Nos últimos anos, o hidrogênio emergiu como uma das principais apostas dos planos de descarbonização globais.
Governos, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, elaboraram estratégias ambiciosas para promover o uso do hidrogênio como combustível limpo, enquanto países como a Alemanha já o posicionaram como eixo central de suas políticas climáticas.
No entanto, apesar do otimismo inicial, o entusiasmo que envolveu o hidrogênio no início da década começa a encontrar uma resistência pragmática, principalmente entre os agentes da indústria de energia e óleo e gás.
Os mais céticos dizem que o hidrogênio está mais para o campo da inovação do que para os negócios.
Mesmo o hidrogênio tendo qualidades atraentes, principalmente seu potencial como combustível limpo, cujas emissões são basicamente vapor de água, a realidade por trás de seu desenvolvimento e implementação revela obstáculos que não podem ser ignorados.
Ceticismo ambiental
O primeiro ceticismo é o ambiental. O debate entre hidrogênio verde – produzido via eletrólise com energias renováveis – e o hidrogênio azul – feito a partir do gás natural com captura de carbono (CCS) – levanta questões ambientais sérias.
Enquanto o primeiro é visto como uma solução sustentável, o segundo é criticado por muitos como um esquema de greenwashing, já que sua produção ainda pode gerar emissões consideráveis.
A indústria de óleo e gás tem mostrado maior interesse no hidrogênio azul devido à sobreposição de infraestrutura e à dependência do CCS, que é uma tecnologia em que o setor já investiu pesadamente.
Este interesse, porém, gera ceticismo dos que defendem caminhos mais “verdes”. Para ambientalistas, o envolvimento dessas empresas na promoção do hidrogênio azul é visto mais como uma estratégia para prolongar a vida útil dos combustíveis fósseis do que uma verdadeira transição para energias limpas.
Este fato coloca em dúvida a legitimidade da transição energética baseada no hidrogênio azul, que, embora seja mais barato de produzir que o verde, pode perpetuar a dependência de combustíveis fósseis.
Lacuna tecnológica
O pragmatismo também se reflete nos desafios técnicos e econômicos.
No caso do hidrogênio verde, sua produção é significativamente mais cara, e envolve ainda um trajetória de amadurecimento e aumento de escala da capacidade de eletricidade.
No caso do azul, há um desafio gigante, em termos de investimento e de tecnologia, para implantação de infraestrutura de captura e armazenamento de carbono (CCS).
Além disso, para que o hidrogênio se torne viável em larga escala, seria necessário um investimento massivo em infraestrutura de transporte, navios, pipelines, e infraestruturas de craqueamento de amônia, por exemplo.
Esse cenário eleva os custos, limita a atratividade econômica do hidrogênio e abre discussões sobre se investimentos não deveriam ser direcionados a outras fontes energéticas limpas, como biocombustíveis, nuclear, e renováveis como solar e eólica.
Mesmo com o apoio crescente de políticas públicas, como subsídios para projetos de hidrogênio dos EUA, União Europeia, e até o Brasil, o setor privado ainda está cauteloso.
O avanço dos projetos de hidrogênio depende da além da clareza regulatória, da segurança de contratos de longo prazo e de garantias de retorno financeiro, aspectos que ainda estão longe de serem resolvidos. Ninguém vai investir para perder.
O último relatório da Agência Internacional de Energia (IEA) aponta que a instalação de eletrolisadores na Europa cresceu três vezes nos últimos anos, mas essa expansão é considerada insuficiente para alavancar as metas climáticas.
Qual a demanda?
Além disso, o ceticismo quanto ao uso do hidrogênio pelo consumidor final é visível.
A indústria se encontra em um dilema. Por um lado, o hidrogênio continua sendo uma promessa de combustível limpo capaz de descarbonizar setores difíceis de eletrificar, como a indústria pesada e os transportes marítimo e aéreo. Por outro, os desafios práticos e econômicos freiam o entusiasmo.
A pergunta que permanece é: o setor de energia e a indústria estão dispostos a investir pesado em um futuro incerto ou preferem continuar a investir nas soluções já conhecidas e consolidadas, preferindo focar na eficiência dos processos?
O hidrogênio é apontado como uma das grandes chaves para descarbonização da indústria siderúrgica, por exemplo. Enquanto isso, ela aposta na substituição do carvão em altos-fornos pelo gás natural, e no processo de redução direta de ferro (DRI), na substituição do carvão também pelo gás ou até pelo biogás de biomassa.
No caso da substituição do hidrogênio cinza nas refinarias, agentes têm buscado outras alternativas, como o aumento da eficiência no uso do hidrogênio cinza dentro das operações, como maneira de reduzir as emissões antes da chegada do hidrogênio verde.
Hoje, cerca de 20% das emissões de uma refinaria vêm das unidades de geração de hidrogênio, e já é possível adotar tecnologias que podem melhorar a eficiência em até 25%, diminuindo significativamente as emissões na produção e consumo de combustíveis fósseis.
No caso dos transportes, biocombustíveis avançados também aparecem como candidatos mais viáveis e baratos para descarbonização de caminhões, e frotas de navios e aviões, quando comparados à adoção de hidrogênio em larga escala.
Uma das grandes vantagens é a utilização de toda a infraestrutura logística já existente para transporte e distribuição de combustíveis líquidos.
No Brasil, apesar da dezenas de anúncios para a produção de hidrogênio em larga escala, em especial o verde, nenhum possui ainda a decisão final de investimento.
Um dos mais promissores talvez seja o projeto da Atlas Agro, que consegue, a princípio, sair do dilema do ovo e da galinha, em relação à demanda.
A empresa aposta na produção de fertilizante verde a partir do hidrogênio, substituindo os nitrogenados importados – hoje, o Brasil tem uma dependência de importação de quase 80% nesse segmento.
Além disso, a empresa garante que nos seus cálculos, o seu fertilizante verde terá o preço competitivo com o fertilizante cinza importado hoje.
Hype ou hope?
Segundo apontou Bruna Mascote, da Consultoria Catavento, no relatório World Energy Outlook da IEA de 2022, a palavra “hidrogênio” foi referenciada 543 vezes. No ano seguinte caiu para 320 – uma redução de 41%.
Ela mediou um painel durante o ROG.e deste ano intitulado Hidrogênio de baixo carbono: Hype ou Hope?, onde ao lado de representantes de empresas com projetos de hidrogênio como Casa dos Ventos e Petrobras, deixaram claro que o pragmatismo está ganhando força sobre o hype.
Segundo as expectativas apresentadas, os projetos só devem começar a sair do papel a partir de 2030.
Embora o hidrogênio “não esteja morto”, como muitos afirmam, ainda há um longo caminho para que ele deixe de ser uma promessa distante e se torne uma realidade viável no mix energético global.