RIO — A Atlas Agro, empresa que desenvolve um projeto de hidrogênio verde para a produção de fertilizantes em Uberaba (MG), está propondo a criação de um fundo garantidor voltado a reduzir riscos financeiros e destravar investimentos no setor.
A ideia foi apresentada em evento realizado na Embaixada da Austrália, em Brasília, no início de setembro, com a presença de ministérios e instituições financeiras, e faz parte das discussões conduzidas na plataforma Acelerador da Transição Industrial (ITA, em inglês).
Criado na COP28, o ITA é uma iniciativa de fomento dedicada a acelerar a descarbonização da indústria intensiva.
Segundo Rodrigo Santana, diretor da Atlas Agro, a proposta do fundo garantidor é uma resposta à volatilidade do mercado internacional de fertilizantes, cujo preço é fortemente atrelado ao do gás natural.
“Um dos grandes desafios é a percepção de risco do investidor com a volatilidade de preço. O nosso modelo de negócio mostra claramente que somos competitivos, mas existe a dúvida de como o projeto se sustenta caso o preço do fertilizante caia abruptamente abaixo da média histórica”, explica em entrevista à agência eixos.
O mecanismo proposto funcionaria de forma semelhante a um contrato por diferença (CfD), já utilizado em setores de energia em países como o Reino Unido.
O fundo seria acionado quando o preço de mercado ficasse abaixo do chamado target price — definido como o custo de operação da planta somado ao serviço da dívida financeira.
No caso inglês, a empresa estatal Low Carbon Contracts Company (LCCC) gerencia os contratos de CfD e paga os geradores quando o preço de mercado está abaixo do preço de exercício.
Nessa situação, o fundo cobre a diferença, garantindo previsibilidade para investidores e financiadores.
“Se o nosso target price é 100 dólares e o preço de mercado cai para 80, o fundo cobriria esses 20 dólares. Quando o preço sobe, digamos para 130, o fundo seria recompensado com essa diferença a mais. Ou seja, no longo prazo, o mecanismo tende a se equilibrar”, detalha Santana.
Os parâmetros do fundo ainda estão em estudo pela consultoria Systemiq, parceira do ITA no Brasil.
Questões como o tamanho necessário do fundo, a governança e a forma de capitalização seguem em discussão.
“A ideia é que ele fosse liderado por algum ente do governo, mas não necessariamente precisa ser apenas com capital público. O melhor seria um mix de capital público, privado e concessional, para dar competitividade ao custo de capital e atratividade às instituições privadas”, afirma o executivo.
Desindexição do gás
A proposta é uma tentativa de viabilizar uma espécie de desindexação do preço dos fertilizantes verdes em relação ao gás natural.
Hoje, os insumos produzidos a partir de fontes fósseis sofrem grande instabilidade de preços conforme a cotação internacional do combustível fóssil.
Ao ancorar o custo dos fertilizantes verdes em contratos de energia renovável de longo prazo — que garantem preços fixos — e no fundo garantidor, a Atlas Agro acredita que é possível oferecer previsibilidade tanto a investidores quanto a consumidores.
Santana ressalta que o mecanismo não substitui políticas como o Profert, voltado à desoneração do Capex, mas atua em outra frente, que é a redução da necessidade de contratos de longo prazo com preços fixados (offtakes), geralmente exigidos por bancos para liberar financiamentos.
“Quando você tem esse fundo, você retira esse risco do banco de ele não ser pago, porque o fundo faz esse papel em relação ao preço. Isso reduz muito o risco de financiamento e a necessidade de offtake com preço definido”, diz.
O fundo seria focado em projetos de fertilizantes de origem renovável, ficando fora da proposta empreendimentos fósseis.
A viabilidade, no entanto, dependerá da quantidade de projetos interessados e do apetite das instituições públicas e privadas em compor o capital.
“Quanto maior o percentual de consumo de fertilizantes que se queira abarcar, maior terá de ser o tamanho do fundo. É uma balança entre o tamanho e o apetite dos entes para acelerar esse tipo de indústria”, explica Santana.
Hoje, existem apenas dois projetos anunciados de fertilizantes a partir de hidrogênio verde no Brasil, o da Altas Agro e da H2Brazil, ambos em Uberaba.
Além dessas, há interesse da Yara no hidrogênio verde. Hoje, a companhia norueguesa é a única produtora da América Latina de amônia verde, mas a partir de biometano.
A Atlas Agro foi a primeira selecionada no país pelo ITA. O projeto Uberaba Green Fertilizer (UGF) prevê investimentos de R$ 4,3 bilhões na construção de uma planta de fertilizantes nitrogenados a partir de hidrogênio verde, já em fase de projeto executivo.
Globalmente, o ITA reúne empresas, governos e instituições financeiras para apoiar projetos que possam chegar à decisão final de investimento (FID) até a COP30, em Belém, em 2025.
No Brasil, o foco é justamente ajudar iniciativas como a da Atlas Agro a superar barreiras de financiamento e acelerar a descarbonização da indústria de fertilizantes.