Hidrogênio em foco

O que pensam os "CEOs do hidrogênio"?

Apesar das turbulências e revisão de projetos, executivos seguem confiantes de que o energético terá papel central na descarbonização global

O hidrogênio verde vai pular o gás natural que, entre reformas e promessas continua caro? Na imagem: Tanque de armazenamento de hidrogênio em projeto de P&D Pecém H2V, da EDP, no Ceará (Foto: Divulgação EDP)
Tanque de armazenamento de hidrogênio em projeto de P&D Pecém H2V, da EDP, no Ceará (Foto: Divulgação EDP)

Há quem declare que a indústria recém nascida do hidrogênio já está morta. Toda semana, manchetes anunciam projetos cancelados mundo afora, mas o outo lado da moeda mostra um setor em maturação acelerada, ainda que cercado de incertezas. 

É o que aponta um estudo da McKinsey com mais de 70 líderes do Hydrogen Council.

Ao ouvir presidentes de companhias de energia, óleo e gás, transporte e tecnologia, a consultoria sugere que apesar das turbulências macroeconômicas e da revisão de projetos, os executivos seguem confiantes de que o energético terá papel central na descarbonização global.

Esse otimismo não é ingênuo. Os CEOs reconhecem que o setor atravessa o “pós-hype”, em que os anúncios abundantes dos anos de 2022 e 2023 dão lugar “a um processo natural de seleção”. 

Dos mais de 1,7 mil projetos globais anunciados, apenas aqueles com casos de negócio robustos, apoio regulatório e contratos de aquisição firmados devem sobreviver. 

O investimento comprometido (incluindo FID, projetos em construção e projetos operacionais) em hidrogênio limpo já ultrapassou US$ 110 bilhões em 510 projetos, US$ 35 bilhões a mais que em 2024, um crescimento médio de mais de 50%.

Cinco sinais dos executivos

Primeiro, os CEOS enxergam a descontinuidade de parte dos projetos como inevitável — e até saudável —, pois agora é o momento de concentrar recursos em empreendimentos industriais em larga escala

De acordo com os executivos, muitos desses projetos maduros envolvem players com histórico de grandes obras, o que traz maior confiança de execução.

Segundo, eles pedem pragmatismo em meio ao “arrefecimento” na narrativa pública.

Mais de 80% dos CEOs afirmam que o hidrogênio está subvalorizado e que, como aconteceu com solar e eólica, a consolidação virá pela força de políticas públicas e projetos sólidos. 

O terceiro ponto é o mais sensível e desafiador, a garantia de demanda. Não basta construir oferta, se não houver compradores dispostos a assinar contratos de longo prazo. 

Hoje, os compromissos vinculativos alcançam 3,6 milhões de toneladas por ano (mtpa), cerca de 60% do pipeline comprometido. 

Para 2030, projeta-se até 14 mtpa de capacidade global — mas só haverá operação se a demanda se consolidar, em um primeiro momento no refino e fertilizantes, sem perder de vista as oportunidades para combustíveis marítimos.

Quando questionados sobre outras possíveis vias para viabilizar a adoção do hidrogênio limpo, cerca de 90% dos entrevistados indicaram que a combinação de diferentes rotas de produção de hidrogênio de baixo carbono poderia ser, ao menos no curto prazo, um facilitador para uma adoção mais ampla.

Em quarto lugar, os CEOs olham para o arcabouço regulatório como determinante

E citam, nos EUA, a definição dos créditos fiscais; na Europa, a aplicação da RED III; no Japão e na Coreia, os contratos por diferença (CFDs) e leilões de energia limpa.

Para 88% dos executivos, apoiar a demanda — via CFDs, precificação de carbono ou mandatos de mistura — terá impacto maior que incentivos à oferta.

Por fim, reconhecem o protagonismo da China neste primeiro momento (tema da coluna da semana passada).

O país já multiplicou por seis sua capacidade de eletrólise desde 2022 e é apontado como força inevitável. Há divergências, contudo, sobre a capacidade de manter a liderança global ou replicar sua estratégia em outras regiões.

Para alguns CEOs, a combinação de políticas de longo prazo, apoio estatal e flexibilidade quanto à origem do hidrogênio explica a velocidade chinesa — mas não garante sua exportabilidade como modelo.

O Brasil nesse cenário

O retrato descrito pelos CEOs converge com o momento brasileiro. Sete projetos de escala industrial, somando R$ 63 bilhões, planejam chegar à decisão final de investimento (FID) em 2026.

Até lá, os desenvolvedores aguardam duas condições fundamentais: segurança regulatória e clareza sobre a demanda.

Do lado regulatório, o marco legal aprovado em 2024 ainda depende de regulamentação. O setor espera um decreto, ainda em 2025, para detalhar como acessar os R$ 18,3 bilhões em subsídios do Programa de Hidrogênio de Baixo de Carbono (PHBC) e qual será o desenho do primeiro leilão doméstico, previsto também para 2026.

Já a demanda está atrelada, em grande medida, à exportação. 

Projetos de amônia e metanol verdes miram o mercado europeu, mas a lentidão na implementação da RED III atrasa as decisões. 

A navegação internacional, outra aposta, aguarda definições da Organização Marítima Internacional (IMO, em inglês). Sem esses sinais, o apetite do investidor tende a esperar.

Nesse ínterim, executivos que estiveram em Brasília neste mês reforçaram a necessidade de ampliar a infraestrutura de transmissão elétrica e de clarear as regras de acesso à rede, já que pedidos de conexão têm enfrentado negativas. 

Também apontaram para um ponto de atenção, que é a concorrência com data centers, que disputam a mesma energia renovável necessária aos eletrolisadores e o mesmo espaço na rede. 

Assim como seus pares globais, os líderes brasileiros já compreenderam que o hidrogênio não é mais uma corrida de anúncios, mas de execução

Não basta ter sol, vento e projetos de bilhões de dólares sem segurança jurídica, incentivos bem calibrados e compradores dispostos a pagar pelo diferencial verde.

A janela de 2026 aparece como marco para os primeiros FIDs no Brasil e mostra a sintonia com o compasso internacional, enquanto o setor amadurece e se afunilam os projetos capazes de parar de pé.

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