Hidrogênio em foco

Alemanha e França fazem as pazes sobre hidrogênio nuclear

Aproximação franco-alemã abre caminho para nuclear entre as fontes aptas a receber subsídios da União Europeia para hidrogênio

Indústria nuclear defende inclusão da fonte em regras da UE para hidrogênio de baixo carbono (Foto: Laurent Chamussy/European Communities Audiovisual Service)
(Foto: Laurent Chamussy/European Communities Audiovisual Service)

As duas maiores economias da União Europeia (UE), França e Alemanha, estão cada vez mais alinhadas. O novo chanceler Friedrich Merz e o presidente Emmanuel Macron vêm construindo uma relação marcada por proximidade pessoal e convergência estratégica — inclusive em um tema historicamente divisor, a energia nuclear.

No fim de agosto, uma nota conjunta entre Paris e Berlim sinalizou um marco político. Pela primeira vez em anos, os dois países se comprometeram a trabalhar juntos em propostas conjuntas para a transição energética da União Europeia. 

Uma delas, “a não discriminação entre todas as tecnologias energéticas líquidas zero e de baixo carbono em sua respectiva contribuição para as metas europeias de energia, sustentabilidade e clima”.

Outras poderiam envolver “alterações específicas a algumas regras europeias relevantes para a energia”.

A novidade abre caminho para a inclusão do chamado hidrogênio rosa, produzido a partir da eletrólise com eletricidade nuclear, entre as fontes aptas a receber subsídios do bloco.

Lados opostos

Desde o início da transição energética europeia, França e Alemanha se colocaram em polos opostos, quando o tema era energia nuclear. 

Enquanto Paris construiu uma das maiores matrizes nucleares do mundo — hoje cerca de 70% da eletricidade francesa vem de usinas do tipo, com planos de expansão de mais 13 gigawatts —, Berlim, após o acidente de Fukushima em 2011, iniciou um processo de desligamento das suas centrais, completado em 2023.

A disputa se estendeu até a definição do que seria considerado hidrogênio renovável pela UE.

A França insistia na inclusão do hidrogênio rosa como fonte limpa, mas perdeu a queda de braço para os alemães, que defenderam a exclusividade do hidrogênio verde — produzido por eletrólise com energia eólica e solar. 

A vitória alemã consolidou-se nas regras do bloco europeu.

Mesmo em julho de 2025, quando a Comissão Europeia publicou o aguardado Ato Delegado definindo os critérios para hidrogênio de baixo carbono, a energia nuclear novamente ficou de fora, apesar da entrada do hidrogênio azul — produzido a partir de gás natural com captura de carbono, em grande medida fruto da pressão norueguesa. 

Para a França, foi mais um revés, ainda que a decisão da Comissão não tenha refletido a recente mudança de rumos na Alemanha. 

Mudança de rota

O que mudou foi o próprio cenário político e energético na Alemanha. A chegada ao poder de Friedrich Merz e a nomeação de Katherina Reiche para o Ministério da Energia alteraram o tom do debate. 

Diante das dificuldades enfrentadas pelo país após as sanções ao gás russo, do qual a indústria alemã era altamente dependente, e da constatação de que não alcançará a meta de 10 GW de eletrolisadores até 2030, a Alemanha começou a falar em “pragmatismo e realismo”.

Em declarações recentes, Reiche destacou a necessidade de uma política “tecnologicamente aberta”, admitindo que o hidrogênio de baixo carbono poderá incluir tanto o produzido a partir de combustíveis fósseis com captura de carbono quanto o derivado de energia nuclear. 

O H2Med como emblema

O emblemático projeto H2Med, um gasoduto de 2,5 bilhões de euros planejado para ligar Portugal, Espanha, França e Alemanha até 2030, sintetiza esse dilema. 

Apresentado inicialmente como um corredor para o hidrogênio verde, o projeto encontrou resistências francesas.

Macron chegou a afirmar, em 2022, que o gasoduto deveria transportar “hidrogênio limpo” de qualquer origem — renovável ou nuclear. Espanha e Alemanha, no entanto, insistiam no critério estritamente verde.

Fontes do setor chegaram a afirmar que “o H2MED só sairia do papel se a França quisesse”, já que Paris controlava o ritmo das autorizações de passagem. 

Agora, com o novo entendimento entre os dois países, o impasse parece destravado. A nota conjunta de 29 de agosto reafirmou o compromisso com a concretização do corredor do europeu, e prometeu acelerar os estudos de viabilidade.

Recentemente, a operadora francesa de rede de gás Natran, uma unidade da concessionária Engie, criou uma joint venture para desenvolver o gasoduto transfronteiriço de hidrogênio com a espanhola Enagás.

O dilema da neutralidade

A aproximação entre Paris e Berlim não resolve de imediato o debate dentro da Comissão Europeia. O Ato Delegado publicado em julho deixou claro que a inclusão do nuclear ainda dependerá de consultas públicas em 2026 e de uma revisão mais ampla prevista para 2028. 

Mas o peso político franco-alemão pode encurtar esse prazo.

É importante lembrar que o dilema do hidrogênio com nuclear é parte de uma discussão global sobre como a transição energética deve levar em conta a neutralidade tecnológica, reconhecendo diferentes tecnologias de baixo carbono e as circunstâncias regionais — pontos muito defendidos pela diplomacia brasileira em fóruns internacionais. 

O não trancamento tecnológico vem se mostrando um caminho mais viável diante das dificuldades enfrentadas por uma transição mais acelerada — ainda que parte do insucesso dessa transição de deva a falta de senso de urgência frente às mudanças climáticas. 

Por aqui, a legislação brasileira optou por não delimitar rotas de produção na definição do hidrogênio de baixo carbono

Se por um lado, isso pode ser lido como um acerto, quando comparado às regras muitos restritivas da UE, por outro, seria bom que o Brasil se inspirasse na Europa e definisse metas ambiciosas e projetos de grande porte estratégicos para a indústria nacional do hidrogênio.

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