Energia

Como a ascensão da extrema direita na Europa pode impactar metas climáticas e financiamento da transição

Repercussão de novo cenário político na transição energética gera preocupação global, inclusive no Brasil

Ascensão da extrema direita e queda dos verdes podem impactar metas climáticas da União Europeia (Foto: CC-BY-4.0: © European Union 2024 - Source : EP)
Partidos de extrema direita consolidam ganhos importantes nas eleições da UE (Foto: CC-BY-4.0: © European Union 2024 - Source : EP)

PARIS — Nas eleições para o Parlamento Europeu, realizadas na última semana, os partidos de extrema direita consolidaram ganhos importantes enquanto os partidos verdes sofreram uma queda no número de assentos. 

Esse novo cenário político pode ter repercussões significativas nas metas climáticas da União Europeia (UE) e gera uma preocupação global, inclusive no Brasil.

Uma fonte do Itamaraty ouvida pela agência epbr avalia que o avanço da extrema direita em assentos legislativos tanto nos países da União Europeia como no Parlamento podem representar um risco às políticas de transição energética. 

Isso porque, depois da questão migratória, grande parte da população europeia está insatisfeita com a inflação e os altos preços da energia, exacerbados no pós-pandemia e pelo impacto econômico da guerra na Ucrânia, impulsionando assim o apoio aos partidos de extrema direita. 

Na Alemanha, por exemplo, houve uma reação negativa à introdução da lei que obrigou a substituição de sistemas de aquecimento a gás por bombas de calor elétricas, jogando para a população custos com a instalação e  o consumo elétrico. O tema foi explorado politicamente pelo partido de extrema direita do país, o Alternativa para a Alemanha (AfD).

Outro exemplo é o abandono da energia nuclear – uma pauta vitoriosa do partido verde alemão e que contribuiu para o aumento dos preços da energia no país. 

O especialista também lembra da enorme insatisfação do setor do agronegócio nos países europeus, que além da inflação, se queixam de legislações ambientais cada vez mais restritivas contidas em pacotes de transição ecológica. 

No início do ano, França e Alemanha foram palco de manifestações de agricultores que se queixavam de ser “bodes expiatórios” durante as reformas da “transição verde”. 

No caso alemão, após um rombo no orçamento, o parlamento aprovou um novo plano de gastos às custas de corte em subsídios ao diesel consumido por produtores rurais, o que gerou uma onda de protestos em todo o país. 

Já em 2018, uma reivindicação para o fim do imposto de carbono aplicado sobre o diesel levou milhares de manifestantes às ruas da França, o que deu origem ao movimento dos “coletes amarelos”, o primeiro grande desafio de Macron na presidência. 

Avanço da extrema-direita

Os partidos de extrema direita obtiveram ganhos substanciais, especialmente na Alemanha, França e Itália, os países mais ricos do bloco e com mais assentos no Parlamento Europeu.

Estes partidos agora ocupam 156 cadeiras, incluindo os grupos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) e Identidade e Democracia (ID), além da AfD e o Fidesz da Hungria. 

Já os verdes, que haviam aumentado seus eurodeputados de 52 para 74 em 2019, agora retrocederam para 53.

O Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, continua a ser o maior grupo no Parlamento, seguido pelos Socialistas e Democratas (S&D) e pelo Renew – partido liderado pelo presidente francês Emmanuel Macron.

Contudo, a recente eleição reduziu significativamente a influência do Renew, o que levou Macron a dissolver o parlamento francês convocando novas eleições internas no país.

Relacionamento Brasil-UE

O Brasil atualmente ocupa a presidência temporária do G20, o grupo que reúne as 19 principais economias do mundo, a União Europeia e a União Africana. E tem a transição energética e o financiamento climático como algumas das suas agendas principais na Cúpula que reunirá o grupo em novembro, no Rio de Janeiro. 

O país hoje é visto como um potencial supridor da União Europeia de fontes de energia e combustíveis renováveis, a exemplo do hidrogênio verde e combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, sigla em inglês). 

Contudo, uma possível revisão ou redução das metas ambientais da União Europeia poderia trazer mais incertezas aos projetos de fontes renováveis atualmente em desenvolvimento no Brasil.

Além de inviabilizar o envio de recursos internacionais para fundos de apoio à transição em países em desenvolvimento. 

Hoje, o Acordo Verde Europeu visa tornar o bloco neutro em carbono até 2050. Contudo, partidos de extrema direita já declararam sua intenção de contestar a implementação do acordo, em especial a meta de reduzir em 90% as emissões de carbono até 2040.

Dentro do G20, o Brasil propõe de criação de um fundo verde global, para apoiar iniciativas de energia renovável, eficiência energética e desenvolvimento de infraestrutura sustentável e a simplificação no acesso ao financiamento internacional,

O país também defende mecanismos que reduzam o custo do capital para investimentos em energias renováveis no Brasil, como garantias de empréstimos e seguros contra riscos políticos e de mercado, que dependeriam também do apoio de organismos financeiros multilaterais. 

Acordo verde deve continuar de pé

Em entrevista à Nature, o pesquisador de política climática do Instituto Ambiental de Estocolmo Richard Klein analisa que o Acordo Verde não será abandonado completamente, mas admite que “os orçamentos dedicados a medidas climáticas podem diminuir”. 

O representante do Ministério de Cooperação para o Desenvolvimento e Política Climática Global da Dinamarca, Dan Jørgensen, também aposta na continuidade da agenda climática.

“A Europa progressista em relação ao clima ainda está de pé. A transformação verde não retrocederá”.

Há um entendimento de que não haverá retrocessos no que já foi acordado, mas que novas metas mais ambiciosas para o clima devem ser enfraquecidas, a exemplo da decisão de banir a venda de veículos movidos a combustíveis fósseis a partir de 2035, contestado pelo próprio PPE, partido da atual presidente  da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Ela busca um segundo mandato e a eleição do próximo líder da Comissão será um processo crucial para definir os caminhos da política climática da UE. 

Sob o comando de von der Leyen, a Comissão aprovou uma série de políticas de incentivo para transição energética e expansão das renováveis no bloco. 

Contudo, para garantir uma reeleição, o PPE vem estreitando relações com os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) de extrema-direita, liderados pela Primeira-Ministra italiana Giorgia Meloni. 

Para James Kanagasooriam, diretor na Focaldata, grupo especializado em pesquisas de opinião pública, “há uma inclinação para a extrema direita, mas não um colapso”.

Segundo ele, os eleitores do PPE são mais próximos do S&D e do Renew do que de outros partidos no que diz respeito às questões ecológica

“Os Verdes estão em baixa, mas não necessariamente as opiniões da população sobre as mudanças climáticas”, diz Kanagasooriam.

Na avaliação de Linda Kalcher, diretora executiva da Strategic Perspectives, consultoria de políticas para o clima na Europa, avalia que “não houve uma mudança tectônica para a direita”, mas  que “talvez algumas das novas políticas não venham em nome da ambição climática”. 

Kalcher também destaca a dificuldade de formação de um bloco coeso em um possível alinhamento entre a centro-direita e a extrema-direita. 

“Se você olhar sob a superfície dos dois partidos de extrema direita, eles não estão muito alinhados […]. Se você observar o ECR e o Meloni especificamente, eles podem não ser um parceiro confortável para o PPE”.