O Brasil tem se destacado globalmente no cenário de transição energética, principalmente por sua vasta capacidade de geração renovável, como solar e eólica.
No entanto, com o avanço dos projetos de hidrogênio verde via eletrólise, que têm uma demanda energética significativa, novos desafios surgem no planejamento das linhas de transmissão e do grid nacional.
Projetos de hidrogênio verde no Brasil chegam a potências impressionantes, com alguns alcançando até 12 GW de capacidade instalada ao longo dos anos, aponta o gerente de estudo de transmissão da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Rafael Mello.
Para colocar isso em perspectiva, Mello destaca que a maior carga conectada à rede de transmissão brasileira hoje é de 800 MW.
O contraste entre esses números é claro: enquanto a infraestrutura atual lida eficientemente com a integração de fontes renováveis de menor escala, o hidrogênio verde exige uma nova abordagem.
Os projetos de eletrólise com pedidos de autorização para ligação de carga à rede elétrica já somam R$ 180 bilhões no Brasil, segundo estimativas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
De acordo com as últimas informações divulgadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME), em setembro de 2024, havia onze projetos com pedidos para conexão à rede elétrica do Sistema Interligado Nacional (SIN), que juntos somam uma capacidade instalada de 45 GW até 2038.
Concentração dos empreendimentos
A distribuição espacial e a concentração de grandes projetos de hidrogênio em pontos específicos, como hubs no Nordeste, onde estão localizados o Porto de Pecém e outros potenciais centros de produção, também impõem desafios significativos.
Tradicionalmente, a transmissão de energia no Brasil tem sido planejada para integrar fontes renováveis distribuídas por várias regiões, com risco mínimo de ociosidade da rede.
No entanto, os empreendimentos do gás de baixo carbono não seguem essa mesma lógica, já que tendem a se concentrar em áreas específicas, exigindo infraestrutura robusta para atender às suas demandas massivas.
Segurança para investimentos
A incerteza é outro fator crítico. Os investimentos bilionários necessários para expandir a transmissão não podem ser realizados com base em projeções incertas sobre a demanda.
Existe o receio de que, caso o mercado de hidrogênio não se desenvolva conforme o esperado, a infraestrutura de transmissão e outras instalações fiquem ociosas, gerando ativos subutilizados e prejudicando o retorno do investimento.
Esse dilema reflete o clássico “ovo ou a galinha”: a infraestrutura deve ser criada antes dos projetos de hidrogênio se concretizarem ou a decisão de construir depende da certeza do avanço desses projetos?
Tanto o MME, como a EPE já estão cientes desses desafios e começaram a abordar o problema.
Recentemente, foram iniciados estudos de planejamento para a conexão das futuras plantas à rede de transmissão.
A primeira fase desses estudos focou no cálculo da margem de conexão, uma abordagem que leva em conta não apenas a geração de energia, mas a carga de hidrogênio que será conectada à rede.
A criação de hubs pode ser uma solução estratégica, mas necessita um comprometimento de todas as partes, como lembra Rafael Mello, desde os desenvolvedores de projetos até o governo.
Esses hubs concentrariam tanto a geração quanto a demanda por hidrogênio em locais específicos, permitindo que a infraestrutura de transmissão seja planejada com maior segurança e eficiência.
Resiliência climática das redes
Tão importante quanto os fatores listados até aqui é a resiliência das redes aos eventos extremos, intensificados pelas mudanças climáticas, como é o caso das fortes chuvas e inundações que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024. Na tragédia, trinta linhas de transmissão chegaram a ficar fora de operação.
A própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vem avaliando a adoção de medidas que minimizem os impactos para assegurar a resiliência do sistema elétrico diante de adversidades climáticas, incluindo as redes de transmissão mais resistentes.
No caso de plantas de hidrogênio, a segurança no fornecimento de energia é um imperativo ainda maior, uma vez que há uma visão difundida de que os eletrolisadores precisam operar o mais próximo possível de 24 horas por dia, sete dias por semana, para produzir hidrogênio verde com o menor custo possível.
Logo, qualquer interrupção na rede poderia ter impactos no custo final do hidrogênio, que já tem um longo caminho para competitividade.
À medida que o Brasil caminha para se tornar um líder no mercado de hidrogênio verde, o planejamento estratégico da rede de transmissão será uma peça chave nesse quebra-cabeça.
A integração de grandes projetos requer não apenas investimentos em infraestrutura, mas também uma articulação entre as necessidades de curto e longo prazo, evitando riscos de ociosidade e garantindo que o país mantenha sua competitividade no cenário global de energia limpa.