A entrada de múltiplas rotas de produção de hidrogênio, com participação de fósseis e renováveis, pode contribuir para a ampliação do uso do gás natural na estratégia brasileira de transição energética.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) deverá publicar nos próximos dias notas técnicas sobre as perspectivas para produção de três cores de hidrogênio no país: o cinza, o azul e o turquesa.
“O hidrogênio cinza já temos, é o mais eficiente em termos de custos e o mais competitivo. Ele traz a base tecnológica. Mas a partir do gás natural, a gente também avança no hidrogênio de baixo carbono que pode ser azul ou turquesa”, explicou Heloisa Esteves, diretora de Estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis da EPE, em entrevista à epbr.
As cores são nomenclaturas para referenciar as diferentes rotas de produção do combustível.
Os estudos são uma colaboração com o governo britânico e devem contribuir com o desenho da Estratégia Nacional do Hidrogênio, prevista para o início deste ano.
O hidrogênio cinza é produzido a partir da reforma a vapor do gás natural com emissão de carbono na atmosfera.
Já o hidrogênio azul passa pelo mesmo processo, porém com a captura e o armazenamento do CO2 (CCS) emitido na reforma.
Enquanto o hidrogênio turquesa é obtido a partir da pirólise do gás natural, gerando o carbono sólido, uma espécie de coque que pode ser reaproveitado em processos industriais.
Rotas com gás natural ajudam a viabilizar hidrogênio
Diferente do hidrogênio verde — a partir de eletrólise da água a partir de energia renovável –, que ainda demanda uma curva tecnológica para viabilizar a redução de custos, os hidrogênios azul e turquesa, segundo os estudos da EPE, são mais competitivos.
Heloísa Esteves explica que ambos podem ter rápida inserção no mercado, para atender a demanda por alternativas de baixo carbono, se comparados com o cinza.
“Elas geram um energético flexível limpo a partir de um combustível fóssil que temos em abundância no Brasil”, diz.
Conta a favor do gás, então, as políticas e o desenvolvimento próprio do setor, que apesar da crise recente, vêm permitindo a entrada de novos agentes.
“Casando isso [a oferta de gás] com o Novo Mercado e com o setor mapeando o potencial da demanda, abrimos uma nova rota para a cadeia de gás natural desempenhar um papel na transição energética”, afirma Heloisa Borges.
Preço do gás natural é fundamental
Os estudos da EPE estimam que o Brasil poderia produzir o hidrogênio cinza custando entre US$ 1 e US$ 2 o quilo, enquanto o azul e turquesa azul poderiam chegar a US$ 2 e US$ 2,60 o quilo, considerando o preço do gás natural em US$ 6 por milhão de BTU.
“Para a produção desses tipos de hidrogênio, a barreira é o custo do gás, a regulamentação dos mercados de carbono e a solução logística”, afirma Marcelo Alfradique, Superintendente Adjunto da EPE.
No caso do azul, o preço estimado leva em conta o abatimento com a comercialização de créditos de carbono provenientes da captura e armazenamento de CO2, o que demandaria um amadurecimento desse mercado e avanço em questões regulatórias.
No fim de 2021, os preços do gás natural no Brasil, sem tarifa de transporte e no mercado cativo, ultrapassaram US$ 8 por MMBtu; para 2022, em muitos estados, o reajuste da Petrobras acabou judicializado. Questões de curto prazo.
Hidrogênio azul com captura de carbono offshore
A nota técnica da EPE trará, inclusive, um estudo de caso que levanta a possibilidade de instalação de plantas de produção de hidrogênio azul em plataformas offshore já existentes no pré-sal da Bacia de Santos.
Dessa forma, o CO2 emitido no processo seria capturado e injetado nos reservatórios, tal qual é feito hoje com o gás natural.
“Estão sendo feitos estudos ainda para injeção de CO2, porque já temos a tecnologia pronta para injetar o gás natural nos reservatórios. É um gás mais ácido que o natural, mas estudos apontam essa possibilidade”, explica a analista Claudia Bonelli, que participou da elaboração da nota.
Outro estudo de caso demonstrará a produção de hidrogênio azul onshore, em que o CO2 capturado seria transportado até a região pré-sal para injeção nos reservatórios.
Cadeia de valor do hidrogênio turquesa
Já no caso do hidrogênio turquesa, a projeção de custos da EPE também considerou a possível comercialização do carbono sólido, conhecido como negro de fumo, utilizado principalmente na fabricação de pneus.
Contudo, a nota aponta para a necessidade de ampliar o uso desse substrato na geração de carbono com alto valor agregado, como o grafite utilizado em baterias de lítio, para que de fato o preço desse hidrogênio se torne competitivo.
A EPE também cita estudos ao redor do mundo que comprovam a viabilidade de utilizar a estrutura de gás existente na distribuição e transporte do hidrogênio.
Isso se daria por meio de uma mistura do hidrogênio ao gás natural, que poderia ser, em geral, de 10 a 20%, chegando até 30%, como vem sendo proposto na Alemanha e nos Países Baixos, por exemplo.
No Brasil, o Ceará também estuda a viabilidade do uso compartilhado de redes para distribuição do hidrogênio. O estado, por meio do Porto de Pecém — e de olho em uma demanda global — vem tentando atrair projetos, especialmente, de hidrogênio verde.
Novos usos para desenvolvimento de demanda
Outro ponto destacado pela diretora da EPE é o avanço no desenvolvimento de novos usos para o hidrogênio.
“Precisamos avançar na compreensão dos usos do hidrogênio para além do que já conhecemos hoje. Conhecemos o uso do hidrogênio como insumo em processos industriais e no próprio refino, mas precisamos ainda buscar desenvolvimento tecnológico para o uso energético do hidrogênio”, diz.
“Há pouca clareza se esses usos energéticos alternativos são de fato sustentáveis em escala”.
Segundo ela, construir uma demanda e estrutura firmes de hidrogênio azul ou turquesa permitiria que, no futuro, fosse possível migrar para uma rota de biometano, com o hidrogênio verde, quando esse alcançar custos mais baixos.
Recentemente, Furnas, subsidiária da Eletrobras, começou a testar uma aplicação de hidrogênio para backup da geração hidroelétrica. Ainda é um projeto em escala de P&D, lançando em Goiás.
Olhando o mercado externo (como viabilizar o frete) e doméstico (fertilizantes), empresas também olham a possibilidade de incluir a amônia verde na cadeia do hidrogênio, setor que pode ser beneficiado pela geração de energia renovável na costa brasileira.
Flexibilidade: estratégia arco-íris
Heloisa Esteves reforça que o mercado de hidrogênio só poderá ser consolidado com a complementaridade entre os diversos tipos de hidrogênio.
Essa, inclusive, é uma das diretrizes apresentadas no Plano Nacional do Hidrogênio pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e aponta para uso de diferentes rotas na produção de hidrogênio no país, o que vem sendo chamado de hidrogênio arco-íris.
“É preciso ter uma oferta de hidrogênio de baixo carbono firme e acessível ainda nesta década. Precisamos de escala, não vamos poder abrir mão das várias rotas possíveis do hidrogênio de baixo carbono”, completa.
“Estamos bem confiantes na nossa modelagem, e para introduzir o hidrogênio na matriz energética vamos precisar contar com o hidrogênio de fontes fósseis e não fósseis”, ressalta.
Segundo a diretora, o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2031 incluirá um capítulo qualitativo sobre o hidrogênio indicando essa modelagem.