RIO – Na busca pelo alcance das metas de redução das emissões de carbono, os países correm para descarbonizar suas economias e o hidrogênio aparece como uma grande alternativa em substituição aos combustíveis fósseis.
Considerado o mais limpo, ou o que possui menos emissões, o hidrogênio verde, feito a partir da eletrólise da água com energia renovável, aparece como o favorito. Entretanto, o custo muito alto e a dificuldade tecnológica para escalabilidade da sua produção continuam sendo um desafio.
Neste cenário, o Brasil aparece como um potencial grande produtor do hidrogênio verde, a preço competitivo. Mas, especialistas já apontam que o hidrogênio a partir da biomassa, conhecido como hidrogênio musgo, pode ser ainda mais promissor no país.
Isso porque temos o agronegócio como um setor importante da economia, representando cerca de 24,8% do PIB, em 2022, e uma grande produção de resíduos agropecuários, seja da produção de aves e suínos, ou das lavouras de soja, milho, cana-de-açúcar, por exemplo.
Toda essa biomassa, que hoje é um passivo ambiental, tem o potencial de gerar biogás e biometano, que depois poderiam ser transformados em hidrogênio, a partir do processo de reforma a vapor. Essa rota, ao contrário da eletrólise, já possui tecnologia e viabilidade econômica para produção em larga escala.
Além disso, existe também a possibilidade de produção de hidrogênio a partir da reforma do próprio etanol, como vem estudando um consórcio formado por diversas empresas como Shell e Toyota.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o potencial técnico do hidrogênio de biomassa residual corresponde a 23% do consumo mundial atual, considerando apenas as plantas de biodigestão já em operação no país, somando 5,7 Mt H2, em 2021, e 5,9 Mt H2, em 2031.
Em 2030, em relação aos cenários traçados em IEA (2022), esses valores são de 23%, 21% e 13%. O volume seria suficiente para produzir 30 vezes a demanda de uréia agrícola do Brasil de 2021 e 2031.
Musgo é verde?
Contudo, recaem sobre o hidrogênio musgo as mesmas desconfianças que hoje pairam sobre o agronegócio brasileiro. A relação entre a produção e o desmatamento ilegal.
O mesmo desafio também é enfrentado na produção de combustível sustentável de aviação (SAF, em inglês).
O perfil de emissões de carbono do Brasil, diferente do resto do mundo, está concentrado justamente no uso da terra e agricultura. O país emite cerca de 2,4 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2eq) por ano, dos quais metade são por desmatamento, e 25% da agricultura.
Para ser aceito no mercado internacional, o hidrogênio musgo, em tese, teria que provar que suas emissões são menores que os combustíveis fósseis e que sua matéria-prima não está associada ao desmatamento.
Para isso, o entendimento é que o Brasil precisa cumprir com as metas de zerar o desmatamento ilegal até 2030, e trabalhar para “vender” a sustentabilidade do agro brasileiro.
Por outro lado, os produtores vão precisar garantir a certificação da matéria-prima utilizada na sintetização do hidrogênio.
Um dos caminhos apontados é a adoção de tecnologias de blockchain, que proporcionariam o rastreamento e a confirmação da origem dos produtos, e os dados sobre a trajetória percorrida da produção ao consumidor final.
Pressão internacional contra desmatamento ilegal
Em maio, a União Europeia colocou em vigor novas regras para rastrear as commodities que entram e saem do bloco e barrar produtos associados ao desmatamento, o que traz consequências também para o Brasil.
Operadores que importam óleo de palma, gado, madeira, café, cacau, borracha e soja terão que rastrear as commodities que estão vendendo de volta ao lote de terra onde foram produzidas.
As regras se estendem ainda a vários derivados como chocolate, móveis, papel impresso e produtos de higiene à base de óleo de palma. Existe ainda a discussão para que biocombustíveis a partir de palma e soja também sejam incluídos nas novas regras.
Regras mais duras para o desmatamento também foram condições de um novo adendo da Comissão Europeia para o acordo da União Europeia-Mercosul.
Os Estados Unidos também estudam medidas similares para barrar a compra de commodities provenientes de desmatamento ilegal, tais como as adotadas pelo Reino Unido, por meio do Envirommet Act 2021.
E a China, maior importador de commodities do Brasil, anunciou esforços conjuntos para eliminar o desmatamento e controlar o comércio que causa desmatamento ilegal.
A importância da certificação e o exemplo do RenovaBio
O Brasil já possui casos de sucesso no que se refere a certificação da sustentabilidade de produtos agrícolas.
O mais emblemático, para ficarmos no setor de energia, é o RenovaBio, em que os créditos de carbono (CBIOs) podem ser emitidos proporcionalmente de acordo com nível de emissões do ciclo da produção do etanol, biodiesel e biometano de cada usina.
Isso significa que quanto menor as emissões de carbono do plantio das matérias-primas até o processamento do combustível, maior a quantidade de créditos que podem ser emitidos e colocados à venda no mercado.
Também entra na conta o critério de elegibilidade. Isto é, quanto maior a parte da produção, da lavoura à usina, que pode ser rastreada e certificada, mais créditos podem ser emitidos.
Basicamente, os produtores de biocombustíveis tem que cumprir três critérios de elegibilidade para ingressar no programa e ter direito aos CBIOs:
- Toda a produção certificada deve ser oriunda de área sem desmatamento após a data de promulgação da lei do RenovaBio (26 de dezembro de 2017)
- Toda a área deve estar em conformidade com o Código Florestal, por meio da regularização do Cadastro Ambiental Rural (CAR)
- As áreas de produção de cana e palma devem estar em conformidade com os zoneamentos agroecológicos da cana-de-açúcar e da palma-de-óleo, definidos pelos Decretos Federais 6.961 e 7.172, respectivamente. (Embrapa)
Em resumo, o que se observa no exemplo do RenovaBio é que quanto maior o controle dos processos produtivos e sua devida certificação, maior o retorno econômico.
Desta maneira, seria possível pensar que o mesmo se daria no caso da produção de hidrogênio musgo.
Quanto mais certificação da matéria-prima, maior a comprovação dos seus aspectos ambientais positivos e, consequentemente, maior aceitação no mercado e valor agregado.
O Brasil tem ainda o desafio de, nas discussões multilaterais sobre a classificação do hidrogênio de baixo carbono, assegurar que a nomenclatura e a definição não sejam impeditivos para a aceitação do hidrogênio de biomassa.
A Alemanha recentemente incluiu em sua estratégia o hidrogênio musgo, que por lá denominaram hidrogênio laranja. Contudo, reiteraram que os incentivos públicos continuam exclusivos para o hidrogênio verde.
Apesar disso, o próprio governo alemão, por meio do programa H2upp, financia projetos de hidrogênio a partir de biogás oriundo de resíduos agropecuários, como é o caso da companhia Mele, no Paraná, que pretende exportar bio-syncrude para que refinarias alemãs produzam combustível sustentável de aviação.
Além disso, o Brasil também precisa definir sua estratégia para o hidrogênio e outros biocombustíveis, e decidir se irá apostar em ser um exportador de commodities ou de produtos com valor agregado.
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