Historicamente reconhecido como uma região importante no fornecimento de petróleo e gás da Europa, o Mar do Norte desponta agora como um elemento central na transição energética do continente, oferecendo um enorme potencial para a produção de hidrogênio verde a partir de energia eólica offshore.
Mais do que uma oportunidade para o cumprimento das metas climáticas da União Europeia (UE), é também um caminho para sua segurança energética, reduzindo a dependência de importações.
A UE estima uma demanda de 2.000 TWh de hidrogênio neutro em carbono até 2050, e segundo estudo da DNV, somente o Mar do Norte tem o potencial de produzir 300 TWh dessa demanda a partir de parques eólicos offshore na região.
Já a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) aponta que aproximadamente 25 GW de capacidade de eletrolisadores podem ser alimentados por projetos eólicos offshore no Mar do Norte até 2030.
Se todos os empreendimentos anunciados para este período forem realizados, isso pode se traduzir em aproximadamente 1,2 milhão de toneladas (Mt) por ano.
Hoje, a capacidade instalada de eólicas offshore no Mar do Norte é de cerca de 30 GW.
Mas sete países da União Europeia, incluindo Alemanha, França e Holanda, juntamente com países não pertencentes à UE, Reino Unido e Noruega, estão comprometidos a expandir essa capacidade para 120 GW até 2030 e 300 GW até 2050.
Conectando moléculas e eletricidade
A ideia é que o hidrogênio verde, via eletrólise, seja produzido em alto mar por meio da eletricidade gerada pelos parques eólicos offshore. Depois, esse hidrogênio seria transportado via gasodutos, existentes ou dedicados, até o continente.
Uma análise do consórcio North Sea Wind Power Hub mostra que a produção de hidrogênio offshore na escala de vários gigawatts necessários para o desenvolvimento da energia eólica no Mar do Norte é viável e terá um custo competitivo em relação à alternativa onshore entre 2030 a 2040.
Uma grande vantagem é a localização próxima à demanda de áreas densamente povoadas e industriais, que representam 20% do PIB da Europa. Parte dos maiores portos da Europa, na Holanda e Alemanha, ficam de frente para o Mar do Norte, concentrando não apenas o comércio, como pontos de distribuição para o resto do continente.
A eficiência no transporte de energia também garante vantagens de produção de hidrogênio verde em alto mar.
Para distâncias superiores a 100 km da costa, é mais barato transportar hidrogênio por gasodutos do que transmitir eletricidade por cabos, segundo o mesmo estudo da DNV.
Conectar um parque eólico de 14 GW por cabos elétricos custaria €44 bilhões, enquanto o transporte por gasodutos e a conversão para hidrogênio custam €27,2 bilhões. A vantagem se repete, em alguns casos, até mesmo sobre o hidrogênio produzido onshore.
Já um Estudo do Instituto de Energia e Tecnologia da Universidade de Berlim aponta que, em um modelo de expansão da geração eólica offshore, a integração dos parques via uma rede de hidrogênio em alto mar poderia levar a uma redução de custo de 15 bilhões de euros por ano, frente a 4 bilhões de euros, se essa conexão se desse via redes elétricas.
O estudo conclui que isso se deve ao menor custo unitário dos dutos de hidrogênio em comparação com os cabos de energia.
O AquaDuctus – iniciativa da Aquaventus –, por exemplo, espera construir um gasoduto offshore de hidrogênio em escala GW localizado no Mar do Norte alemão. Será uma infraestrutura de acesso aberta a vários usuários da rede conectando Alemanha, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Reino Unido e Noruega.
O projeto será financiado como um Projeto Importante de Interesse Europeu Comum (IPCEI).
No entanto, Jörg Singer, representante da AquaVentus, alerta que é necessária uma mudança na legislação das eólicas offshore, que pensem “a eletricidade e o hidrogênio em conjunto”.
“Precisamos pensar de forma mais ousada, por exemplo, com sistemas de transporte combinados compostos por cabos e tubulações. Essa é a única maneira de tornar a produção offshore de hidrogênio na Europa um modelo de sucesso”, disse em um debate recente promovido pela Associação Alemã de Hidrogênio (DWW).
Sinergia com é óleo e gás
Com a produção no Mar do Norte, também é possível o aproveitamento de infraestruturas existentes. Projetos como o PosHYdon, por exemplo, instalaram um eletrolisador em uma plataforma de gás da ENI, para produzir hidrogênio verde.
Depois, essas moléculas de hidrogênio serão transportadas para a terra junto com o gás natural, também produzido pela plataforma, por meio de gasodutos já instalados.
A produção de hidrogênio azul, via reforma do gás natural com captura e armazenamento de carbono (CCS), também é uma alternativa. A combinação dessa rota de produção com a eletrólise tem o potencial de dar maior escala à produção e ao uso de hidrogênio, pelo menos em um primeiro momento.
Segundo o IEA, projetos ligados ao Mar do Norte podem permitir a produção de 1,7 Mt por ano de hidrogênio de baixas emissões até 2030, a partir de gás natural com CCS.
É no Mar do Norte, inclusive, que está o Northern Lights, o primeiro projeto do mundo de larga escala que permite que empresas industriais transportem e sequestrem suas emissões de CO2.
De propriedade em partes iguais da TotalEnergies, Equinor e Shell, ele começou a operar em setembro deste ano, e pode armazenar até 1,5 milhão de toneladas de CO2 por ano, na primeira fase.
Viabilizando projetos eólicos offshore
O hidrogênio aparece aqui como um elo perdido que pode viabilizar os projetos eólicos offshore – que vêm enfrentando enormes desafios nos últimos anos ao redor do mundo, muito por conta do seu alto risco de investimento.
Para os desenvolvedores do PosHYdon, a produção offshore de hidrogênio verde permitirá que parques eólicos em larga escala sejam desenvolvidos em alto mar.
A maior otimização dessa cadeia de fornecimento de hidrogênio conta ainda com a possibilidade de armazenar parte do gás em cavernas de sal, trabalhando como baterias e dando mais flexibilidade para o sistema elétrico.
Dessa maneira, seria possível o aproveitamento total da energia produzida pelas eólicas. O que é considerada mais uma vantagem econômica da produção de hidrogênio offshore, especialmente em dias de muito vento ou em momentos de baixa demanda imediata de eletricidade, quando há um excedente de energia eólica no sistema.
A oportunidade está dada, mas exigirá esforços conjuntos dos países do Noroeste europeu no financiamento de grandes projetos e na construção de modelos regulatórios que integrem as cadeias de gás natural, energia eólica offshore e hidrogênio.