Nesta última semana, a agenda do presidente Lula (PT) ficou marcada pela visita ao Japão, com o objetivo de aumentar as relações comerciais do Brasil com o país asiático.
O destaque na aérea de energia foi o avanço nas tratativas para mais espaço no mercado japonês de etanol ao combustível brasileiro, de olho no aumento da mistura na gasolina e na produção de combustível sustentável de aviação (SAF, em inglês).
Ainda que sem anúncios concretos, o setor sucroenergético e o governo brasileiro saíram confiantes de que “uma porta se abriu” para o biocombustível.
Mas na agenda de prioridades, deixou-se o hidrogênio como um coadjuvante quase esquecido.
Das 100 empresas que tiveram representantes na comitiva brasileira ao país asiático, não havia nenhuma relacionada a projetos de hidrogênio em desenvolvimento no Brasil. Não foram convidadas.
Uma valiosa oportunidade perdida.
Para não dizer que não falaram do hidrogênio, os governos dos dois países anunciaram acordos para fortalecer a cooperação técnica e política na área de transição energética, incluindo a Iniciativa para Combustíveis Sustentáveis e Mobilidade (ISFM).
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a ISFM conta com um plano de ação para fomentar o uso global e integrado de combustíveis renováveis – biocombustíveis, biogás, hidrogênio verde e seus derivados – em equipamentos de mobilidade e alto desempenho, como motores híbridos e flex.
Paralelamente, a Associação Brasileira da Indústria de Hidrogênio Verde (ABIHV) e o Banco Japonês para Cooperação Internacional (JBIC) anunciaram um acordo de cooperação entre as empresas associadas à ABIHV e companhias japonesas, para acelerar projetos para o desenvolvimento da cadeia de suprimento de hidrogênio e seus derivados incluindo a amônia.
Tal acordo, entretanto, não contou com interlocução do governo brasileiro.
É necessário prospectar novos mercados
O Brasil na sua estratégia de comércio internacional sempre buscou ter uma distribuição equilibrada em relação ao destino das suas exportações. Ainda que a China seja hoje o destino de cerca de 30% dos nos produtos exportados, o restante está dividido entre Estados Unidos, União Europeia e Argentina.
É importante seguir a mesma lógica de diversificação para o futuro mercado de hidrogênio e derivados, para que não haja dependência de uma única região ou país.
Diversos estudos e projeções apontam que o hidrogênio verde produzido no Brasil será uma dos mais competitivos do mundo. Estudo da McKinsey mostra que o custo nivelado do hidrogênio verde (LCOH) produzido no Brasil seria em torno de USD 1,50/ H2 kg em 2030.
Isso está em linha com o LCOH dos melhores locais nos EUA, Austrália, Espanha e Arábia Saudita. Até 2040, esse custo pode cair para aproximadamente USD 1,25/kg.
Hoje, boa parte dos projetos de produção de hidrogênio em desenvolvimento no Brasil está voltada para o mercado europeu. E, até agora, a articulação do governo para o hidrogênio se deu também com países da União Europeia.
Um exemplo é o projeto de produção de hidrogênio verde da Green Energy Park, no Piauí, que receberá recursos da UE para exportação de amônia verde ao continente europeu.
O mesmo projeto, em parceria com a Vale, para produção de HBI verde a partir de hidrogênio, foi incluído como prioritário pelo programa Global Gateway da União Europeia. O HBI é um produto intermediário entre o minério de ferro e o aço.
Mas o Brasil deve olhar para outros mercados.
As importações de hidrogênio limpo, por exemplo, são um pilar fundamental no plano do Japão para atingir a neutralidade de carbono até 2050. E o país está investindo pesadamente em cadeias de suprimentos internacionais, inclusive por meio de seu Fundo de Inovação Verde de ¥ 2 trilhões (US$ 24,5 bilhões), que também irá subsidiar importações.
Por uma questão logística, a Austrália deverá ser um grande supridor, mas ainda assim o Brasil teria oportunidades, não apenas com a amônia, mas com derivados, como SAF e e-metanol.
A China é outro mercado que o Brasil deveria estar prospectando.
Segundo a Deloitte, o país deverá ser o maior importador mundial de hidrogênio, com 13 milhões de toneladas até 2030 — à frente dos 10 milhões da UE. Neste caso, o Oriente Médio será nosso principal concorrente.
A Costa Leste dos Estados Unidos é também deverá ter potencial para o hidrogênio e derivados produzidos no Brasil.
Embora o governo brasileiro demonstre grande preocupação em desenvolver um mercado doméstico para o hidrogênio de baixo carbono, notadamente, o mercado internacional se desenvolverá mais rapidamente.
A concorrência será grande, e o país precisa desde já, por meio das representações diplomáticas e de comércio exterior, “vender” nosso hidrogênio, bem como derivados, sob o risco de perdermos a janela de oportunidades.