Os planos nacionais de hidrogênio têm sido lançados em velocidade bastante acelerada nos primeiros anos da segunda década do século XXI. As grandes potências, e mesmo países menores, procuram se posicionar nesse novo setor, que pode fortalecer a solução de muitos entraves ao avanço da transição energética.
Os desafios associados aos custos de novas fontes energéticas, às tecnologias, à construção de infraestrutura e à certificação de origem, com regulação precária e as dúvidas dos potenciais consumidores persistem.
É preciso criar um mercado para o hidrogênio, o que hoje não há. Projetos existem muitos, mas poucas são as decisões finais de investimentos.
As grandes companhias de petróleo ainda caminham cautelosamente na transformação dos sistemas de produção do hidrogênio (H2) usado em suas refinarias. Entre os processos destacam-se:
- (i) produção a partir da reforma do vapor de metano nas unidades SMR (Steam Methane Reforming), utilizando o gás natural como insumo;
- (ii) o uso de unidades de captura e sequestro de carbono (CCS) na produção do H2 azul;
- (iii) produção nos processos eletrolíticos de extração do hidrogênio a partir da água (H2 verde);
- ou (iv) a reforma do etanol para a produção de hidrogênio e combustíveis sintéticos.
Ou seja, atualmente a maioria das petrolíferas internacionais combina a descarbonização de seus próprios processos de produção do hidrogênio cinza (a partir de gás natural), com a entrada em projetos greenfield de novos sites de produção de hidrogênio de baixo carbono.
Investimentos miram a exportação
Estudo recente, divulgado pela Energy Intelligence, mostra que as grandes empresas estão planejando aumentar sua participação na produção de hidrogênio em países da América do Sul, África, Oceania e do Oriente Médio, regiões com grande potencial de expansão de fontes de energia renovável, mas com baixa demanda doméstica de H2.
A maior parte desses projetos se acopla a unidades de carregadores da molécula de H2, como a amônia e o metanol, para fins de exportações, uma vez que o hidrogênio líquido ainda tem grandes limitações logísticas para seu transporte de longa distância.
Apesar desse movimento, grandes potências também devem hospedar empreendimentos, tal como os EUA, cujo presidente, Joe Biden, adotou uma série de políticas de incentivos ao segmento, inclusive com programas de fortes subsídios apoiados pelos dois principais partidos dos EUA no Congresso.
A Exxon, por exemplo, planeja começar a operar, em 2027, a maior planta de hidrogênio azul do mundo, com capacidade de produção de 1 bilhão de metros cúbicos por dia de H2, ao lado de sua refinaria de Baytown (Texas), o que reduziria suas emissões de CO2 em 30%.
A Chevron, mesmo com menos ambições que sua rival, pretende alocar 30% de seu investimento em baixo carbono para projetos de H2 azul ou verde. Nos seus planos destacam-se seis unidades produtoras de hidrogênio na Califórnia, que devem operar antes de 2026.
Ambas as empresas americanas apostam em unidades de amônia e metanol, com vistas a potencial exportação a partir dos EUA.
Já a britânica bp anunciou como objetivo estratégico alcançar até 2030 uma produção entre 500 e 700 mil toneladas ano de hidrogênio, predominantemente verde, e, inclusive, comprou a Travel Centers of America para avançar no segmento de logística e conveniência de abastecimento de hidrogênio, gás natural renovável (RNG), biocombustíveis e outros.
Apesar da incerteza regulatória sobre o hidrogênio na União Europeia, a anglo-holandesa Shell já decidiu investir no projeto de construção de uma unidade com eletrolisador de 200 MW para produzir H2 verde na Holanda. Com foco no noroeste da Europa e na América do Norte, a Shell pretende investir US$1 bilhão, por ano, em 2024 e 2025, nesses projetos de hidrogênio.
A francesa Total Energies, que tem planos de abater emissões em 500 mil toneladas em sua produção de H2 cinza, adquiriu uma empresa para atuar na área e anunciou que pretende produzir um milhão de toneladas por ano de H2 verde até 2030.
A China, que gera a maior parte de seu hidrogênio a partir do carvão e é responsável por 95% da expansão da capacidade de produção na região da Ásia-Pacífico, tem adotado uma estratégia de baixo carbono ao invés de estimular o H2 verde eletrolítico.
A Austrália, outro player asiático importante, por outro lado, procura enfatizar suas vantagens na produção de energia eólica e solar.
Estratégia do Brasil
O Brasil, por sua vez, está ultimando os preparativos do Plano Nacional de Hidrogênio (PNH2) e do programa de “Combustíveis para o futuro”, enquanto os novos projetos de hidrogênio se concentram na região Nordeste, onde ocorre a maior expansão de parques eólicos e solares do Brasil.
A Petrobras, maior produtora e consumidora de hidrogênio cinza no Brasil, ainda não se pronunciou oficialmente sobre suas intenções com o produto. O seu novo Plano Estratégico 2024-2028 e as declarações de seus dirigentes apontam para uma ênfase na rota do biorefino, a partir do processamento de hidrogênio e fontes vegetais e animais.
Muitos dos projetos atuais no Brasil e no mundo repetem a lógica de privilegiar as exportações, com plantas de amônia, principalmente voltadas para atender o mercado europeu. Se ficarmos exclusivamente nesse modelo, estaremos exportando ar, sol e água, e deixando o acréscimo de valor industrial e econômico para o norte global.
Adotar a estratégia de integrar a cadeia do hidrogênio com a produção de combustíveis sintéticos e ampliar seus usos em setores de difícil redução das emissões de carbono, por exemplo, potencializaria a estruturação de uma nova cadeia produtiva no país.
Esse processo poderia fomentar o setor de economia verde e reduzir as emissões ao mesmo tempo em que ampliaria as oportunidades de trabalho e renda domésticas, além de atender algumas demandas de países importadores.
Nossos planos passarão pelo Congresso Nacional e nossas prioridades precisam ser estabelecidas tendo como balizador o adensamento produtivo interno e o desenvolvimento nacional. É urgente a necessidade de tomada de decisões.
José Sérgio Gabrielli Azevedo é professor aposentado da UFBA e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep).
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
Referência:
https://www.energyintel.com/00000189-f452-d827-a799-fdd798030000