Legado da COP26, o debate sobre energia e emissões ganhou um protagonista: o hidrogênio.
E, mais uma vez, o Brasil tem a oportunidade de se tornar uma referência mundial com sua matriz energética.
Largamos nessa corrida global definindo diretrizes para um Programa Nacional do Hidrogênio, apresentado pelo Ministério de Minas e Energia em julho de 2021 e com os estudos e pesquisas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Para a indústria, a competitividade da energia é uma vocação do Brasil.
Mas, infelizmente, ela tem sido comprometida pela verdadeira captura do setor por interesses de sua cadeia produtiva e por acolher o custo de diversas políticas públicas.
É um fenômeno que tem marcado a expansão da Geração Distribuída e da Energia Incentivada, que se suportam, desnecessária e injustamente, pela transferência aos demais consumidores dos custos para firmar e transportar a energia produzida bem como encargos associados.
Essa forma de incentivo termina por desalinhar o comportamento dos agentes no sentido da eficiência sistêmica, atrasando no Brasil, por exemplo, a combinação do uso de soluções de produção de energia de diferentes fontes e meios de armazenamento e consumo eficiente.
Ainda, a forma de adoção do hidrogênio no País apresentada em estudo da EPE demanda uma avaliação que considere os impactos para todo o mercado de energia. Os grandes consumidores têm simpatia por esta opção energética, que será fundamental para uma transição energética em direção a uma economia próspera, sustentável e sem emissões.
Grupos relevantes e diversificados da cadeia produtiva veem no uso do hidrogênio uma alternativa para atingir metas assumidas de redução das suas emissões, evidenciando o compromisso com a questão climática global.
É o histórico de equívocos na adoção de políticas públicas e modelos de negócio, em que os consumidores recebem o papel compulsório de subsidiadores de movimentos símiles, que mantém a indústria em estado de atenção e alerta.
Ocorre que no sistema brasileiro será possível a junção de projetos de produção de energia renovável intermitente e de produção de hidrogênio em que essas infraestruturas serão otimizadas pelo sistema elétrico sem a correta remuneração.
Assim seria possível produzir hidrogênio com um fornecimento de potência e energia que será garantido pelo sistema elétrico.
E os verdadeiros custos de firmar essa energia e seu transporte serão suportados por todos os demais consumidores através de encargos diversos, como o novo Encargo de Reserva de Capacidade, e a necessidade de pesados investimentos nas infraestruturas de transmissão, elevando ainda mais o custo das tarifas que são suportadas pelos consumidores do Brasil.
Esta situação pode ser ainda agravada se o tratamento do suprimento de energia para produção do hidrogênio se der na modalidade de autoprodução, quando também não incidem os custos com encargos sistêmicos como os Encargos de Serviço do Sistema, o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica e a Conta de Desenvolvimento Energético.
— ARTIGO: Eólicas offshore: o que diz (e não diz) o decreto 10.946, por Juliana Melcop
Neste ensaio em formatação, a produção de hidrogênio vai aumentar a necessidade sistêmica de capacidade, que será provida por termoelétricas, e os custos com o seu acionamento.
Não pode, portanto, ser considerado como “verde”, ou “sustentável” por se viabilizar em detrimento dos demais consumidores impactando o custo da sociedade brasileira e promovendo emissões adicionais de gases de efeito estufa.
Os relevantes estudos do Governo e da EPE sobre o uso do hidrogênio devem considerar os potenciais impactos às tarifas dos demais consumidores decorrentes do modelo regulatório vigente.
A transparência dos custos e sua distribuição deve definir o ritmo da implementação desse pilar da transformação energética. O papel do hidrogênio no mix energético global é um caminho sem volta, palpável.
Não mais restrito ao mundo da ficção, mas toda essa discussão precisa estimular a modernização do modelo do setor, em apreciação pelo Congresso, e não “surfar” nas distorções atuais.
Paulo Pedrosa é presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).
Victor Iocca é diretor de Energia Elétrica da Abrace.