Em 8 de março de 2022, a Comissão Europeia anunciou o plano REPowerEU com o objetivo de reduzir a enorme dependência da matriz energética europeia de combustíveis fósseis, especialmente do gás natural vindo da Rússia, considerando tanto as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa quanto, de algumas semanas para cá, o trágico pano de fundo da guerra da Rússia na Ucrânia.
Além de medidas de impacto interno, um ponto chama a atenção para os interesses brasileiros.
O plano europeu aumenta o volume projetado de importação de hidrogênio verde (H2V) e derivados para 2030, indica a necessidade de desenvolver uma estrutura regulatória própria e cria a Aceleradora de Hidrogênio (Hydrogen Accelerator), enfatizando a importância de estabelecer estruturas de parcerias internacionais para aumentar a oferta do insumo no continente europeu.
Hidrogênio na transição européia
Não é novidade o papel central que o hidrogênio verde tem na política de transição energética europeia. A forma de sua produção, que pressupõe a utilização de energia renovável, permite uma integração de fontes de energia limpa com setores que, hoje, dependem de combustíveis fósseis, como siderurgia, indústria química e transporte de carga em seus diferentes modais.
Assim, não apenas a produção de H2V é descarbonizada pela utilização de energia renovável, mas também outros setores que respondem largamente por emissões de gases de efeito estufa.
Este é o fenômeno conhecido pela indústria do H2V como interligação setorial (sector coupling), viabilizado pelo processo Power-to-X (PtX), termo genérico que designa as diversas tecnologias de transformação do H2V (Power) para aplicações variadas (X), como a produção de combustíveis sintéticos (Power-to-liquid), de gases (Power-to-gas) ou de químicos (Power-to-chemicals).
Esse processo impulsiona a criação de um novo mercado mundial, em que a exportação de energia renovável se torna uma realidade.
Alemanha lidera
Com um papel de reconhecida liderança, a Alemanha anunciou o objetivo de viabilizar uma demanda de até 110 TWh de hidrogênio verde até 2030, enquanto projeta ter capacidade para produzir somente 14 TWh, devido ao seu potencial limitado de geração de energia renovável.
Ciente dessa limitação, a Alemanha estruturou um mecanismo de fomento chamado H2Global, em torno de uma fundação composta por mais de vinte empresas do setor energético e industrial (incluindo algumas que estão presentes no Brasil, como Siemens Energy, ThyssenKrupp e Linde).
Uma empresa afiliada à fundação, Hydrogen Intermediary Company (HINT.Co), celebrará contratos de compra de longo prazo (dez anos), do lado da oferta de H2V, e contratos de venda de curto prazo, do lado da demanda, em ambos os casos mediante a realização de leilões.
Com um aporte inicial de EUR 900 milhões já aprovado, o governo alemão compensará a diferença entre os preços de oferta e os preços de demanda dos contratos vencedores dos leilões, mediante um mecanismo de Contracts for Difference (CfD). A expectativa é de que os primeiros leilões aconteçam ainda em 2022 com entregas previstas a partir de 2024.
Brasil pode ser ‘potência’ em renováveis
Para o Brasil, as oportunidades são enormes graças a um dos maiores potenciais de geração de energia renovável do mundo.
Iniciativas estaduais de criação de hubs de produção como nos portos de Pecém (CE), Suape (PE) e Rio Grande (RS) são bons pontos de partida, porém ainda tímidas em comparação com o que se pode imaginar para o país.
Estratégia nacional para H2V no Brasil
Será necessário contar com uma estratégia abrangente e efetiva de alcance nacional que, considerando as diretrizes propostas pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para um Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), e com agilidade, resulte na tomada de medidas concretas de regulação e fomento.
Para a regulação, espera-se a atualização e aprimoramento da regulação aplicável, ainda que de forma pontual, para definir parâmetros e processos, de forma adequada e com segurança jurídica.
Além de assegurar coordenação entre as autoridades setoriais com competência sobre diferentes elos da cadeia – geração, produção, transporte, armazenamento e comercialização de H2V e derivados.
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Desafios e incentivos
Haverá desafios no processo de certificação de origem do H2V e da energia renovável utilizada, bem como na harmonização de diversos setores hoje desconexos, haja vista a abrangência dos subprodutos do H2V, que se estende de e-combustíveis a fertilizantes verdes.
Quanto ao fomento, a introdução de incentivos fiscais e de mecanismos de financiamento viabilizaria um maior engajamento e investimento do setor privado no desenvolvimento, implantação e operação de projetos tanto para exportação quanto para o mercado interno. No que fizer sentido comercial, econômico-financeiro e socioambiental.
Estamos diante do nascimento de uma nova revolução industrial, com uma transformação já em curso em diversos setores industriais que necessitam reduzir sua pegada de carbono.
O Brasil goza de posição diferenciada para inserir-se e beneficiar-se dessa transformação seja como exportador para os mercados internacionais, seja aproveitando a oportunidade para aprimorar sua própria base industrial e de transportes.
O tempo urge, e temos muito trabalho pela frente.
Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.
Marcos Ludwig é sócio da área de Infraestrutura & Projetos e do German Desk do escritório Veirano Advogados, Rio de Janeiro; membro do Conselho Empresarial de Infraestrutura da Firjan e do Grupo Temático H2V, da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha (AHK).
Bruno Galvão é Senior Trade Advisor e co-head do Brazilian Desk do escritório de advocacia Blomstein, Berlim, Alemanha, com atuação em direito regulatório europeu e ESG.
O Veirano Advogados e o Blomstein assessoram empresas nos segmentos de geração de energia renovável, fornecimento de equipamentos e soluções para o setor energético e empresas que utilizam hidrogênio no processo industrial.