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Diálogos da Transição
eixos.com.br | 04/05/22
Editada por Nayara Machado
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Levantamento do MapBiomas, rede colaborativa de ONGs, universidades e startups, mostra que quase 98% dos alertas de desmatamento no Brasil desde janeiro de 2019 não possuem registro de ação de fiscalização ou autorização.
Os dados fazem parte do Monitor da Fiscalização do Desmatamento, iniciativa lançada ontem (4/5) que analisou as informações oficiais disponibilizadas pelo próprio governo federal.
O monitor recolhe e organiza informações sobre autorizações de desmatamento, autuações de fiscalização e embargo de propriedades rurais emitidos pelos órgãos federais e estaduais de controle.
As primeiras análises revelam que até março de 2022, o governo federal atuou apenas sobre 2,17% dos alertas. A área com ações de fiscalização registrada alcançou 13,1% do total de desmatamento detectado desde 2019.
Isso significa que os órgãos do governo deixaram de fiscalizar 194.964 dos 199.520 alertas de desmatamento no Brasil recebidos desde 2019.
“Apesar da abundância de informações e evidências de crimes ambientais, as ações de fiscalização ainda estão aquém do necessário para coibir o desmatamento”, afirma Ana Paula Valdiones, coordenadora do Instituto Centro de Vida (ICV) e uma das responsáveis pela plataforma.
Os dados são preocupantes. No primeiro trimestre de 2022, a Amazônia Legal registrou no primeiro trimestre o maior número acumulado de alertas de desmatamento na história do monitoramento feito pelo Inpe. O total chega a 941,34 km², maior índice desde 2016.
A plataforma Terra Brasilis, do Inpe, mostra que o crescimento em relação a 2021 foi de 64,19% – quando foram registrados 573,29 km² no mesmo período.
Sem ações de fiscalização, o Brasil assiste — literalmente — o desmatamento avançar. Em 2021 houve crescimento pelo terceiro ano consecutivo, o que colocou o país no topo do ranking global de destruição das florestas.
No ano passado, quase metade das áreas de floresta desmatadas no mundo estava aqui. Ao todo, o país perdeu aproximadamente 1,5 milhão de hectares de bioma nativo no período, segundo a plataforma Global Forest Watch (GFW), iniciativa do World Resources Institute (WRI).
Não é por falta de recurso. Um relatório do Observatório do Clima mostra que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) liquidou em 2021 apenas 41% dos R$ 219 milhões disponíveis para combater o desmatamento.
A título de comparação, nos governos anteriores a Bolsonaro, o Ibama costumava liquidar entre 86% e 92% dos recursos para a fiscalização.
Como consequência, o número de autos de infração por desmatamento foi o menor em duas décadas em 2021 — 40% abaixo da média da década anterior ao atual governo.
O número de embargos de propriedade caiu 70% em relação a 2018. Considerado um dos instrumentos mais eficientes contra o desmate, ele impede que áreas embargadas vendam carne ou soja, ou tomem crédito rural em bancos públicos, por exemplo.
Jair Bolsonaro inclusive comemorou em janeiro que seu governo reduziu “em 80% o número de multagens (sic)”.
Cobrimos por aqui:
- Agenda verde do STF tem seis ações contra gestão ambiental de Bolsonaro
- Empresários colocam mercado de carbono na agenda de presidenciáveis
- Segunda atualização da NDC brasileira descumpre Acordo de Paris
Estados mais atuantes. O monitor do MapBiomas analisou cinco estados da federação — Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará e São Paulo são os únicos com dados atualizados e em formato adequado — e encontrou uma situação um pouco melhor.
O destaque é Mato Grosso, onde a fiscalização incidiu sobre 29% dos 13 mil alertas de desmatamento.
Após a aquisição de sistema de alertas de desmatamento com imagens de alta resolução, o estado tem fortalecido o combate ao desmatamento ilegal. Quando considerada a área total dos alertas com alguma ação ou autorização, o percentual sobe para 41%.
Em Minas Gerais, ações de fiscalização da Semad (secretaria de meio ambiente) ou autorizações emitidas pelo IEF (instituto de florestas) cruzaram geograficamente com 22,4% dos alertas de desmatamento publicados no estado.
Os alertas onde foram identificadas ações representam, somados, 34,6% da área desmatada.
Pará é o estado com mais alertas de desmatamento validados pelo MapBiomas — mais de 60 mil desde janeiro de 2019. A partir da análise dos dados públicos disponíveis, em 1,8% desses alertas incidem autorizações ou embargos do governo estadual, o que representa 9,8% do desmatamento total publicado.
Em São Paulo, as ações de fiscalização da Sima (secretaria de meio ambiente) cobriram 21% dos alertas no estado, ou 26% da área total desmatada.
Em Goiás, as ações de fiscalização abrangeram 10,3% das notificações, cobrindo 24,8% da área de desmatamento detectada no período.
“Existem avanços importantes, especialmente nos estados, mas os dados do Monitor mostram que a impunidade ainda marca o desmatamento ilegal no Brasil”, comenta Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas.
“Dar transparência e publicidade às ações de fiscalização do desmatamento permite aos tomadores de decisão, especialmente no setor privado e financeiro, uma visão mais clara dos riscos que correm em relação à contaminação da cadeia produtiva com produtos oriundos locais com atividades ilegais de desmatamento”, completa.
Enquanto isso, as empresas assistem ao descontrole das emissões pelo desmatamento e aguardam a definição do mercado brasileiro de carbono, peça fundamental da política ambiental para setores econômicos que precisam se financiar e exportar em um mercado cada vez mais exigente.
O projeto está paralisado na Câmara dos Deputados e, sem acordo, o Ministério do Meio Ambiente trabalha em um decreto para iniciar a regulamentação do mercado nacional.
O setor de mudanças de uso da terra — onde está o desmatamento — é o que tem a maior participação nas emissões totais brutas do Brasil.
Em 2020, respondeu por 46% das emissões totais brutas, seguido por agropecuária (27%), energia (18%), processos industriais (5%) e resíduos (4%), de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg).
Naquele ano, as emissões totais brutas do Brasil somaram 2,16 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, um aumento de 9,5% em relação a 2019.