A indústria siderúrgica é fundamental para a construção de uma economia de baixo carbono. A ampliação da geração renovável e a construção da infraestrutura necessária para a neutralidade e resiliência climática das nossas sociedades demandam crescentes volumes de aço.
No entanto, a produção mundial de 1,9 bilhões de toneladas por ano [1] ainda depende de combustíveis fósseis e gera 8% das emissões globais de GEE [2].
Diversos países, como China, Austrália, Suécia e Alemanha, têm planos para a alcançar a neutralidade climática siderúrgica. Para atender esses objetivos já foram anunciados investimentos na produção de mais de 110 milhões de toneladas de aço verde [3].
A maior parte dos projetos anunciados utilizam a redução direta do minério com gás natural e hidrogênio, ou a reciclagem de sucata. Ambas as tecnologias são necessárias para alcançar a neutralidade climática até o ano de 2050.
Essa dinâmica coloca a siderurgia no centro das estratégias nacionais e a posiciona como foco de atração dos polos industriais do futuro.
Energia renovável para o aço verde
Elemento importante desse tabuleiro geopolítico é o fato que a produção de aço verde demanda novos recursos: além do gás natural, da sucata e do minério de ferro, a energia renovável para a produção do hidrogênio, e o carvão vegetal, surgem como novos fatores da competitividade industrial.
Para o Brasil isso representa uma oportunidade. Se o país for capaz de atrair os investimentos necessários, ele pode produzir aço verde de forma competitiva e, assim, impulsionar o plantio de florestas e o desenvolvimento de uma economia nacional de hidrogênio.
Caminhos para a descarbonização do aço e o potencial do Brasil
Diferentemente dos países citados, o Brasil ainda não possui um plano de transformação da indústria siderúrgica.
Um passo concreto nessa direção é o decreto 11.075/2022 que demanda a elaboração de Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas até maio de 2023.
Considerando a importância da siderurgia também para outras indústrias e para os setores florestal e de energia, é urgente iniciar o desenvolvimento desses planos.
Atualmente, o Brasil é o nono maior produtor de aço no mundo, mas considerando a crescente demanda por aço verde o país pode ampliar ainda mais sua participação.
Hoje, 70% do aço global é produzido pela tecnologia do alto-forno [2], que utiliza carvão mineral para a redução do minério. A rota secundária, que se baseia na reciclagem, utiliza eletricidade para o refino da sucata nos seus fornos elétrico a arco (EAF).
A expansão da reciclagem é a melhor forma de minimizar as emissões do setor.
Lamentavelmente sua disponibilidade é limitada, sobretudo em países emergentes, que estão no processo de desenvolver sua infraestrutura.
Para atender a demanda crescente por aço é necessário desenvolver estratégias de produção primária que sejam compatíveis com a neutralidade climática.
Hidrogênio verde e carvão vegetal
No caso do Brasil os caminhos são o uso do carvão vegetal e do hidrogênio verde para a redução do minério.
Numa média histórica, aproximadamente 30% do ferro gusa no Brasil é produzido a partir do carvão vegetal. A indústria mantém mais de um milhão de hectares de floresta plantada para assegurar a produção contínua desse insumo.
Além de permitir uma produção neutra em carbono, o carvão vegetal produz uma gusa diferenciada devido à ausência de impurezas. Essa gusa é usada para a produção de peças de fundição ou de aço nas indústrias nacionais e internacionais.
Na produção do aço brasileiro a participação do carvão vegetal é de 10% e se concentra em produtos especiais, como por exemplo aço inox e tubos de alta resistência.
Carvão de reflorestamento
Considerando as vantagens da siderurgia a carvão vegetal, é essencial promover sua expansão através de planos para investimentos integrados com florestas plantadas em áreas degradadas e de marcos regulatórios visando sua harmonia com a conservação de biomas nativos.
Além disso, é essencial melhorar a eficiência energética e ambiental da produção de carvão vegetal a partir da madeira colhida.
Caso venha a dobrar a participação do carvão vegetal em substituição do coque metalúrgico, o Brasil poderia mobilizar o reflorestamento de mais um milhão de hectares e assim permitir o sequestro de 2 milhões de toneladas de CO₂.
Hidrogênio
O hidrogênio verde para a redução direta é outra oportunidade de substituir o uso do carvão fóssil, e combinado ao minério de alta qualidade do Brasil, a eficiência desse processo aumenta.
Além disso, o grande potencial de expansão da geração eólica e solar e sua integração com o parque hidroelétrico existente permite que o Brasil possa produzir hidrogênio a custos baixos quando comparado a outros países.
O uso dessas vantagens para a produção de aço verde também resulta na aceleração da expansão das energias renováveis no país, levando a uma redução das emissões e dos custos da energia elétrica.
Beneficiamento e exportação
Outro benefício é o beneficiamento do minério e sua exportação já como metal briquetado.
Além do maior valor agregado, a exportação desse produto reduz custos e emissões no transporte e facilita a descarbonização dos países importadores. Dessa forma, o Brasil pode atender uma crescente demanda por aço verde e evitar os efeitos negativos do Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras, que está sendo implementado pela comunidade europeia.
Em conclusão, a transformação da siderurgia brasileira não é apenas necessária para alcançar a neutralidade climática do país, mas uma oportunidade de mobilizar investimentos na modernização da indústria, na expansão sustentável das florestas e na construção de uma economia de hidrogênio.
Para aproveitar essas oportunidades é essencial que haja um diálogo entre indústria, sociedade civil e os governos, tanto no nível estadual e federal.
O diálogo inclusivo é o meio para a definição de um plano de transformação da siderurgia brasileira que alinhe os objetivos de neutralidade climática com o desenvolvimento sustentável do país como um todo.
Referências
[1] UK Steel (2022). Net Zero Steel: A vision for the future of UK steel production.
[2] E+ Transição Energética (2022). Scoping Paper on the Brazilian Steel Industry Decarbonization (IN PRESS)
[3] Agora Energiewende (2022). Global Steel Transformation Tracker.
Camilla Oliveira é gerente de projetos para indústria na Agora Energiewende.
Marina Azevedo é consultora técnica do Instituto E+ Transição Energética.
Philipp Hauser é líder do programa industrial na Agora Energiewende.