O futuro da indústria do hidrogênio de baixo carbono, inevitavelmente, vai depender de portos e navios.
Seja para exportação do energético via amônia para atender indústrias na Europa, seja para liderar uma nova era de transporte marítimo baseado em moléculas de baixo carbono, os portos brasileiros vem se preparando para esse novo mercado.
Com mais de 95% de seu comércio feito por via marítima e uma matriz elétrica 90% renovável, o país reúne condições únicas para se tornar fornecedor de combustíveis sustentáveis — sintéticos ou de origem biológica — em larga escala, além de produtos verdes, como HBI, fertilizantes, entre outros, que podem utilizar o hidrogênio de baixo carbono como matéria-prima.
Na navegação, são muitas as oportunidades — e desafios. O setor responde hoje por cerca de 80% do volume do comércio mundial e é responsável por aproximadamente 3% das emissões globais.
Estima-se que, se nenhuma ação adicional for tomada, as emissões do transporte marítimo internacional deverão representar de 90% a 130% dos níveis de emissão de 2008 até 2050.
Este cenário está motivando acordos e alianças que buscam viabilizar infraestrutura de abastecimento com combustíveis sustentáveis, em corredores logísticos movimentados e estratégicos, incluindo o Brasil.
Para dar certo, é preciso mitigar os riscos. Estudo publicado esta semana pela Aurora Energy Research destaca uma série de riscos que podem comprometer a viabilização do corredor de hidrogênio verde entre o Nordeste do Brasil — que concentra maior parte dos projetos de exportação do energético —, nos horizontes de 2030 e 2040.
No curto prazo, há incertezas sobre a efetiva concretização dos projetos de hidrogênio verde na região, somadas à infraestrutura ainda pouco desenvolvida.
Além disso, o estudo pontua que a legislação nacional e os mecanismos de certificação para o hidrogênio de baixo carbono ainda estão em processo de amadurecimento, enquanto persistem incertezas sobre os custos ao longo da cadeia de valor.
Já no médio prazo, os riscos incluem a dependência excessiva de poucos projetos de grande escala para atender à demanda europeia, a necessidade de expandir a infraestrutura de exportação no Brasil e a concorrência interna com mercados como biocombustíveis e fertilizantes.
Por fim, o estudo aponta a urgência de investimentos em infraestrutura de distribuição nos portos dos Países Baixos, que conectem os pontos de chegada do hidrogênio aos polos consumidores na Europa.
Brasil ajudará na descarbonização europeia
O relatório, encomendado pelo governo holandês, aponta ainda que o Nordeste brasileiro pode, sozinho, atender à demanda da Holanda por hidrogênio verde já em 2030.
A maior parte dos projetos de hidrogênio verde anunciados até agora no Brasil está no Porto do Pecém, no Ceará — que tem Porto de Roterdã, na Holanda, como sócio —, mas o Porto de Suape, em Pernambuco, e o Piauí, cuja produção será escoada pelo futuro porto de Luís Correia, também estão fechando acordos para os seus hubs.
Além do do governo holandês, países como Noruega, Alemanha e Bélgica estão de olho nesses portos.
Recentemente, Brasil e Noruega firmaram uma parceria para criação de um corredor de transporte marítimo sustentável entre os dois países. O projeto terá a participação da indústria e de institutos de pesquisa brasileiros e noruegueses para identificar rotas e portos estratégicos.
Pelo menos uma alternativa de corredor transatlântico sustentável deve ser apresentada na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), marcada para novembro de 2025, em Belém.
Em comum, os portos estratégicos desses países estão todos localizados no Mar do Norte, hoje um polo da indústria europeia de óleo e gás e de importação de combustíveis fósseis.
Portos como plataformas da transição
Enquanto o Nordeste brasileiro aponta para ser uma plataforma de exportação, outras regiões do país também buscam protagonismo.
No Sul, o governo japonês, por meio do Ministério da Economia, Comércio e Indústria (Meti), aprovou um projeto estratégico para formular um plano de produção e consumo de hidrogênio verde no Rio Grande do Sul.
A iniciativa será conduzida pela consultoria ERM Japan, em parceria com o governo estadual, e faz parte do programa japonês de cooperação com países do Sul Global.
O hidrogênio produzido poderá atender à demanda local ou ser exportado pelo Porto do Rio Grande em direção ao Japão.
Para além do hidrogênio como commodity
É certo que parte dos primeiros projetos de larga escala de hidrogênio, em especial verde, no Brasil, que serão economicamente viáveis, estarão voltados para exportação do energético, ou amônia (como forma de carreador desse hidrogênio).
Mas além disso, também se desenham indústrias derivadas do hidrogênio que podem ter seus produtos exportados via navios.
O projeto da Vale com a Green Energy Park (GEP) para a construção de uma planta de hidrogênio verde no Brasil, por exemplo, foi incluído na lista prioritária do programa Global Gateway, da União Europeia — uma iniciativa que prevê investimentos de até 300 bilhões de euros entre 2021 e 2027 em setores estratégicos como energia e transporte.
O hidrogênio produzido abastecerá um mega hub de produção de HBI (ferro briquetado a quente), que será exportado para a Europa como alternativa à instalação de siderúrgicas no Brasil.
Ao priorizar a importação de HBI verde, a UE busca descarbonizar sua própria indústria do aço sem recorrer ao powershoring. Estudos mostram que, mesmo considerando o transporte, importar o insumo do Brasil pode ser mais competitivo do que produzir hidrogênio verde localmente na Europa.
No Piauí, as plantas da Green Energy Park e da espanhola Solatio somam 20 GW de capacidade instalada e devem iniciar obras em breve na ZPE do Parnaíba.
A produção de hidrogênio e amônia verde será escoada pelo futuro Porto de Luís Correia, ainda em construção.
Já o Porto do Açu desponta como um outro grande player. Controlado pela Prumo Logística e pelo Porto de Antuérpia-Bruges Internacional, o Açu já é responsável por cerca de 40% das exportações de petróleo do país.
Agora, mira transformar-se em um polo de produção e exportação de combustíveis sustentáveis, com destaque e-metanol e combustível sustentável de aviação (SAF), capazes de descarbonizar o transporte marítimo e aéreo.
Essa ambição está diretamente conectada ao plano estratégico do Porto de Antuérpia-Bruges, um dos maiores da Europa e pioneiro da transição energética no setor marítimo.
A parceria com o Açu ajudará o porto belga a atingir a neutralidade de carbono até 2050.
Com planos de se tornar um dos principais pontos de entrada de hidrogênio verde na Europa já em 2026, o porto belga está estabelecendo rotas comerciais com países como Chile, Omã, Namíbia, EUA, Canadá, Egito e o Brasil.
Projetos com a H2Brazil, por exemplo, também estudam exportar fertilizantes produzidos a partir de hidrogênio verde em Uberaba, pelo Porto do Açu.
Um pé no futuro, outro no freio
Mas enquanto assina compromisso com países europeus na construção de corredores de exportação, o Brasil também mostra resistência em relação a mecanismos que buscam acelerar a implementação de combustíveis derivados de hidrogênio verde.
Caso do debate sobre uma taxa de carbono discutida na Organização Marítima Internacional (IMO, em inglês) destinada a financiar novos combustíveis, em que o Brasil adotou uma postura firme contra o mecanismo defendido pela Europa e países africanos. No fim, venceu uma solução intermediária.
A resistência tem lógica econômica. Em primeiro lugar, existe o temor de que taxas sobre emissões prejudiquem exportações de países em desenvolvimento, e, em segundo, que se exclua das rotas de descarbonização marítima o papel dos biocombustíveis, incluindo de primeira geração, como etanol e biodiesel.
Se por um lado, a defesa brasileira pode fomentar ainda mais a produção de biocombustíveis no Brasil, por outro, pode afastar a viabilidade de projetos de combustível sintético a partir do hidrogênio e, consequentemente, trazer maiores desafios à implementação de corredores marítimos verdes entre o Brasil e a União Europeia.
O estudo da Aurora ainda pontua que, para viabilizar corredores marítimos de hidrogênio entre Brasil e Europa também é necessário “alinhar o sistema brasileiro de certificação (SBCH2) às exigências da União Europeia (RED III)” e, facilitar com isso “contratos que cubram pelo menos 50% da demanda prevista para o corredor”.
Outro ponto refere-se ao desenvolvimento da infraestrutura necessária, seja no Brasil para exportação para e Europa, incluindo as ações prioritárias como a conclusão das obras nos portos de Luís Correia (PI) e Pecém (CE); seja nos portos europeus, como na Holanda, que precisa consolidar a rede de distribuição do hidrogênio importado e seu transporte aos centros consumidores europeus.