Hidrogênio em foco

COP29 avança na agenda do hidrogênio em meio ao lobby de combustíveis fósseis

Hydrogen Declaration busca acelerar a produção de hidrogênio de baixo carbono e renovável

O lobby fóssil na COP29 e o apelo por revisão do modelo de negociação climática. Na imagem: Cerimônia de abertura da COP29, em Baku, capital do Azerbaijão, em 12/11/2024 (Foto Kiara Worth/UNFCCC)
Cerimônia de abertura da COP29, em Baku, capital do Azerbaijão, em 12 de novembro de 2024 | Foto Kiara Worth/UNFCCC

RIO – Na COP29, em Baku, Azerbaijão, o lançamento da Hydrogen Declaration pela presidência da conferência é um passo, ainda tímido, mas importante para o desenvolvimento de um mercado global de hidrogênio limpo, em mais uma COP marcada pela presença intensa de representantes do setor de óleo e gás.

A iniciativa, apresentada durante a reunião ministerial sobre iniciativas energéticas, busca acelerar a produção de hidrogênio de baixo carbono e renovável.

Entre outros compromissos, a declaração fala em aumentar a produção de hidrogênio renovável, atualmente estimada em apenas 1 milhão de toneladas por ano, e reduzir a dependência das 96 milhões de toneladas de hidrogênio produzidas a partir de combustíveis fósseis sem captura de carbono. 

O acordo também pede que os países integrem o hidrogênio em suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs, na sigla em inglês), e monitorem o progresso nas próximas negociações climáticas, como a COP30, que será realizada no Brasil em 2025. 

Além disso, a declaração destaca a necessidade de atuar em áreas como criação de demanda, padronização, certificação, financiamento, capacitação, comércio, pesquisa e desenvolvimento. 

O anseio pelo desenvolvimento da indústria do hidrogênio também se alinha às necessidades de tecnologias de armazenamento e transporte de energia renovável, após o compromisso da COP anterior de triplicar as energias renováveis até 2030 – visto que o hidrogênio pode ser um carregador de energia. 

“A presidência da COP29 vê isso como um passo crucial para os setores público e privado desbloquearem o potencial de um mercado global para hidrogênio limpo e seus derivados com princípios e prioridades orientadores, para abordar barreiras regulatórias, tecnológicas, financeiras e de padronização”.

Acordos para financiamento e transporte marítimo

Outra frente é o apoio de representantes de instituições financeiras de desenvolvimento nacionais e internacionais à The 10 GW Lighthouse Initiative, que tem como objetivo fomentar projetos de hidrogênio renovável em mercados emergentes, como o Brasil, levando-os da fase inicial à decisão final de investimento até 2030. 

A meta é impulsionar projetos de hidrogênio com capacidade entre 100 MW e 1 GW, especialmente em países em desenvolvimento, como parte da Agenda Breakthrough na COP29 de cooperação global em sete grandes setores emissores: energia, transporte rodoviário, aço, hidrogênio, agricultura e construção civil. 

No setor de transporte marítimo, mais de 50 grandes nomes da indústria naval, incluindo empresas como Anglo-Eastern, Fortescue, Mitsui OSK Lines e Trafigura, assinaram um compromisso durante as negociações climáticas em Baku. 

O acordo visa a plena descarbonização do setor marítimo até 2030, com a meta de que de 5% a 10% da energia utilizada nos transportes marítimos seja derivada de tecnologias de emissão zero ou quase zero, como a amônia verde derivada do hidrogênio.

Desbloquear investimentos estimulando a demanda

A falta de políticas apropriadas levou à demanda insuficiente por produtos verdes – como amônia verde, aço verde, cimento e combustíveis sustentáveis ​​para aviação – deixando corporações e instituições financeiras sem a certeza necessária para investimentos de longo prazo. 

É o que concluiu a carta aberta do Industrial Transition Accelerator (ITA) e pela Mission Possible Partnership (MPP), divulgada na quinta (14/11), assinada por 50 líderes e coalizões empresariais e financeiras, que representam mais de mil empresas e instituições financeiras.

Um dos caminhos para desbloquear esses recursos seriam iniciativas governamentais que estimulem a demanda, o que poderia injetar até US$ 1 trilhão em investimentos e tirar do papel mais de 500 plantas industriais verdes que seguem aguardando financiamento até 2030. 

Desde abril de 2024, apenas oito instalações em todo o mundo atingiram a decisão final de investimento (FID), deixando 561 no pipeline, ou seja, anunciadas, mas ainda não confirmadas definitivamente. Mais da metade delas (300) aguardam decisões de investimento há pelo menos dois anos

Presença dos fósseis 

Os avanços para o hidrogênio vêm em meio a mais uma COP29 marcada pela presença massiva de lobistas de combustíveis fósseis. De acordo com uma análise do grupo Kick Big Polluters Out, mais de 1.770 lobistas de indústrias fósseis participaram da conferência, superando o número de delegados dos dez países mais vulneráveis ao clima. 

A polêmica aumentou quando gravações secretas revelaram que Elnur Soltanov, CEO da equipe da COP29 e vice-ministro da Energia do Azerbaijão, estaria promovendo reuniões para facilitar investimentos no setor de petróleo e gás do país. 

Isso gerou críticas sobre o conflito de interesses e levantou questões sobre a real intenção do Azerbaijão ao sediar a conferência.

Em meio às controvérsias, o secretário-geral da ONU, António Guterres, fez um apelo contundente contra o uso contínuo de combustíveis fósseis, chamando a situação atual de um “desastre climático em câmera lenta”. 

Contudo, não se pode perder de vista que a indústria de óleo e gás também é uma das grandes interessadas no hidrogênio, uma vez que ele pode garantir a descarbonização no refino de combustíveis fósseis, ampliando sua permanência na economia. 

Além de também ver vantagens na produção de hidrogênio azul, utilizando gás natural com captura e armazenamento de carbono, o que também garantiria maior vida útil para a indústria nas próximas de décadas.