Quando dezenas de projetos de hidrogênio verde começaram a ser anunciados no Brasil, especialmente no Nordeste, uma questão emergiu: com que água será feita a eletrólise, simplificadamente, o processo de separação das moléculas para produção do hidrogênio verde?
A resposta para essa pergunta pode definir não apenas a viabilidade econômica desses projetos — que têm o potencial de revolucionar o setor energético —, como também os possíveis impactos ambientais e sociais.
Em um primeiro momento, a aposta foi a dessalinização da água do mar, uma vez que muitos dos projetos estão localizados em portos na costa brasileira.
Contudo, esse processo é caro e elevaria ainda mais os custos do hidrogênio verde, já menos competitivo em comparação com o fóssil. Além disso, a dessalinização gera salmoura como subproduto, cujo descarte inadequado poderia degradar os ecossistemas costeiros e marinhos.
Outro questionamento é quanto ao uso de água doce, potável, em regiões que já enfrentam escassez hídrica, como o Nordeste brasileiro. Estima-se que apenas 3% da água superficial disponível no país está na região, que ainda possui um dos menores índices de acesso a água tratada por parte da sua população.
A preocupação com a competição por recursos hídricos entre a produção de hidrogênio e o abastecimento humano e agrícola, portanto, merece atenção.
Por outro lado, é importante destacar que estudos recentes mostram que o hidrogênio verde, apesar de dependente da água como matéria-prima, é a rota de produção que menos consome recursos hídricos quando comparada à rota do hidrogênio cinza (gás natural) e do azul (gás natural com captura e armazenamento de carbono).
Busca por alternativas
Diante desses desafios, projetos no Brasil têm buscado soluções alternativas. No Ceará, por exemplo, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) firmou uma parceria para fornecer água de reúso proveniente do tratamento de esgoto para o Hub de Hidrogênio Verde do Porto do Pecém.
Essa iniciativa não apenas reduz a pressão sobre os mananciais locais, mas também transforma um passivo ambiental, que seria o esgoto, em um recurso valioso para a indústria.
Sendo assim, o hidrogênio tem o potencial, inclusive, de impulsionar o desenvolvimento de soluções para tratamento de água e esgoto no Brasil, criando sinergias entre setores.
Já no Porto do Açu, no Rio de Janeiro, a Vale estuda utilizar água de um mineroduto que transporta minério de ferro de Minas Gerais até o porto. Essa água, atualmente usada no transporte do mineral, seria reutilizada para a produção de hidrogênio verde em um mega hub de descarbonização do aço.
Impacto hídrico
Estudo da Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ) mostra que a produção de hidrogênio verde consome 57% menos água que as rotas cinza e azul.
No entanto, mesmo com essa eficiência, o impacto hídrico ainda é significativo, especialmente em regiões com escassez de recursos.
Para abastecer a demanda projetada de hidrogênio verde em 2050, seria necessária uma quantidade de água equivalente ao abastecimento anual de 2,1 milhões de pessoas, de acordo com cálculos da GIZ.
A Agência Internacional de Energia Renovável (Irena) destaca que, embora o consumo de água pela indústria do hidrogênio seja uma fração pequena do setor energético como um todo (0,6% atualmente, podendo chegar a 2,4% em 2040), a localização dos projetos em áreas de estresse hídrico exige atenção.
Cerca de 36% da capacidade planejada de hidrogênio verde e azul no mundo está em regiões com alta escassez de água, o que aumenta a vulnerabilidade a crises hídricas, diz o estudo.
Isso mostra a importância de se pensar em uma regulamentação que também leve em conta o uso eficiente da água, em especial, por aqueles projetos que acessarem a incentivos e subsídios governamentais.
O marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, apesar de não citar nominalmente a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), entende que a autorização para a produção do hidrogênio caberá à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), “respeitadas as atribuições das demais agências reguladoras conforme as fontes utilizadas no processo de produção”.
Além disso, também se mostra importante que haja investimento não apenas para pesquisa de desenvolvimento visando maior eficiência energética, como também para o alcance de soluções que viabilizem o uso mais racional dos recursos hídricos.
O cuidado com a água pode garantir a energia do futuro.