, alinhando segurança alimentar, soberania energética e sustentabilidade ambiental”.
Lembrando que por definição, o hidrogênio de baixo carbono também inclui rotas como a de gás natural com captura de carbono.
Saindo do papel, o projeto da Atlas Agro pode ser emblemático. Se comprovar a viabilidade econômica do hidrogênio verde frente a projetos de gás natural e a competitividade dos fertilizantes verdes frente aos fertilizantes importados.
E se entrar em operação antes de a primeira molécula de gás via gasoduto chegar a Uberaba. A companhia espera ter a decisão final de investimento até o final deste ano e começar a operação da sua planta em 2028.
Com a colaboração de Gustavo Gaudarde