Hidrogênio em foco

Hubs de hidrogênio podem ser alternativa à exportação, mas falta “dar match”

É preciso dar um match entre produção e demanda para que os projetos de hidrogênio e os planos de investimento das indústrias para descarbonização possam sair do papel

Porto do Pecém, em Caucaia (CE), durante cerimônia de sanção do marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Porto do Pecém, em Caucaia (CE), durante cerimônia de sanção do marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Para acelerar o desenvolvimento da indústria do hidrogênio de baixo carbono, o estabelecimento de hubs ou clusters industriais de produção e consumo desse energético podem ser cruciais tanto para garantir a industrialização — ou neoindustrialização — brasileira, quanto evitar a pura exportação de commodities sem grande valor agregado, como o caso da amônia.

Recentemente, o governo abriu uma chamada pública para receber propostas de hubs de hidrogênio de baixo carbono no Brasil. A ideia é fortalecer cadeias produtivas nacionais e acelerar a redução de emissões em setores considerados de difícil descarbonização (hard-to-abate), como aço, cimento, química, papel e celulose, vidro e alumínio.

A iniciativa segue modelos similares como no Reino Unido e Estados Unidos, que não possuem uma estratégia orientada para exportação no curto prazo, mas sim em garantir a demanda doméstica e criar novos parques industriais ou descarbonizar os polos já existentes. 

Aqui no Brasil, por exemplo, já se estuda a transformação da zona industrial de Cubatão – antes a cidade mais poluída do mundo – em um hub de hidrogênio de baixo carbono.  

Um projeto deste tipo está em andamento no Reino Unido, na região de Humber, o maior centro industrial emissor de gases do efeito estufa do país, com o East Coast Cluster.

Por lá, empresas, governo e pesquisadores têm trabalhado não apenas no desenvolvimento de novas tecnologias, mas também na criação de cadeias de suprimentos e habilidades necessárias para uma economia baseada em hidrogênio.

Um dos casos de sucesso é a mistura de hidrogênio na rede de gás natural, e o uso desse blend pela indústria de vidro. O próximo passo é a viabilidade de armazenar o hidrogênio em cavernas de sal, para garantir o uso do gás em outros processos industriais e nas residências. 

Já nos Estados Unidos, o governo federal lançou o programa H2 Hubs, que prevê a criação de até dez hubs regionais, com aporte de US$ 7 bilhões, que devem alavancar US$ 40 bilhões em investimentos privados. 

Vocações regionais 

O interessante da inciativa norte-americana é que os sete centros regionais que já foram escolhidos irão aproveitar suas potencialidades específicas. 

Por exemplo, o hub de Hidrogênio da Costa do Golfo, no Texas, vai focar na produção de hidrogênio a partir de gás natural com captura de carbono (hidrogênio azul), aproveitando a infraestrutura de óleo e gás na região e olhando a descarbonização da própria indústria do refino.  

Enquanto isso, no Hub da Califórnia, os incentivos serão para produzir hidrogênio exclusivamente a partir de energia renovável e biomassa, com um plano focado na descarbonização do transporte público, rodoviário pesado e operações portuárias. 

Trazendo para a realidade brasileira, o Rio de Janeiro tem naturalmente a capacidade de focar no hidrogênio azul, por ser o principal estado produtor de gás natural, respondendo por mais de 60% da produção nacional, e contar com possibilidade de armazenamento de carbono em poços depletados no pré-sal. 

Além da indústria já instalada, aparecem dois candidatos a hubs.

Um deles é o Porto do Açu, que espera atrair indústrias siderúrgicas e de fertilizantes. O outro é o Complexo de Energias Boaventura da Petrobras, que já tem planos de construção de duas usinas termelétricas e de unidades de refino para produção de fertilizantes e lubrificantes, utilizando gás natural.

Já no Nordeste, multiplicam-se os hubs que serão focados na produção de hidrogênio verde e derivados. O mais proeminente é o Hub de Pecém, no Ceará, que concentra o maior número de projetos em estudo, que olham principalmente para exportação, mas também para atender a indústria instalada no Porto de Pecém. 

Outros hubs em portos industriais são esperados em Suape, Pernambuco, e no Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia, ambos apostando na produção de combustível marítimo, e-metanol, a partir do hidrogênio. 

Também se desenham hubs no Piauí e Rio Grande do Norte, mas que ainda precisam construir seus portos, além do hub no Porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, que se destaca por estar próximo a dezenas de projetos de eólicas offshore – considerada uma fonte de energia renovável essencial para projetos de hidrogênio verde no futuro.

Falta “dar match”

Se alguns segmentos da indústria, como papel e celulose e aço, já estão bem avançados no diálogo com desenvolvedores de projetos de hidrogênio, segmentos como a química estão atrasados. 

É preciso dar um match entre produção e demanda para que os projetos de hidrogênio e os planos de investimento das indústrias para descarbonização possam sair do papel. 

A União Europeia, por exemplo, está desenvolvendo um mecanismo piloto que visa conectar produtores e potenciais consumidores de hidrogênio. 

A iniciativa, com início previsto para 2025, espera acelerar investimentos ao fornecer uma visão mais clara da situação do mercado, facilitando contatos entre as duas pontas.

Nos EUA, o H2 Matchmaker trabalha na difusão de informações sobre projetos regionais de hidrogênio e células de combustível para desenvolvedores e fornecedores de tecnologia. A iniciativa também fornece mapas de oferta e demanda de hidrogênio para projetos atuais e planejados.

Seria essencial que o governo brasileiro também concentrasse em uma plataforma dados transparentes que pudessem conectar as partes interessadas, e finalmente sair do dilema do ovo e da galinha. 

O sucesso dos hubs também depende de uma comunicação eficaz e transparente que permita sequenciar e planejar projetos de maneira coordenada, ainda mais porque o hidrogênio é um produto multiuso para redução de emissões em diferentes setores da economia.

Uma companhia aérea não compra combustível de aviação do mesmo lugar que um produtor de fertilizantes compra seu gás natural para amônia — mas eles compartilham um objetivo comum de descarbonizar suas operações. 

Como esses setores não usam naturalmente a mesma cadeia de suprimentos, é preciso dedicar tempo e recursos para conectá-los. Hubs regionais facilitarão isso.

Compartilhar riscos, conhecimento e infraestrutura 

Por ser uma indústria ainda nascente, seus riscos e custos ainda são altos, o que dificulta o financiamento de projetos bilionários e afasta as decisões finais de investimento. Entre as vantagens dos hubs, está justamente a redução desses custos e riscos. 

A concentração de infraestrutura, tecnologias e mão de obra qualificada em um único local tem potencial de reduzir os custos operacionais e de transporte, facilitando o compartilhamento de recursos. 

Isso também diminui o risco de fracasso individual de projetos, pois empresas e instituições podem atuar em cooperação, fortalecendo o ecossistema como um todo, além de abrir a possibilidade de compartilhamento de infraestruturas por diversos stakeholders. 

A possibilidade de formação de consórcios que reúnem produtores, geradores de energia, produtores de hidrogênio, portos e consumidores industriais, também dilui os riscos e aumenta as chances de acesso a fundos de financiamento. 

Afinal, hubs de hidrogênio bem estruturados podem atrair grandes investidores nacionais e internacionais, interessados na viabilidade de projetos de larga escala. 

Ao concentrar esforços em uma área específica, os hubs podem criar uma estrutura mais robusta para alocar capital e garantir retornos a longo prazo.

A produção do hidrogênio perto da demanda também é capaz de reduzir custos, principalmente de transporte, evitando a necessidade de construção de gasodutos dedicados, ou mesmo de conversão do hidrogênio em amônia ou outras formas de transporte para longas distâncias. 

Estar perto do conhecimento também importa. A proximidade entre empresas, universidades e centros de pesquisa facilita a troca de conhecimentos e a criação de parcerias.

Isso pode acelerar o desenvolvimento de novas tecnologias, que permitam a maior eficiência na produção e soluções inovadoras de armazenamento e transporte de hidrogênio.