Energia

Alemanha pode cortar investimentos internacionais em transição energética

Crise orçamentária interna deu vazão a críticas da oposição contra governo de Olaf Scholz

Alemanha pode cortar investimentos internacionais em transição energética após corte de 60 bilhões de euros do Fundo para o Clima e a Transformação (KTF). Na imagem: Deputado alemão Thomas Silberhorn, do partido conservador CSU (Foto: Ralf Rödel/RR-Fotoreporter)
Deputado alemão Thomas Silberhorn, do partido conservador CSU (Foto: Ralf Rödel/RR-Fotoreporter)

RIO – Depois de uma batalha no parlamento e um corte de 60 bilhões de euros do Fundo para o Clima e a Transformação (KTF), o governo alemão de Olaf Scholz conseguiu aprovar o orçamento de 2024, em fevereiro, com algumas semanas de atraso.

As negociações impuseram um fim em recursos que poderiam ser destinados à transição energética e que deverão afetar o financiamento de projetos internacionais, incluindo no Brasil, em especial na cadeia do hidrogênio verde.

A Alemanha tem uma lei orçamentária que estabelece um teto de dívida, mas possui exceções em tempos de crise, como foi o caso da pandemia de covid-19, quando foi permitido que o país extrapolasse o limite deficitário.

A ideia de Scholz era reaproveitar 60 bilhões de euros originalmente destinados a amortecer as consequências da pandemia para apoiar projetos relacionados ao combate à crise climática.

Entretanto, os planos foram frustrados, quando a suprema corte alemã considerou o uso desses recursos inconstitucional, uma vez que a pandemia já havia acabado.

Como resultado, foi aberto um rombo de 60 bilhões de euros no orçamento, o que obrigou o governo a redimensionar as dotações de uma série de ministérios, entre eles o para Assuntos Econômicos e Proteção Climática (BMWK), que também sofreu um corte de 200 milhões de euros este ano.

Agronegócio leva protestos para a rua

Apesar de parcialmente aprovado, o governo ainda tem muito trabalho para colocar de pé o orçamento de 2024, sob pressão do agronegócio alemão.

Em entrevista à agência epbr, um dos líderes da oposição ao governo Scholz, o deputado Thomas Silberhorn, do partido conservador CSU – partido da ex-chanceler Angela Merkel – e presidente do grupo parlamentar Brasil-Alemanha no Bundestag, deixou claro que os investimentos em transição energética no exterior não podem comprometer o agro e a indústria alemã.

“Os investimentos estrangeiros na transição climática e energética não devem ser contrabalançados com investimentos nacionais. Pelo contrário: a nossa indústria e agricultura nacionais devem ser apoiadas para que possam assumir um papel pioneiro a nível internacional na transformação da economia”, disse o deputado.

“Os projetos que deveriam ser financiados pelo Fundo para o Clima e a Transformação (KTF) serão interrompidos ou encerrados”, completa.

Os cortes vão atingir o financiamento de “investimentos para proteger o clima e a diversidade biológica no estrangeiro”, despesa prevista no plano individual do BMWK. Será um corte de 200 milhões de euros, segundo Silberhorn.

O atual orçamento foi aprovado às custas de corte em subsídios ao diesel consumido por produtores rurais, o que gerou uma onda de protestos em todo o país no início de 2024. Na capital Berlim, estima-se que dez mil agricultores, além de tratores, bloquearam diversas ruas.

A resistência ao corte de subsídios deve continuar. Para que seja promulgada, a lei orçamentária ainda terá de ser aprovada pelo Bundesrat, que representa os 16 estados federais da Alemanha.

No entanto, o Bundesrat decidiu adiar a votação de partes que incluíam cortes nos subsídios aos combustíveis agrícolas, com apoio da oposição.

Scholz lidera uma coalizão que reúne o Partido Verde, siglas de centro e trabalhistas de esquerda – o que rendeu o apelido de ‘semáforo’, com o verde, o amarelo ao centro e o vermelho.

Para 2025, o KTF pode enfrentar um déficit de 10 bilhões de euros, ameaçando projetos de renováveis e hidrogênio, segundo informações da Bloomberg. E mesmo para 2024, ainda não está claro quais projetos serão continuados ou não.

Segundo o governo, as ações do Fundo alemão que envolvem a cooperação internacional na área de hidrogênio, com 280 milhões de euros, por exemplo, estão entre os que serão mantidos completamente ou em grande parte.

Uma das recentes críticas, feitas internamente na Alemanha, foi em relação à descontinuidade do financiamento pelo KTF de ferrovias no país – modal que possui menos emissões de carbono.

São projetos ferroviários com investimentos estimados em 13 bilhões de euros que deixarão de ser financiados pelo fundo.

Riscos para o leilão de hidrogênio

O BMWK é o responsável pela realização do leilão alemão de hidrogênio, o H2 Global, que está em curso. Segundo fontes ouvidas pela epbr, a situação orçamentária atual coloca em risco a realização de futuros leilões que estavam programados.

Outros projetos sob o guarda-chuva do BMWK em risco são os financiados pelo H2-Uppp. O programa apoia, via Parceria Público-Privada, iniciativas de aplicações de hidrogênio verde em países emergentes, como no Brasil.

Por aqui, o programa financia o projeto do Grupo Mele de produção de biogás, no Paraná, que pretende exportar bio-syncrude – um substituto sintético sustentável do petróleo bruto – para produção de combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês), em refinarias na Alemanha.

O H2 Brasil, sob comando de outro Ministério Federal da Cooperação e Desenvolvimento Econômico (BMZ) também pode sofrer o impacto dos cortes. Embora o BMZ esteja fora dos cortes previstos para 2024, a discussão orçamentária para o ano de 2025 já está em andamento, e o ministério está na mira.

Após ser questionada pela agência epbr, a Embaixada da Alemanha no Brasil disse, em nota, que “não há mudanças na cooperação atual (projetos em andamento) ou nos compromissos de cooperação futura na área de cooperação para o desenvolvimento sustentável relacionados à transição energética no Brasil”.

A Agência de Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ) afirmou que os projetos previstos para o H2 Brasil no ano de 2024 estão mantidos, conforme o cronograma planejado.

No ano passado, os ministros de Minas e Energia do Brasil, Alexandre Silveira, e do BMWK, Robert Habeck, enfatizaram a importância da “Parceria Energética Brasil-Alemanha” e a intenção de manter estreita colaboração na área energética, incluindo a possibilidade de parceria comercial para venda de hidrogênio verde ao país europeu.

Governo alemão deverá pensar em novas formas de incentivo

Para Ansgar Pinkowski, ex- gerente de inovação e sustentabilidade da Câmara de Comércio e Indústria Brasil Alemanha- Rio, o plano de transição energética alemão segue de pé, mas o país agora terá que encontrar outras formas de incentivo.

“A Alemanha continua comprometida com a questão da transição energética, continuam comprometidos com as metas estabelecidas, mas agora vão precisar avaliar as formas mais inteligentes para apoiar as empresas e o desenvolvimento do mercado”, disse à epbr.

Um eventual corte dos recursos públicos para projetos no Brasil seria uma oportunidade da iniciativa privada fazer seu papel, avalia Pinkowski.

“O bastão pode ser passado para a iniciativa privada agora em 2024. Temos empresas no Brasil que querem vender e na Alemanha que querem comprar”.

Pinkowski ressalta que, mesmo com os cortes orçamentários, a estratégia alemã para o hidrogênio deve ser mantida.

“Estão apostando no hidrogênio, tanto como fornecimento de fonte energia, mas também como um mercado para tecnologia alemão. Esses esforços para transições energéticas, além de garantirem a segurança energética da Alemanha, promovem a tecnologia alemã mundo afora”, afirma.

Já para o deputado Thomas Silberhorn, a estratégia nacional de hidrogênio da Alemanha, que foi desenvolvida em 2020 sob o governo federal liderado pela CDU/CSU, se implementada de forma direcionada, “seria um pilar fundamental na reorientação da segurança energética” nacional.

Contudo, o parlamentar observa que o atual governo de coalizão carece de sugestões concretas de implementação e de abertura à tecnologia. “O objetivo da liderança tecnológica na pesquisa e na indústria do hidrogênio é difícil de alcançar a este ritmo”.

Pressão social e ambiental

As pressões vão além da oposição. Na última terça (6/2), ativistas de organizações do meio ambiente e sociais, como do Greenpeace e do sindicato alemão Verdi – que representa 1,9 milhões de trabalhadores – protestaram pelo “dinheiro climático”.

Em carta enviada ao Ministro das Finanças, em janeiro, 16 organizações da sociedade civil argumentam que 11 bilhões de euros arrecadados pelo governo entre 2021 e 2023 com a taxação de carbono, e que deveriam ser utilizados para apoio à transição justa, estão sendo “utilizados no orçamento do Estado para outras tarefas”.

Ao mesmo tempo, o governo garante que o atual orçamento permite que todos os cidadãos continuem a receber apoio financeiro de 16 bilhões de euros para “renovarem os seus edifícios ou alterarem o seu sistema de aquecimento para que sejam amigos do clima”, além de 10,6 bi de subsídios para  receber “alívio dos preços da eletricidade”.