Energia

Governo aguarda BNDES para incluir Angra 3 no PAC

Banco está atualizando custos e viabilidade do investimento estimado em pelo menos R$ 20 bilhões para concluir a usina nuclear

Governo federal aguarda BNDES para incluir usina nuclear de Angra 3 no novo PAC. Na imagem: Construção da usina nuclear Angra 3, na região sul fluminense, que tem potência prevista de de 1,4 GW e poderá atender 4,5 milhões de pessoas (Foto: Agência Brasil)
Construção da usina nuclear Angra 3, na região sul fluminense, que tem potência prevista de de 1,4 GW e poderá atender 4,5 milhões de pessoas (Foto: Agência Brasil)

Tema que divide opiniões no setor elétrico brasileiro, a conclusão da usina nuclear de Angra 3, em Angra dos Reis (RJ), ainda vai passar por uma análise do governo federal para possível inclusão em uma atualização no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – o anúncio, em agosto, deixou de fora a finalização do empreendimento.

A decisão vai ser tomada depois da revisão nos estudos do BNDES sobre os investimentos necessários e a modelagem de contratação da empresa responsável pela conclusão da obra.

A previsão do banco é entregar as atualizações para análise no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) até o final de 2023.

Os estudos foram encomendados em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro, quando o projeto foi incluído no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Uma primeira versão foi concluída pelo BNDES e entregue em novembro de 2022 à Eletronuclear e ao Tribunal de Contas da União (TCU), antes da mudança de governo.

Incerteza sobre investimento privado

No momento, consta no PAC apenas o estudo de viabilidade técnica, econômica e socioambiental do projeto, sem previsão de conclusão das obras. O Ministério de Minas e Energia (MME) afirma que conduz avaliações adicionais “para certificar de que o empreendimento trará o maior benefício possível para as brasileiras e os brasileiros”.

“O estudo conduzido pelo BNDES envolve uma série de condições, premissas e parâmetros que impactam diretamente no cronograma da obra, no investimento necessário e, consequentemente, na tarifa a ser paga pela população”, disse o MME em nota.

Fontes afirmam que a incerteza sobre o investimento privado no projeto foi um dos motivos que impediram a inclusão no PAC em agosto. Ainda não se sabe qual a parcela estatal e qual a privada dos recursos necessários para concluir a usina.

Para a diretora do Instituto Ilumina, Olga Simbalista, pode ter pesado ainda na decisão a sinalização do BNDES de que as obras seriam concluídas apenas em 2029, depois do fim do atual governo. A Eletronuclear não se posicionou sobre o tema.

Articulação nos ministérios

A Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan) teve encontros nas últimas semanas sobre o tema com a Casa Civil e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, além dos ministérios de Minas e Energia, Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. O posicionamento do governo é que é necessário aguardar a atualização dos estudos do BNDES para novas sinalizações sobre o projeto.

“O PAC é o programa que aponta as principais obras para o governo. Deixar a maior obra do país de fora não foi uma boa sinalização”, diz o presidente da Abdan, Celso Cunha.

Mais R$ 20 bilhões

Em andamento há quatro décadas, Angra 3 será a maior usina nuclear do país, com capacidade de 1,4 gigawatts (GW). O projeto de construção teve início na década de 1980, mas foi interrompido diversas vezes. A pausa mais recente foi em 2015, na esteira dos desdobramentos da Operação Lava Jato. O ex-presidente Michel Temer e o ex-ministro de Minas e Energia Moreira Franco foram acusados de desvios em contratos da usina.

Com 65% de avanço no projeto, no momento, a Eletronuclear conduz as obras do plano de aceleração do caminho crítico, que visam preparar a área para a chegada da companhia que fará o projeto, engenharia e construção (EPC) para concluir a usina. O modelo de contratação do EPCista é um dos temas que está em estudo no BNDES.

O Ministério de Minas e Energia (MME) estima que a finalização da usina nuclear vai demandar R$ 20 bilhões, além dos R$ 7,8 bilhões já investidos até o momento. Por outro lado, o custo para abandonar a obra é estimado em R$ 13,6 bilhões.

Concluir ou abandonar

A necessidade de conclusão da terceira usina nuclear brasileira não é unanimidade. Os altos custos do projeto e os impactos nas tarifas de energia dos investimentos ainda a serem feitos são as principais críticas ao empreendimento.

Um estudo realizado pelo Instituto Escolhas em parceria com a consultoria PSR em 2020 apontou que o custo da energia gerada em Angra 3 seria menos competitivo do que o de 11 outras fontes. Desde então, no entanto, houve alterações nas premissas usadas no estudo, que considerava que os custos para abandono da obra seriam de R$ 11,92 bilhões e para a conclusão da usina, de R$ 15,5 bilhões. Além disso, também houve grande variação no câmbio. Cerca de 35% dos custos do projeto são em moeda estrangeira.

Para o chefe de pesquisa e desenvolvimento e inteligência de mercado da consultoria Thymos Energia, Victor Ribeiro, é importante atualizar as premissas econômicas do projeto, levando em consideração sobretudo os investimentos maiores e mais recentes, sem necessariamente considerar todo o custo histórico.

Aqueles que defendem a conclusão da usina argumentam que a fonte nuclear funciona como energia de base, que será necessária para dar segurança ao sistema elétrico num contexto da ampliação da geração de energia variável, com a expansão das fontes intermitentes como solar e eólica.

Ribeiro, da Thymos, destaca que as mudanças climáticas ampliam a importância das fontes de base no sistema. “A fonte nuclear pode funcionar como um seguro contra o imponderável. Tivemos duas crises hídricas em menos de sete anos e cenários de hidrologia bastante preocupantes. Nesse contexto, a energia nuclear é segura e importante, inclusive, para dar espaço para as demais fontes continuarem crescendo”, diz.

Hidrogênio rosa

Outro argumento em favor da continuidade é a importância estratégica para o país, sobretudo em termos de desenvolvimento tecnológico.

“Se o projeto não for concluído, o Brasil perde conhecimento. Somos um dos poucos países do mundo que domina o ciclo do combustível nuclear, temos urânio, capacidade de produção. Sem essa usina, vamos perder escala, perder fornecedores, os profissionais do ramo vão se aposentar, os investimentos feitos no setor ao longo dos anos se perdem”, diz o presidente da Abdan, Celso Cunha.

Especialistas dizem ainda que a interrupção na cadeia tecnológica com a não conclusão da usina reduz o espaço para que o país produza o hidrogênio rosa, gerado a partir de processos industriais dentro das plantas nucleares. Além disso, também pode impedir o Brasil de participar do desenvolvimento mundial de novas tecnologias, como a nascente indústria dos pequenos reatores modulares (SMRs, na sigla em inglês).

“Os SMRs trazem uma série de atributos adicionais, como flexibilidade da geração, e podem ajudar a fazer o controle e a injeção de potência nas redes, complementando as fontes solar e eólica, que são variáveis e sujeitas às questões climáticas”, afirma Simbalista, do Instituto Ilumina.

Ela ressalta ainda que caso o governo decida pelo abandono do projeto haverá um impacto na economia do estado do Rio, assim como na saúde financeira da estatal Eletronuclear, controlada pela ENBPar e pela Eletrobras.

“Com a paralisação de Angra 3, a Eletronuclear não teria receita proveniente da venda das energias de Angra 1 e Angra 2 suficiente para pagar os financiamentos já efetuados, comprometendo as receitas”, acrescenta.

Modernização de Angra 1 no PAC

O anúncio do novo PAC, no entanto, não deixou completamente de fora a fonte nuclear. Foi incluída no programa a modernização de Angra 1. A primeira usina nuclear brasileira entrou em operação comercial em 1985, com licença para operar por 40 anos, que se encerra em 2025. As obras de modernização indicam a extensão da vida útil do projeto, o que é considerado positivo pela Abdan.

Além de Angra 1, o Brasil tem em operação nesse setor Angra 2, projeto que entrou em operação em 2001. Juntos, os projetos somam 1,9 GW de capacidade instalada nacional da fonte nuclear, que pode chegar a 3,3 GW caso Angra 3 seja concluída.

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