Hidrogênio em foco

Pleito do Brasil na IMO pode ser obstáculo para hidrogênio verde

País pode, e deve, buscar expandir seu mercado de bioenergia, mas sem perder a oportunidade de liderar a transição para combustíveis sustentáveis

Primeiro navio porta-contêiner movido a metanol verde no mundo navega em direção ao porto de Copenhagen, na Dinamarca (Foto: Divulgação Maersk)
Primeiro porta-contêiner movido a metanol verde no mundo navega rumo ao porto de Copenhagen, na Dinamarca (Foto: Divulgação Maersk)

O transporte marítimo é essencial para a economia global. De tudo que consumimos, 80% do que foi comercializado passou por um navio, segundo dados da ONU. No entanto, cruzar mares, oceanos e rios abastecida por combustíveis fósseis faz com que a navegação seja uma das principais fontes de gases de efeito estufa (GEE), contribuindo com cerca de 3% das emissões globais. 

Diante desse cenário, a Organização Marítima Internacional (IMO) colocou metas ambiciosas para reduzir as emissões do setor, incluindo a adoção de combustíveis de baixo ou zero carbono até 2030 e a descarbonização total até 2050. 

Contudo, se não bastassem os desafios para substituição dos combustíveis fósseis tradicionais, ainda está em jogo a disputa geopolítica em defesa de interesses nacionais. 

E, neste ponto, o posicionamento do Brasil nas negociações da IMO pode ser um entrave para o avanço de soluções mais sustentáveis, como o hidrogênio verde e seus derivados, em favor de biocombustíveis de primeira geração, e da não taxação de carbono.

Taxa universal versus teto de emissões

Uma das principais discussões na IMO é a implementação de um mecanismo de precificação de carbono para o transporte marítimo. 

Enquanto a maior parte dos países defende uma taxa global sobre as emissões, o Brasil tem se alinhado a países como China, Índia e outros exportadores de commodities, que também resistem à taxação de carbono, e buscam por soluções mais equilibradas para os países emergentes, como um teto de emissões que colocaria fretes de países europeus e sulamericanos em condições mais equiparadas.

Em carta enviada à IMO, o Brasil, juntamente com Angola, Chile, China, Arábia Saudita e e outros dez países, afirma que a adoção de uma taxa “seria a mais custosa de todas as medidas candidatas para redução dos gases de efeito estufa”, e que ela “não é necessária para que a frota atinja os níveis de ambições”, da IMO.

O argumento é que um taxação sobre a tonelada de carbono, sem levar em conta as distâncias, poderia prejudicar a competitividade das exportações nacionais, especialmente do agronegócio, por conta de um custo adicional do frete que seria repassado aos preços dos produtos, afetando a economia desses países.

Já os que são favoráveis à taxação integral, que incluem países insulares como Ilhas Marshall, Fiji, Tuvalu e Vanuatu, mais vulneráveis com aumento do nível do mar, e países europeus, como França e Alemanha, veem na taxação uma forma de financiamento para mitigar os impactos climáticos e de um fundo global.

Fundo esse que financiaria a transição para combustíveis de baixo carbono, como a amônia verde e o e-metanol, produzidos a partir do hidrogênio verde, que tem no transporte marítimo uma dos principais mercados capazes de destravar investimentos no setor.

O entendimento desses últimos países é que, sem a taxação de carbono, não há incentivos financeiros suficientes para impulsionar a produção e a adoção desses combustíveis verdes. 

A amônia verde, por exemplo, ainda enfrenta desafios de custo e infraestrutura, mas poderia se tornar viável com investimentos significativos.

A falta de um fundo robusto, alimentado por uma taxa sobre as emissões, dificultaria a superação desses desafios e prolongaria a dependência de combustíveis fósseis. Uma vez que sua utilização não seria devidamente penalizada. 

Já o bloco de nações contrárias à taxação coloca em dúvidas se os recursos arrecadados seriam usados e se realmente beneficiariam países em desenvolvimento, ou se seriam, como a maior parte do financiamento climático hoje, direcionados a países ricos.

Outro questionamento, que não se pode perder de vista, é a respeito do interesse europeu em rotas de descarbonização eletrificadas que favorecem a indústria europeia, a exemplo dos eletrolisadores e turbinas eólicas. 

Lobby brasileiro pelos biocombustíveis

O Brasil defende a inclusão de biocombustíveis de primeira geração, como etanol e biodiesel, como alternativas válidas para a descarbonização do transporte marítimo.

Porém, existe a preocupação, especialmente do lado europeu, de que a produção de biocombustíveis de primeira geração esteja associada a impactos ambientais, como desmatamento, e à competição com a produção de alimentos e pressão sobre ecossistemas naturais.

O uso do etanol como solução para a descarbonização marítima ganha força no contexto em que a IMO passa a levar em consideração o ciclo de vida do combustível, desde o início da produção até o tanque do navio, na contabilização de emissões de carbono.

Embora esses combustíveis sejam renováveis e já estejam disponíveis em larga escala, sua eficácia na redução de emissões é questionável, no entanto. 

No caso do etanol, estudos apontam que 92% do novo etanol no Brasil vem de aumentos na área e apenas 8% de aumentos no rendimento. O desmatamento direto é responsável por 19% da expansão da área na margem no longo prazo. 

E mesmo que o etanol tenha uma pegada de carbono menor que a dos combustíveis fósseis, a produção poderia ser mais poluente por decorrer de desmatamento para novas áreas de cultivo. 

Outra barreira é tecnológica, já que ainda não existem motores de navios disponíveis no mercado movidos 100% a etanol ou a biodiesel, sendo viável apenas uma pequena fração misturada ao bunker fóssil. 

No caso do biodiesel, essa mistura é praticada inclusive pela Petrobras e pela Vibra, embora reduza parcialmente as emissões, acaba por prolongar a vida útil dos combustíveis fósseis, desincentivando investimentos em soluções com maior potencial de descarbonização, como a amônia verde e o e-metanol. 

Não podemos fechar oportunidades

O transporte marítimo tem uma vantagem única em relação a outros modais, como a aviação, quando se trata de descarbonização. 

Enquanto na aviação, os custos das descarbonização cairão diretamente sobre o preço das passagens, na navegação os custos são diluídos entre inúmeras cadeias produtivas, o que tornaria a adoção de combustíveis verdes mais economicamente viável. 

No entanto, a falta de uma política de precificação de carbono poderia acomodar o mercado em soluções de curto prazo, como o GNL e misturas com biocombustíveis, retardar a transição.

Enquanto o governo brasileiro defende, legitimamente, seus interesses regionais para expandir o mercado de biocombustíveis, outros países e empresas estão investindo pesadamente em tecnologias de hidrogênio verde e seus derivados. 

A amônia verde, por exemplo, já é vista como uma das principais alternativas para o transporte marítimo de longo curso, com empresas como a Maersk e a Fortescue liderando projetos pioneiros. 

Nesta semana, a European Energy iniciou a produção de e-metanol na Dinamarca, a partir de hidrogênio verde e CO2 biogênico. 

Não se pode perder de vista que o Brasil também é um potencial grande produtor de amônia verde e e-metanol, já com dezenas de projetos em desenvolvimento, alguns deles com decisão final de investimentos previstas para este ano. 

País pode, e deve, buscar expandir seu mercado de bioenergia, mas sem perder a oportunidade de liderar a transição para combustíveis sustentáveis, como o hidrogênio verde e a amônia verde e e-metanol.

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