Energia solar e eólica no Brasil: tendências tecnológicas e vantagens competitivas nacionais

"Apesar do papel estratégico e do expressivo crescimento das fontes solar e eólica, alguns desafios para a maior disseminação destas na matriz energética brasileira ainda se fazem presentes", escrevem Erick Meira, Diego Frade e Luan Santos

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Imagem de Falkenpost por Pixabay

O setor energético brasileiro tem passado por mudanças estruturais significativas, como a maior notoriedade de fontes renováveis intermitentes, o substancial aumento da geração descentralizada, e a mudança de perfil do consumidor, que passa a assumir uma participação cada vez mais ativa.

No entanto, se por um lado a matriz energética brasileira apresenta um forte potencial de expansão, o modelo de algumas décadas atrás, baseado em hidrelétricas de grande porte, vem perdendo espaço.

Hoje, os locais remanescentes com elevado potencial de aproveitamento são em grande parte de difícil acesso e de licenciamento ambiental complexo, sobretudo por questões sociais.

Soma-se a isso o fato de o modelo predominantemente hídrico ser muito sensível a períodos de estiagem, que podem reduzir drasticamente os níveis de armazenamento de água dos reservatórios e levar a períodos de racionamento.

No contexto em questão, ganham notoriedade as fontes de energia eólica e solar.

A título de exemplo, estima-se que a geração mundial de eletricidade renovável em 2021 cresça mais de 8% em relação ao ano anterior, chegando a patamares próximos de 8.300 TWh [1]. Deste crescimento, as fontes solar fotovoltaica e eólica representariam aproximadamente dois terços.

No Brasil, solar e eólica representaram as maiores expansões líquidas de capacidade instalada entre 2019 e 2020, com aumentos na ordem de 77,4% para a primeira e 11,4% para a segunda[1]. As duas fontes respondem hoje por pouco mais de 25 GW de capacidade instalada, ou seja, 14% da disponibilidade total nacional [2].

Apesar do papel estratégico e do expressivo crescimento das fontes solar e eólica, alguns desafios para a maior disseminação destas na matriz energética brasileira ainda se fazem presentes.

Para além de questões relacionadas ao arcabouço regulatório – ainda relativamente frágil sob alguns aspectos – e à escassez de profissionais qualificados, os principais desafios perpassam pela busca de soluções capazes de aumentar a eficiência na geração e no aproveitamento dessas fontes renováveis.

Nesse contexto, algumas iniciativas se destacam como bastante promissoras para os próximos anos.

Este artigo busca revisar as principais, elencando também as vantagens estratégicas do país no desenvolvimento destas.

Novos materiais em painéis fotovoltaicos

Apesar de reunir majoritariamente tecnologias maduras, a geração solar fotovoltaica concentra algumas linhas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em nichos específicos, como aquelas voltadas ao incremento da eficiência de conversão da energia solar em elétrica e para a maior aplicabilidade dos sistemas.

Em relação à primeira vertente, estudos recentes têm buscado empregar novos materiais na fabricação dos painéis fotovoltaicos.

Essa tendência chamou a atenção de instituições renomadas como o Laboratório norte-americano de energias renováveis (National Renewable Energy Laboratory, NREL), que tem empreendido uma série de estudos para avaliar o potencial de moléculas com estrutura (arranjo) de perovskita[2].

Apesar de apresentarem químicas relativamente simples, as perovskitas possuem como diferenciais em relação ao silício – principal matéria-prima de painéis convencionais – maiores capacidades de absorção do espectro de luz, o que vem se materializando em incremento contínuo de eficiência.

Soma-se a isso a possibilidade de redução dos custos de produção, dado que as perovskitas podem ser aspergidas na superfície ou impressas em rolos, permitindo um leque maior de aplicações [4].

Cabe ressaltar ainda resultados promissores de estudos recentes que sugerem ganhos em termos de estabilidade térmica com a incorporação de íons [5] e óxidos de nióbio [6] respectivamente na composição de perovskitas inorgânicas (CsPbI2Br) e orgânicas (CH3NH3PbI3).

O Brasil, por concentrar mais de 90% das reservas mundiais de nióbio, assume natural vantagem estratégica com o eventual emprego do mineral na composição de perovskitas.

Em relação à segunda vertente, destacam-se as aplicações de filmes finos orgânicos (Organic Photovoltaic, OPV). Por possuírem estrutura leve e fina, os filmes orgânicos possuem ampla gama de aplicações, como na composição de soluções arquitetônicas e automotivas.

O Instituto CSEM Brasil figura como principal expoente nacional dessa tecnologia, tendo inclusive criado uma empresa, a Sunew, para atuar na comercialização de células orgânicas.

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Nova geração de componentes de aerogeradores

A busca por maior eficiência por meio do aumento da área de varredura tem ditado a evolução tecnológica recente na cadeia de geração eólica. Contudo, esse processo enfrenta limitações de ordem técnica e, sobretudo, logística, à medida que o transporte das pás se torna cada vez mais desafiador [7].

Nesse contexto, pesquisadores vêm se debruçando sobre como tornar os demais componentes-chave do aerogerador mais eficientes.

Um possível candidato é o ímã permanente, fundamental para os sistemas de propulsão dos rotores eólicos. Os imãs tradicionais são confeccionados a base de ferrite, bário ou estrôncio.

Estes, no entanto, vêm sendo paulatinamente substituídos por “terras raras”, grupo de elementos químicos com várias aplicações industriais, sendo que, para a cadeia eólica, o elemento neodímio se destaca como o mais relevante.

Os imãs de terras raras possuem potência superior aos tradicionais e, atualmente, são em grande parte importados no Brasil.

Trata-se de uma incoerência, posto que o país possui a segunda maior reserva global de terras raras, ficando somente atrás da China.

Segundo as estimativas mais recentes do United States Geological Survey (USGS), o Brasil possui cerca de 21 milhões de toneladas de terras raras, diante de um total global estimado em 120 milhões [8].

A pá é outro componente que tem passado por diversos avanços em relação aos materiais.

A substituição do material tradicionalmente empregado no processo de fabricação das pás, composto por fibras de vidro, por materiais compósitos, se destaca como um desses avanços.

Nesse sentido, uma iniciativa promissora tem sido a combinação do uso de fibras de carbono com a técnica de pultrusão, um processo de fabricação de perfis compósitos constituídos por uma matriz de resinas termofixas e por fibras como elementos de reforço.

O processo consiste em “puxar” as fibras embebidas na resina através de um molde, compactando o compósito e resultando em um material mais leve e menos propenso a falhas, rugas e outras imperfeições. A redução no peso da estrutura pode chegar a 30%, favorecendo o manuseio e o custo total de produção das pás [9].

Alternativas para armazenamento em larga escala

As fontes de energia solar e eólica possuem forte complementariedade em algumas regiões do Brasil, tanto entre si (ao longo do período intradiário, com irradiação solar ao longo do dia e maior intensidade de ventos à noite) como com outras fontes de energia – vide, por exemplo, a complementariedade entre a geração eólica nos meses de inverno e a geração hídrica em meses mais quentes no Nordeste.

Apesar disso, nem todos os locais contam com essa possibilidade de geração híbrida e, mesmo quando isso é viável, há possibilidade de períodos com baixa ou nenhuma geração.

Nesse contexto, ganha espaço o desenvolvimento de projetos que integrem tecnologias de armazenamento de energia em plantas de geração renovável, sobretudo em sistemas isolados.

No tocante a inovações em sistemas de armazenamento de energia, o estado-da-arte parece residir em soluções de (ou aplicadas a) unidades de armazenamento com uma ou mais das seguintes características em relação às tecnologias já existentes:

  • maior densidade energética;
  • maior tempestividade e segurança de resposta;
  • maior celeridade no carregamento e na descarga elétrica;
  • configurações de potência e energia desacopladas;
  • menor número de componentes;
  • menor emissão de calor;
  • viabilidade em escalas de grande porte (indústrias, cidades); e
  • independência de eletrodos e separadores líquidos, bem como de outros materiais inflamáveis.

No contexto brasileiro, em especial no Nordeste, uma alternativa promissora se refere ao emprego de baterias de vanádio (Vanadium redox flow batteries, VRB).

Aliando velocidades rápidas de resposta (<1 ms), ciclo de vida longo (10000-16000 vezes), altas eficiências (75–85%) e baixos custos de operação e manutenção [10], essas baterias se destacam como alternativa àquelas à base de células de Lítio-íon.

Em contrapartida, as VRBs ainda apresentam alto custo de capital de energia ($ 500/kWh).

Essa desvantagem, contudo, é relativizada diante da posição estratégica do país, que conta com a única mina de vanádio em operação da América do Sul, localizado em Maracás (Bahia), cujo depósito possui capacidade de responder a 8% da demanda mundial [11].

Integração com a cadeia de produção de hidrogênio

O hidrogênio verde (H2V, ou Green Hydrogen, GH2) é aquele produzido através da eletrólise da água, sendo este processo alimentado por eletricidade advinda de fontes renováveis.

Por não gerar emissões de gases de efeito estufa (GEEs) em sua produção, e dadas suas possibilidades de aplicação como combustível em motores de combustão interna, o H2V tem se destacado como uma opção viável e escalonável de descarbonização da matriz energética de vários países.

Cabe ressaltar também que o hidrogênio possui outras aplicações dignas de nota, podendo servir como insumo para fertilizantes ao ser combinado com o nitrogênio (N2) para geração da amônia, ou ainda ser empregado nas indústrias de base, como siderúrgicas, ao substitui o gás natural para fornecimento de calor em processos como a laminação do aço.

No Brasil, apesar da cadeia de produção ainda incipiente, o H2V tem sido objeto de um número crescente de iniciativas, sendo algumas bastante ambiciosas.

Isso porque o país reúne diversas vantagens competitivas para geração desse combustível. Dentre essas, a conversão (ou reforma à vapor) do etanol em hidrogênio figura como a solução mais promissora, dada a grande quantidade de biomassa, sobretudo cana-de-açúcar, disponível para esse fim.

Contudo, espera-se também que as fontes solar e eólica (aqui incluindo também eventuais desenvolvimentos em eólica offshore) sejam capazes de suprir uma parte relevante da demanda por eletricidade necessária na eletrólise para sintetização do H2V.

Nesse contexto, diversos projetos vêm sendo divulgados recentemente, sendo que um dos modelos de negócio que mais tem despertado o interesse é o que prevê a construção de plantas de geração renovável em localidades adjacentes a portos, visando sobretudo a exportação.

Ressaltam-se, por exemplo, as iniciativas de desenvolvimento de usinas produtoras de H2V nos portos de Pecém (Ceará), Suape (Pernambuco), e Açu (Rio de Janeiro), cujos investimentos anunciados já somam mais de US$ 22 bilhões [12].

Apesar dos inegáveis desafios técnicos e regulatórios ainda a serem superados, a geração eólica offshore assume potencial protagonismo na geração de H2V para fins de exportação. Isso porque alguns dos portos supra elencados estão próximos às regiões de maior potencial técnico de geração offshore, por aliarem ventos de boa qualidade em regiões próximas à costa e menos profundas.

É o caso dos portos de Pecém e Açu: estudos recentes [13, 14] apontam a costa do Nordeste, principalmente entre os estados do Rio Grande do Norte e o Maranhão, e o litoral entre o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, nessa ordem, como as regiões mais promissoras para fins de geração eólica offshore[3].

Cabe ressaltar, contudo, que a produção de H2V nesses casos precisa estar aliada a plantas de dessalinização da água do mar, para posterior eletrólise.

Considerações finais

Como observado, as perspectivas para o aumento da participação de fontes renováveis ​​não hídricas na matriz energética brasileira, sobretudo solar e eólica, são bastante positivas.

Além de contar com amplo espaço para disseminação dessas fontes, o Brasil possui vantagens competitivas únicas em alguns casos, como na eventual exploração de minerais selecionados para fornecimento às indústrias locais.

No entanto, apesar do cenário promissor, o uso generalizado das fontes solar e eólica no Brasil, bem como a disseminação das novas tecnologias aqui elencadas relacionadas a estas fontes, depende em grande parte de iniciativas e incentivos governamentais, sejam estes de origem tributária ou financeira.

Por exemplo, barreiras de mercado relacionadas a custos ainda consideravelmente elevados na produção nacional de painéis fotovoltaicos (quando comparados com similares estrangeiros) podem ser reduzidas através da adoção de políticas públicas de incentivo para o setor, envolvendo benefícios fiscais como reduções de impostos ou incentivos diferenciados para a microgeração.

Já o desenvolvimento de tecnologias que ainda estão em estágio inicial de maturação, como o emprego de perovskitas e filmes orgânicos em painéis fotovoltaicos ou o uso de ímãs de terras raras no caso de aerogeradores, pode ser estimulado por meio da concessão, por parte de agências públicas de fomento, de recursos financeiros não reembolsáveis ou de condições de financiamento mais atrativas e flexíveis que as tradicionalmente disponíveis em mercado.

Referências

[1] IEA (International Energy Agency). (2021). Global Energy Review 2021. URL: https://www.iea.org/reports/global-energy-review-2021/

[2] MME (MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA). (2021). Resenha Energética Brasileira – Exercício de 2020. URL: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/secretarias/spe/publicacoes/resenha-energetica-brasileira

[3] PRINCE, K. J.; NARDONE, M.; DUNFIELD, S. P.; TEETER, G.… WHEELER, L. M. (2021). Complementary interface formation toward high-efficiency all-back-contact perovskite solar cells. Cell Reports Physical Science, v. 2, n. 3, 100363. doi: 10.1016/j.xcrp.2021.100363

[4] MOTYKA, M; SLAUGHTER, A; AMON, C. (2017). Global Renewable Energy Trends (Deloitte Insights). URL: https://www2.deloitte.com/us/en/insights/industry/power-and-utilities/global-renewable-energy-trends.html

[5] GUO, Z.; ZHAO, S.; LIU, A.; KAMATA, Y.… MA, T. (2019). Niobium Incorporation into CsPbI2Br for Stable and Efficient All-Inorganic Perovskite Solar Cells. ACS Applied Materials & Interfaces, v. 11, n. 22, 19994–20003. doi: 10.1021/acsami.9b03622

[6] FERNANDES, S. L.; ALBANO, L. G. S.; AFFONÇO, L. J.; SILVA, J. H. D. da… GRAEFF, C. F. de O. (2019). Exploring the Properties of Niobium Oxide Films for Electron Transport Layers in Perovskite Solar Cells. Frontiers in Chemistry, v. 7, 1-9. doi: 10.3389/fchem.2019.00050

[7] TREDINNICK, M. R. A. da C. (2018). Estudo setorial sobre patentes de geradores eólicos fazendo uso de ímãs com terras raras em sua composição química. URL: https://dados.gov.br/dataset/es-2018-geui-terras-raras

[8] USGS (US Geological Survey) (2021). Rare Earths Statistics and Information. URL: https://www.usgs.gov/centers/nmic/rare-earths-statistics-and-information

[9] Finep (2019). Os bons ventos do futuro. URL: http://www.finep.gov.br/en/noticias/todas-noticias/5986-os-bons-ventos-do-futuro

[10] ZHANG, Z.; DING, T.; ZHOU, Q.; SUN, Y.… CHI, F. (2021). A review of technologies and applications on versatile energy storage systems. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 148, 111263. doi: 10.1016/j.rser.2021.111263

[11] CPRM (Serviço Geológico do Brasil) (2019). CPRM descreve primeira ocorrência de vanádio e titânio no Escudo das Guianas (RR). URL: https://www.cprm.gov.br/publique/Noticias/Servico-Geologico-do-Brasil-descreve-primeira-ocorrencia-de-vanadio-e-titanio-no-Escudo-das-Guianas-%28RR%29-5951.html

[12] CHIAPPINI, G. (2021). Portos com eólicas offshore são modelos preferidos para hidrogênio verde no Brasil. EPBR. URL: https://eixos.com.br/portos-e-eolicas-offshore-sao-modelos-preferidos-preferidos-para-hidrogenio-verde-no-brasil/

[13] AZEVEDO, S. S. P. de; PEREIRA JUNIOR, A. O. P.; SILVA, N. F. da; ARAÚJO, R. S. B. de; CARLOS JÚNIOR, A. A. C. (2020). Assessment of Offshore Wind Power Potential along the Brazilian Coast. Energies, v. 13, n. 10, 2557. doi: 10.3390/en13102557

[14] DOS REIS, M. M. L.; MAZETTO, B. M.; DA SILVA, E. C. M. (2021). Economic analysis for implantation of an offshore wind farm in the Brazilian coast. Sustainable Energy Technologies and Assessments, v. 43, 100955. doi: 10.1016/j.seta.2020.100955

 

Autores:

Erick Meira e Diego Frade são analistas de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) na Finep – Inovação e Pesquisa (Departamento de Energia, Tecnologia da Informação, Comunicação e Serviços). Contatos: [email protected], [email protected]

Luan Santos é professor do Programa de Engenharia de Produção (PEP/COPPE/UFRJ), da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (FACC/UFRJ) e Head of Research da Brazilian Research Alliance for Sustainable Finance and Investment (BRASFI). Contato: [email protected]

[1] Cálculos considerando potências instaladas para geração tanto centralizada como distribuída.

[2] Aqui vale uma distinção importante: a verdadeira perovskita é uma liga de óxido de cálcio e titânio (CaTiO3), ocorrendo na forma de cristais ortorrômbicos (pseudocúbicos) e encontrada usualmente em rochas metamórficas. No entanto, convencionou-se o uso do termo geral perovskita para fazer alusão a compostos químicos que possuem a forma genérica ABX3, sendo A um cátion atômico ou molecular (positivamente carregado) que fica no centro de um cubo, B representando cátions localizados nos cantos do cubo, e X referindo-se a ânions que ocupam as faces desse cubo. Ao nos referirmos a perovskita para a composição de painéis fotovoltaicos, estamos tratando dessa segunda situação.

[3] Também se destacam regiões costeiras entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, embora não haja atualmente nesses locais expectativas de investimentos em plantas de produção de H2V.