Biocombustíveis

Be8 aposta no hidrogênio em estratégia renovada de internacionalização

Brasil precisa ter uma lei que efetivamente garanta que vamos produzir e utilizar biocombustíveis avançados, diz Erasmo Battistella

Be8 aposta no hidrogênio em estratégia renovada de internacionalização. Na imagem: Erasmo Battistella, presidente da Be8 (Foto: Vitor Avila/epbr)
Erasmo Battistella, presidente da Be8 (Foto: Vitor Avila/epbr)

BRASÍLIA — O ano de 2023 marca o início de uma nova fase na BSBIOS, agora Be8, empresa brasileira que cresceu junto com o programa de biodiesel e passa por uma transformação para conquistar novos mercados.

As oportunidades globais de negócios trazidas pela transição energética fisgou o empresário de Passo Fundo (RS), Erasmo Carlos BattistellaEm entrevista à agência epbr, o CEO da Be8 fala sobre os planos da companhia para ir além do biodiesel e se tornar uma fornecedora de energias renováveis. 

O novo portfólio inclui etanol, diesel verde, combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês), gás natural liquefeito (GNL), hidrogênio e amônia verdes

A Be8 submeteu uma proposta no leilão de hidrogênio do governo da Alemanha para comercializar a amônia verde, que será produzida pela biorrefinaria em construção no Paraguai.

“Nós nascemos com uma empresa que sempre se propôs a produzir biodiesel. Ainda é o nosso principal produto até hoje. Mas já há algum tempo nós começamos vários projetos, que estão em maturação, em fase de construção e também a expansão internacional que está nos levando para ser uma empresa de energias renováveis”.

A empresa está negociando biocombustíveis de segunda geração na Suíça, com a produção de biodiesel a partir de óleo de cozinha usado (UCO, na sigla em inglês). A planta suíça foi adquirida em 2022 para fortalecer a presença do grupo no país, onde já possuía uma plataforma de comercialização focada no mercado europeu.

Na América do Sul, o Paraguai foi escolhido para receber as instalações da biorrefinaria Omega Green, que produzirá biocombustíveis para de aviação e insumos verdes para a indústria química e petroquímica. A produção futura está negociada com empresas europeias.

Agenda setorial para investimentos no Brasil

Segundo o Battistella, a primeira coisa que precisa acontecer por aqui, para atrair investimentos, é o Brasil ter uma lei que efetivamente garanta que vamos produzir e utilizar biocombustíveis avançados. 

Battistella é um dos 246 empresários que integram o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o “Conselhão” recriado pelo presidente Lula (PT) para discutir a formulação de políticas públicas.

A agenda do CEO no grupo será focada em três pontos: biocombustíveis como a principal rota de descarbonização e transição energética, o Brasil se posicionando como um dos grandes fornecedores globais desses produtos e o aproveitar a influência brasileira para construir um alinhamento no Mercosulde políticas de produção e utilização dos renováveis.

A companhia nasceu no Rio Grande do Sul há 18 anos, acreditando no Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). Em abril de 2023, anunciou a mudança de marca para Be8, após um faturamento consolidado de R$ 9,6 bilhões em 2022, uma evolução de 9% em relação ao ano anterior.

Com a produção de 889 milhões de litros de biodiesel, a companhia manteve a liderança em volume produzido no país, com 14,24% do market share do setor.

A seguir, os principais trechos da entrevista com Erasmo Battistella:

Do biodiesel para novas energias

Battistella conta que o biodiesel continuará sendo um produto importante do portfólio, mas o empresário também está olhando para as “outras energias que estão acontecendo e vão acontecer“.

Planejada para ser a primeira planta de biocombustíveis avançados (HVO e SPK) do Hemisfério Sul, a Ômega Green, no Paraguai, deve começar a operar em 2025. 

As obras de infraestrutura do megacomplexo com investimento estimado em US$ 1 bilhão iniciaram no mês de novembro de 2021, com a definição de vias internas e de acesso, assim como todo o cercamento da área que abrigará o projeto. 

A produção de biocombustíveis será baseada principalmente no processamento de óleos vegetais para SAF e diesel verde, a partir de um ciclo que pretende ser autossustentável em termos de oferta de energia e hidrogênio, necessário para o hidrotratamento dos óleos vegetais (HVO).

O projeto é hoje o principal investimento da Be8 nos chamados biocombustíveis avançados e, segundo o empresário, está praticamente pronto para começar a construção da planta.

“Passamos por pandemia, pela escalada de preços de commodities, pelo início da guerra Rússia-Ucrânia. Tudo isso impactou em custos para os investimentos e também desequilibrou as relações das energias do mundo como um todo. Mas o projeto amadureceu muito e está praticamente pronto para começar a construção”.

A capacidade de produção dos biocombustíveis projetada é de 20 mil barris por dia e, a princípio, será destinada à exportação para os Estados Unidos, Canadá e países da União Europeia – onde está a demanda atualmente.

Brasil precisa ter uma lei que efetivamente garanta que vamos produzir e utilizar biocombustíveis avançados, diz Battistella (Foto: Vitor Avila/epbr)

Diesel verde no mercado brasileiro

Para que esses produtos ganhem o mercado brasileiro, será preciso avançar com as definições de marcos legais para o SAF e diesel verde.

“Essa indústria, além de colaborar na descarbonização do transporte terrestre, colabora na descarbonização do transporte aéreo e dos produtos petroquímicos. Os gases que saem do processo de produção são matérias-primas para a petroquímica. Por isso dependemos tanto que o Brasil tenha uma política pública para que se possa estabelecer uma indústria de segunda geração”, defende.

Battistella reforça que a transição energética precisa ser planejada olhando além dos carros e caminhões, e alcançar a petroquímica, que tem uma participação quase que dominante na economia, desde a produção de embalagens dos produtos que consumimos até as roupas que vestimos. 

Marco legal para o SAF

Internacionalmente, a aviação civil tem um acordo para descarbonizar suas operações usando prioritariamente o querosene de baixo carbono em misturas com o fóssil. Chamado Corsia, o tratado passa a ser obrigatório em 2027 – por isso o apetite de países ricos em firmar acordos de fornecimento antecipados.

Internamente, Europa e Estados Unidos também aprovaram políticas de incentivos para alavancar a indústria, garantir produção e desenvolver a demanda.

O Brasil ainda não conseguiu sair do lugar. O país tem matéria-prima de sobra, mas ainda não tem a infraestrutura. E o mercado pressiona por uma regulação que indique que será viável instalar biorrefinarias aqui.

De acordo com um mapeamento da RSB (Roundtable on Sustainable Biomaterials), o potencial para produção de SAF a partir de resíduos chega a 9 bilhões de litros, o suficiente para cobrir toda a demanda atual de querosene no país (7,2 bilhões de litros) e volume extra para exportar.

A demanda política está no radar do governo federal com o programa Combustível do Futuro. Há mais de um ano, o grupo formado por stakeholders, ministérios e outros órgãos de governo conseguiu chegar a um acordo e desenhar um projeto de lei criando o primeiro mandato de descarbonização para a aviação, com uso de SAF.

O PL, no entanto, ficou nas gavetas do Ministério de Minas e Energia (MME) no governo passado, e há uma promessa da gestão atual de finalmente apresentá-lo para discussão no Legislativo.

Para Battistella, o texto original, divulgado no ano passado, é tímido. Ele acredita que o potencial de produção é superior e para que o mercado possa fazer os investimentos necessários é preciso uma segurança jurídica maior.

Na avaliação do empresário, pesou contra o andamento do programa Combustível do Futuro as recorrentes reduções no mandato de biodiesel durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Oportunidade para exportação de SAF

“Eu acredito que, além de criar uma demanda local – que é importante porque o Brasil é signatário do Corsia e se não tivermos produção de SAF vamos ter que importar –, quando nós criamos e organizamos o mercado interno, temos a oportunidade de exportar”. 

Ele cita como exemplo a história do etanol, em que o Brasil primeiro criou um mercado interno e hoje exporta. Algo que começa também a ser replicado no setor de biodiesel – embora a exportação deste último seja ainda incipiente.

A Be8, inclusive, foi pioneira na exportação de biodiesel e Battistella observa que o país poderia estar enviando ainda mais do seu biocombustível para outros países, não fossem os custos internos e a estrutura tributária.

“Quando o Brasil criar o programa de biocombustíveis avançados, eu acho que ele cria sim uma demanda interna, mas cria a condição de se instalar parque industrial, que obviamente vai olhar os dois mercados, interno e externo”.

Espaço para todo mundo

Também em discussão no Combustível do Futuro e no Congresso Nacional está a política para inserção do diesel verde na matriz de combustíveis. A regulamentação desse mercado precisa ocorrer para viabilizar a produção de SAF, já que ambos saem juntos da biorrefinaria.

O que está em estudo é como o diesel verde vai chegar: se como concorrente ou complementar ao biodiesel.

Para Battistella, há espaço para todo mundo e o país precisa de um marco para os biocombustíveis, para garantir que o etanol e biodiesel, que já existem, tenham segurança, e também para trazer previsibilidade para os novos: diesel verde, diesel coprocessado e SAF.

“O mercado de etanol e biodiesel deve ser preservado, porque temos toda uma indústria instalada, investimentos feitos, a cadeia organizada. Mas é óbvio que precisamos fazer as evoluções como estão acontecendo, e implementar novas rotas tecnológicas”.

A expectativa é que o Combustível do Futuro consiga endereçar essas questões.

“Por exemplo, não tem mercado de SAF. Então vamos criar. O mercado de diesel verde e do coprocessado, não existe. Vamos criar esse mercado. E aí, para esses biocombustíveis que são drop in que ele possa ser tratado de forma diferente, que ele possa ser utilizado por exemplo em mercados mais concentrados”.

Uma alternativa seria a utilização de uma mistura de biodiesel com HVO para amenizar o problema de poluição nas grandes cidades. 

A aplicação em mercados cativos teria ainda um impacto menor sobre a inflação, já que o diesel verde é mais caro que o biodiesel e o diesel de petróleo.

RenovaBio e certificações verdes

De olho na demanda internacional, o executivo acredita que o país precisa analisar o que está sendo feito em termos de certificações da sustentabilidade do produto.

“O RenovaBio foi um grande avanço. Hoje as empresas que têm certificação elas já têm [que cumprir] muitas e muitas etapas, porque é uma certificação internacional. Mas nós defendemos uma atualização do programa para que ele possa ser aberto ao mercado externo”.

“O que eu percebo, conversando com players de outros países, é que o mercado externo além de ter uma demanda para produtos, há uma demanda por crédito de descarbonização”, completa. 

O RenovaBio é o único mercado regulado de carbono atualmente no Brasil, mas é setorial. Produtores de biocombustíveis emitem créditos de descarbonização (CBIOs) que remuneram a eficiência energética e ambiental da produção por tonelada de carbono que deixou de ser emitida.

Do outro lado, distribuidoras de combustíveis têm metas anuais obrigatórias de descarbonização que são cumpridas com a aquisição dos títulos negociados na bolsa de valores B3. Atualizações no programa estão em discussão desde o último governo. Mais em Governo Lula receberá propostas para reforma do RenovaBio