Com potencial de movimentar cerca de R$ 188 bilhões em investimentos no Brasil nos próximos anos, a indústria de hidrogênio verde está em compasso de espera para chegar a decisões finais, enquanto o governo trabalha na regulamentação de marcos legais aprovados em 2024.
Em entrevista ao estúdio eixos, durante a EVEx Brasil 2025, em Natal, Rio Grande do Norte, a advogada Maria João Rolim, sócia do escritório Rolim Goulart Cardoso, avalia que a regulamentação das leis do hidrogênio de baixo carbono — nº 14.948 e 14.990 — está atrasada.
E defende a publicação rápida do decreto que deve trazer definições sobre a concessão de incentivos fiscais e concorrência para acesso aos subsídios.
Rolim, que participou da construção do marco legal, reforça que sem o detalhamento das regras, a indústria fica em compasso de espera.
“A regulamentação vai trazer aquele tom mais fino, o detalhamento (…) Achamos que a regulamentação está um pouquinho atrasada”.
Segundo a advogada, o decreto é fundamental para que os agentes de mercado saibam as “regras do jogo” e possam tomar decisões de investimento.
“Quanto antes esse decreto vier público e todo mundo puder já absorver o que ele traz, a gente mais rápido começa a desenvolver essa indústria.”
Pontos essenciais
Entre os pontos que o decreto precisa endereçar com clareza, Rolim cita a governança — “definir exatamente qual ente vai ser responsável” — e o funcionamento dos incentivos, como o Rehidro, voltado ao investimento (capex), e os créditos fiscais presentes no Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC).
“É muito importante que o decreto defina pontos como percentual de conteúdo local, qual vai ser a participação ou não dos investimentos em P&D, porque tudo isso vai para o custo, para o financiamento do projeto”.
Rolim defende que é preciso esclarecer como se dará o processo concorrencial, possivelmente via leilões, para acesso aos recursos públicos, que somam R$ 18,3 bilhões, previstos no PHBC.
“Se vão ser alocados num único tranche, se vão ser alocados em diferentes leilões, se serão leilões para tamanhos de projetos diferentes ou para tipos de hidrogênio diferentes”.
Essa previsibilidade, na avaliação de Rolim, é crucial para que bancos e investidores saibam se um projeto terá ou não incentivo, o que impacta diretamente na decisão de financiamento.
Certificação e alinhamento internacional
Outro ponto sensível é a certificação do hidrogênio. A lei estabelece um Sistema Brasileiro de Certificação, mas não detalha critérios técnicos.
Para Maria João Rolim o decreto pode ao menos indicar quem será responsável por esse trabalho e quais parâmetros devem ser considerados.
Ela enfatiza a necessidade de harmonizar o sistema brasileiro com certificações internacionais, especialmente a europeia.
“Existe um ponto muito chave na certificação: é como ela conversa e se harmoniza com as demais”, afirma.
Nesse contexto, entra a discussão sobre o conceito de bidding zone, adotado na União Europeia, para comprovação de adicionalidade e renovabilidade da energia usada na produção de hidrogênio verde.
A advogada defende uma articulação política do governo brasileiro para garantir que o modelo adotado aqui seja reconhecido lá fora.
“O governo [precisa] articular aquilo que é melhor para o nosso país, como os outros também fizeram”.
Ela aponta vantagens em considerar o Brasil como uma única bidding zone, mas reconhece que essa decisão exige equilíbrio político e técnico.
Eólicas offshore e segurança jurídica
A sócia do escritório Rolim Goulart Cardoso também comentou o avanço da legislação sobre eólicas offshore, após a derrubada dos vetos presidenciais.
Ela vê com bons olhos a consolidação dessa indústria no Brasil e reforça seu papel na transição energética e no desenvolvimento da cadeia do hidrogênio.
Segundo a advogada, a indústria de energia eólica no mar representa uma “transição justa” por aproveitar a mão de obra e o know-how da indústria offshore de óleo e gás.
“Ela é capaz de absorver aqueles trabalhos e aquela capacidade de know-how que a gente desenvolveu para a indústria offshore de óleo em particular”.
Ela ressalta, no entanto, que essa é uma indústria de “gestação longa” e que os investimentos requerem segurança regulatória.
Sobre o primeiro leilão de áreas para eólicas offshore, Rolim lembra que o mercado precisa de informações claras sobre valores, métodos de partilha e regras de uso das áreas.
“Quanto custa o terreno, quanto custa a área, onde que eu vou edificar?”, exemplifica.
Ela conclui que é necessário criar um pipeline de projetos em estágios de maturidade diferentes para atrair os recursos disponíveis globalmente.
“Existe dinheiro no mundo. A gente precisa ter os projetos certos.”
Para além das definições técnicas, Maria João Rolim observa que é preciso blindar a política energética das oscilações eleitorais.
“Me preocupam um pouco as questões de trocas de governo (…) A lei também tem esse papel de deixar ali um legado para que o próximo governo, seja qual for, ou a próxima gestão continue”.
Segundo ela, a previsibilidade regulatória é fundamental para manter a confiança dos investidores.
“A continuidade, essa segurança e coerência na evolução regulatória que trazem essa segurança. No fundo, é saber que o próximo passo vai ser dado e vai ser dado com segurança”.