RIO — O Acelerador de Transição Industrial (ITA) anunciou, na última semana, a seleção de sete novos projetos de descarbonização industrial no Brasil, que incluem Solatio, Acelen, Votorantim Cimentos, Mizu Cimentos, o consórcio Eco Fusion, Alcoa e Companhia Brasileira de Alumínio (CBA).
O total de iniciativas apoiadas no país, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), chega a onze, representando um potencial de investimento de US$ 17,5 bilhões.
O Brasil foi o primeiro país a firmar parceria com o ITA, ainda em 2024, e se tornou o modelo mais avançado da iniciativa lançada na COP28 para impulsionar a transição industrial.
Hoje, o ITA também atua no Oriente Médio e Norte da África, com programas em desenvolvimento nos Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito.
As novas iniciativas somam mais de US$ 7,5 bilhões em possíveis aportes, abrangendo quatro setores de difícil descarbonização (químico, aviação, cimento e alumínio) e se juntam ao grupo dos projetos de hidrogênio verde apoiadas na primeira fase: Atlas Agro, European Energy, Fortescue e Green Energy Park.
Segundo Marc Moutinho, diretor de programas do ITA, os critérios para a escolha envolveram quatro eixos principais: relevância setorial, escala comercial, inovação tecnológica e alto potencial de descarbonização.
“Nossa ambição até agora tem sido identificar e selecionar projetos dentro desses setores, que tenham alto potencial para descarbonização. São projetos “farol” dentro do Brasil, alinhados com uma visão de neutralidade climática para a indústria no futuro, mas que precisam de algum apoio para chegar a essas decisões finais de investimento”, disse em entrevista à agência eixos.
No setor químico, a Solatio, no Piauí, planeja a integração de 14 GW de energia renovável para alimentar uma planta de hidrogênio e amônia verde com capacidade de 3 GW. Até 2030, a expectativa é alcançar 2,2 milhões de toneladas por ano de amônia verde.
Outro projeto greenfield é o da Acelen, que aposta na macaúba, planta nativa brasileira, como matéria-prima para combustíveis renováveis.
Seu projeto envolve um agroparque, 180 mil hectares de cultivo, cinco usinas de extração e uma biorrefinaria. A meta é produzir 1 bilhão de litros por ano de combustíveis sustentáveis, como combustível sustentável de aviação (SAF) e diesel renovável (HVO).
Moutinho destaca que um dos grandes desafios do projeto da Acelen é a não aceitação do biocombustível de primeira geração, no mercado internacional, por conta da certificação adotada pela Europa.
Segundo ele, a ITA também possui articulação com representantes da Comissão Europeia para uma análise mais aprofundada e revisão dessas limitações.
“O biocombustível que a Acelen vai produzir será sustentável porque o bioinsumo será produzido em terra degradada, logo, não vai contribuir com o desmatamento, ou com emissões por mudanças no uso da terra. Mas as definições de terra degradada na União Europeia são muito restritas e não necessariamente contemplam este nuance que a Acelen está explorando”.
Projetos mais rápidos
Moutinho explica que a ideia é apoiar projetos em grande escala e que utilizem tecnologias suficientemente maduras, ainda que pouco difundidas no Brasil.
A novidade dessa nova etapa em relação à primeira leva de projetos selecionados é que alguns dos novos projetos são de menor complexidade e acoplados a plantas industriais existentes e já em operação, como nos casos dos empreendimentos de alumínio e cimento.
“Continuam sendo projetos de escala comercial, porque estão sendo desenvolvidos em usinas comerciais existentes. São projetos mais simples e, de alguma maneira, os riscos, em termos de tecnologia sendo usada, podem ser considerados menores”, explica Moutinho.
Ele acredita que estas características podem facilitar a chegada de recursos e desbloquear a decisão final de investimentos dessas iniciativas.
No setor de cimento, a descarbonização pode ser alcançada através de uma combinação de medidas, que incluem a substituição de clínquer, troca de combustível e captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS). Estes projetos visam aplicar pelo menos uma dessas medidas em escala em instalações existentes.
“Um dos desafios principais que eles se enfrentam é realmente a questão do financiamento. Então, não é necessariamente a viabilidade económica do projeto, mas como conseguir financiamento a um custo de capital suficientemente baixo para que o projeto continue sendo viável”.
“Esses, por acaso, podem não ser tão grandes ou ter um impacto tão grande em termos de emissões como os projetos de hidrogênio verde, mas como oportunidade para conseguir decisões finais de investimento até o final do ano”, completa.
No setor cimenteiro, três projetos buscam alternativas para reduzir as emissões de um dos produtos mais poluentes do mundo.
A Votorantim Cimentos reativará uma linha de argila calcinada em Mato Grosso; a Mizu Cimentos investirá em pirólise de biomassa em Sergipe; e o consórcio Eco Fusion aposta na gaseificação de resíduos no Ceará.
“Não há uma bala de prata para descarbonizar o cimento, é sempre um conjunto de medidas e soluções”, observa Moutinho.
“Esses projetos estão implementando uma ou duas dessas medidas, o que é alinhado com a rota para a neutralidade climática para este setor”.
No alumínio, dois projetos procuram ir além da média brasileira de emissões, que já é inferior à global.
A Alcoa pretende eletrificar caldeiras na refinaria de alumina em São Luís, enquanto a CBA investe em uma tecnologia de CCUS para a fundição em São Paulo.
“Eles reconhecem que já têm uma pegada de carbono inferior à média global, mas estão mostrando ainda mais ambição”, afirma Moutinho.
Sem acesso à rede
O novo anúncio se soma aos quatro primeiros projetos apoiados pelo ITA desde julho de 2024, todos voltados ao hidrogênio verde.
A ideia era chegar à COP30 com a decisão final de investimento de alguns desses projetos. Mas o objetivo acabou esbarrando em alguns desafios, como acesso ao Sistema Interligado Nacional (SIN).
Segundo Moutinho, houve avanços importantes desde então. “Por exemplo, o projeto da Fortescue foi aprovado dentro da Zona de Processamento de Exportação”, afirmou.
“O projeto da Green Energy Park também tem tomado passos para a frente”.
No entanto, os gargalos estruturais persistem.
“O acesso às linhas de transmissão tem surgido como um desafio muito importante, particularmente no Nordeste”, destacou. O ITA está dialogando com o Ministério de Minas e Energia e com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para resolver esse entrave.
“Desbloquear isso vai ajudar não só os nossos projetos selecionados, mas também outros projetos eletrointensivos no Brasil, agora e no futuro”.
Mercado de carbono e viabilidade econômica
A recente regulamentação do mercado de carbono no Brasil, embora ainda em estágio inicial, também deve beneficiar os projetos selecionados, na avaliação de Moutinho.
“O desenvolvimento de um mercado de carbono com custo no Brasil, sem dúvida, vai melhorar a viabilidade destes projetos. Mas sabemos que esse mercado vai demorar algum tempo para ser desenvolvido, finalizado e implementado”.
Segundo ele, muitos projetos já estão se moldando às exigências de descarbonização dos mercados internacionais, como o mecanismo de ajuste de carbono nas fronteiras da União Europeia (CBAM), mirando a exportação de produtos para este mercado.