Hidrogênio em foco

A sinergia entre nuclear e hidrogênio 

Ampliação do parque nuclear brasileiro poderia colocar o país na liderança da nova economia do hidrogênio, garantindo segurança do sistema e grid descarbonizado

Vista geral das Usinas de Angra 1 e Angra 2 na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), em Angra dos Rei, no Rio de Janeiro (Foto Tomaz Silva/Agência Brasil)
Angra 1 e Angra 2 na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), em Angra dos Rei, no litoral fluminense (Foto Tomaz Silva/Agência Brasil)

A corrida global pela descarbonização trouxe o hidrogênio renovável, em especial, o verde, para o centro das discussões. Promissor como vetor energético limpo, ele pode ser a chave para descarbonizar setores difíceis de eletrificar, como siderurgia, transporte pesado e indústrias químicas. 

O Brasil, com sua matriz predominantemente renovável, parte de uma posição vantajosa. 

Mas junto com a oportunidade de uma nova indústria, pode se agravar uma preocupação, que já atinge o nosso Sistema Interligado Nacional (SIN), e que precisa ser encarado: a garantia de uma energia firme e, de preferência, limpa. 

É nesse ponto que a energia nuclear deveria entrar no radar das políticas públicas e do planejamento energético nacional.

A produção de hidrogênio por eletrólise exige grandes volumes de eletricidade, na casa dos megawatts. Para maximizar sua eficiência e competitividade econômica, os eletrolisadores devem operar 24 horas por dia, 7 dias por semana. Para isso, preferencialmente, devem estar conectados ao grid. 

O cenário de desenvolvimento de dezenas de plantas de hidrogênio verde ultra eletrointensivas — sem contar com a entrada também de data centers — pode estimular ainda mais a adição de eólica e solar. Fontes renováveis, que já vêm crescendo com maior velocidade no Brasil, e que são intermitentes por natureza. 

Quando o sol se põe ou o vento para, a produção de energia cessa, criando a necessidade de fontes firmes para preencher essas lacunas.

Hoje, essa função é, em parte, atribuída às hidrelétricas. Contudo, o modelo hidrelétrico brasileiro enfrenta sérias limitações. Algumas usinas operam a fio d’água, com baixa capacidade de armazenamento, tornando-se vulneráveis aos períodos de estiagem, que se tornam mais frequentes e intensos com as mudanças climáticas

Diante disso, o recurso mais imediato para garantir a firmeza tem sido recorrer às usinas térmicas a gás natural.

Essa solução, entretanto, é cara e poluente e contraditória

Contraditória porque, se essa fosse a única solução de balanceamento do sistema, o hidrogênio verde, indiretamente, poderia estar contribuindo para mais consumo de combustíveis fósseis. 

Soma-se a isso também o risco de projetos de hidrogênio conectados ao grid brasileiro, que hoje é majoritariamente renovável, verem sua pegada de carbono aumentar justamente pelo aumento da participação na matriz de térmica a gás. 

Então como garantir um grid limpo e com energia firme ao mesmo tempo? Uma das alternativas seria a aposta na expansão da geração nuclear

No horizonte decenal do PDE 2034,  está prevista a entrada em operação de 29,5 GW em usinas termelétricas a gás natural e nuclear. 

Contudo, na expansão contratada, está previsto acréscimo de 10,2 GW de potência no sistema a partir de dez novas UTEs, sendo nove UTEs a gás natural (4,9 GW) e apenas  uma nuclear (1,4 GW), somado ao montante de 3,9 GW referente a dez UTEs a gás natural já existentes. 

Competitividade da nuclear

Também é preciso olhar para os custos. Em 2022, a Thymos estimou em R$ 562/MWh a contratação das dos 8 GW de térmicas estipulados na lei de privatização da Eletrobras.  Na época, o governo chegou a contratar 14 termelétricas a gás a preço fixo de R$ 1599/MWh

Na comparação, as usinas nucleares Angra 1 e 2 operam com tarifa aprovada de R$ 308,41/MWh.

A energia nuclear também é menos vulnerável a variações no preço do combustível do que a geração a carvão ou a gás, já que o urânio representa uma parte limitada do custo total da geração de eletricidade nuclear e se baseia em fontes que são suficientes por muitas décadas.

Além da tarifa, a ampliação da infraestrutura de gás natural também é outro desafio, quando se comparam as duas fontes. Conectar as térmicas aos gasodutos, mantendo lucratividade ao gerador, poderia demandar subsídios. 

Também é preciso estar de olho na possibilidade de taxação de carbono — uma tendência global — o que poderia tornar essa diferença ainda mais expressiva.

O avanço da energia nuclear ganhou destaque durante a COP28, onde o primeiro Balanço Global do Acordo de Paris recomendou o avanço acelerado da fonte. Outro marco importante na conferência do clima em Dubai foi o compromisso assumido por mais de 20 nações em uma declaração conjunta que propôs triplicar a capacidade instalada de energia nuclear até 2050. 

No ano seguinte, durante a COP29 realizada em Baku, no Azerbaijão, mais seis países se uniram a esse compromisso.

Acoplamento da nuclear com o hidrogênio

A energia nuclear oferece o que o sistema precisa. Firmeza, confiabilidade, alta densidade energética e zero emissões diretas. 

As novas tecnologias de reatores nucleares são despacháveis, ou seja, capazes de ajustar sua geração conforme a demanda, como ocorre com as hidrelétricas. Mas, ao contrário das fontes fósseis, não contribui para o efeito estufa. E ao contrário das hidrelétricas, não depende do clima.

Mais do que isso: a energia nuclear tem sinergias diretas com o próprio hidrogênio

Reatores nucleares podem produzir hidrogênio de duas maneiras. 

A primeira, mais simples, é via eletrólise da água, utilizando a eletricidade gerada pela usina, o chamado “hidrogênio rosa”. A segunda é a termólise, que usa o calor do reator para quebrar as moléculas de água, reduzindo o consumo elétrico do processo e aumentando sua eficiência.

Estudos internacionais apontam que, com o uso de eletrólise de alta temperatura (HTE) acoplada a reatores nucleares, é possível produzir hidrogênio a custos extremamente competitivos.

Um levantamento do Idaho National Laboratory (EUA) estimou um custo nivelado de produção de US$ 1,86 por quilo de hidrogênio, assumindo uma planta de eletrólise operando com energia térmica e elétrica de um reator de 1.000 MWe. 

Valores assim colocam a produção nuclear no mesmo patamar — ou até abaixo — do hidrogênio verde convencional produzido por eólicas e solares.

No Reino Unido, um estudo demonstrou que a eletrólise a vapor de alta temperatura pode ser uma forma econômica de produzir hidrogênio quando acoplada a um reator a gás de alta temperatura, com uma estimativa de custo de 1,24 a 2,14 £/kg, enquanto para um ciclo termoquímico é de 0,89 a 2,88 £/kg. 

Segundo o estudo, a eletrólise a vapor é uma tecnologia mais desenvolvida do que qualquer ciclo termoquímico, o que significa que, além de haver menor variação no custo estimado, a implantação pode ocorrer mais rapidamente. 

O modelo se torna ainda mais interessante com os chamados small modular reactors (SMRs), que são reatores modulares e compactos, desenhados para operar de forma contínua, com menores custos de capaital, operacionais e maior flexibilidade, podendo ser construídos mais próximos aos centros de carga.

As tecnologias de SMR possuem capacidade de realizar load following (ajuste da produção) de carga. No entanto, seu melhor aproveitamento ocorre quando ele opera em potência máxima 24/7. 

Ao ser integrado com a produção de hidrogênio, ele pode manter essa operação estável: fornecendo eletricidade para o grid nos momentos de baixa renovável e redirecionando energia para os eletrolisadores nos momentos de sobra — evitando variações de potência, que aumentam o desgaste e o custo de operação das usinas.

A França, com seu modelo baseado em energia nuclear (mais de 70% da matriz elétrica), demonstra como a integração de fontes firmes e renováveis pode ser eficaz. Lá, os custos associados à intermitência das renováveis – como reforço de rede, backup e balanço de carga – são equilibrados, em parte graças à forte presença da energia nuclear no mix elétrico.

O Brasil, por sua vez, ainda hesita, com o potencial nuclear subutilizado, mesmo sendo a sexta maior reserva de urânio do mundo, um dos poucos países no mundo que dominam o ciclo completo do combustível nuclear, desde a mineração do urânio até a produção de energia, e uma das poucas nações que operam e constroem reatores nucleares.

O país opera apenas duas usinas — Angra 1 e 2 — e ainda discute a conclusão de Angra 3. 

A ampliação do parque nuclear brasileiro, inclusive com a participação da iniciativa privada na geração nucleoelétrica, somando a incorporação de SMRs e modelos de cogeração para produção de hidrogênio, poderia colocar o país na liderança da nova economia do hidrogênio, garantindo segurança do sistema e mantendo um grid descarbonizado. 

Pensar agora permitiria que projetos nucleares pudessem entrar em operação no meio década que vem, coincidindo com a capacidade máxima de produção dos primeiros grandes projetos de produção hidrogênio verde em larga escala. 

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